Tempo de reflexão e de abstinência para os católicos, a Quaresma (do latim quadragesíma) representa os quarenta dias de jejum de Jesus Cristo no deserto, para descanso físico e espiritual, antes de principiar o seu ministério apostólico.
Com início na quarta-feira de Cinzas (quando encerra a quadra do Carnaval, logo após a terça-feira Gorda), termina no Sábado Santo, que antecede o dia da comemoração da Ressurreição de Cristo – o Domingo de Páscoa, festa da Igreja Cristã, solenizada desde os primórdios do cristianismo. No entanto, se procedermos à contagem destes dias, iremos achar mais de quarenta, uma vez que os domingos não são incluídos, por não serem considerados dias de penitência.
A última semana da Quaresma (Semana Santa ou da Paixão) vai do domingo de Ramos (ou domingo da Paixão do Senhor), que comemora a entrada de Cristo em Jerusalém para celebrar a Páscoa Judaica, até ao Sábado Santo, que antecede o Domingo de Páscoa. Sete dias depois da Páscoa celebra-se o Quasímodo, ou «oitava da Páscoa», correspondente ao domingo de Pascoela.
A Ascensão do Senhor (ou Ascensão de Jesus Cristo aos Céus) ocorre no quadragésimo dia a seguir à Páscoa e cinquenta dias após a Páscoa é comemorada entre os cristãos a Festa do Pentecostes (ou do Espírito Santo), em memória da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. No domingo seguinte cumpre-se a solenidade da Santíssima Trindade e na quinta-feira imediata têm lugar as cerimónias do Corpo de Deus. Estas duas festas, embora celebradas já fora do tempo pascal, encontram-se ainda relacionadas com a comemoração da Páscoa.
Oficialmente, a Igreja denomina os seis domingos que antecedem o domingo de Páscoa por domingos I, II, III, IV e V da Quaresma, chamando ao sexto domingo de Ramos na Paixão do Senhor. Estes domingos, ou as respectivas semanas são designados, no dizer do povo, pelo nome das figuras bíblicas: Ana (Santa Ana, casada com São Joaquim, pais de Nossa Senhora): Magana (Maria Madalena ou Maria Magdala, que vivia em Magdalane, na Galileia - daí o seu nome -, pecadora que se converteu a Cristo, lavando-Lhe os pés e enxugando-Lhos com os seus próprios cabelos): Rabeca (Rebeca, filha de Bathuel e esposa de Isaac, filho de Abraão, mãe dos gémeos Esaú e Jacob): Susana (mulher judia célebre pela sua beleza e castidade, injustamente acusada de adultério por dois velhos, que foram condenados à morte) e Lázaro (São Lázaro, ressuscitado por Cristo três dias depois de morto). Popularmente, se dirá, pois: «Ana, Magana, Rabeca, Susana, Lázaro e Ramos, na Páscoa estamos».
Muitas são as celebrações e os ritos que se efectuam nesta quadra associados às comemorações da Igreja e que fazem parte da liturgia pascal. A Quaresma, em anos mais recuados, era um tempo de silêncio, de recolhimento, de luto, de penitência. Renunciava-se aos divertimentos e tinha-se apenas uma refeição por dia, composta por pão, legumes e água. Em casa, cantar ou assobiar era considerado pecado e os cantos durante os trabalhos no campo substituídos por cânticos religiosos. Nesse período não se contraíam matrimónios. Caso se efectuassem, não se procedia à bênção nupcial da noiva, adiada para depois da Páscoa. Homens havia que durante toda a Quaresma – embora mais acentuadamente na Semana Santa – punham gravata preta, enquanto as mulheres vestiam de negro ou evitavam roupas de cores garridas.
À própria Igreja, no domingo anterior ao domingo de Ramos, impunha-se um maior rigor. Nesse dia procedia-se à «desnudação dos altares»: os crucifixos e as imagens dos santos eram cobertos com crepes roxos – cor do crepúsculo, que exprime a purificação e a penitência no caminho da humildade – ou negros – representando a morte, o luto e a tristeza. Tapavam-se as janelas e os vitrais, as flores eram retiradas dos altares e os sinos e campainhas calavam-se até à madrugada da Vigília Pascal, em Sábado Maior, altura em que se celebra a Ressurreição.
Devido ao silenciamento dos sinos, era uso o «tocar das matracas» na Semana da Paixão, para lembrar e chamar os fiéis para os actos litúrgicos. Geralmente, o portador da «matraca» era um jovem designado pelo padre. Acompanhado por outros jovens, percorria as ruas fazendo soar esse objecto feito de madeira e arame grosso, que emitia um som cavo e ritmado, com pancadas secas, a impor, de forma inerente ao luto da quadra, a obrigação aos fiéis. Outras vezes, a «matraca» era passada de mão em mão, para que todo o grupo participasse no ritual. Ainda hoje, em certas localidades do Alentejo, as «matráculas» convidam os fiéis para a igreja na tarde de domingo de Ramos, antes da saída da Procissão dos Passos ou do Senhor a Caminho do Calvário.
É também durante a Quaresma que se observa, em várias regiões do nosso País, uma tradição mantida desde há séculos: a «encomendação das almas» e o «cantar dos martírios». Trata-se de cânticos religiosos entoados tanto por grupos de homens como de mulheres ou os dois em conjunto. Os homens que têm a seu cargo a «encomendação das almas», percorrem as povoações procedendo à «visitação» nos domingos da Quaresma, partindo pela manhã, após a missa, pedindo esmola e entoando cantos piedosos por intenção das almas, revertendo uma parte das esmolas para fins de beneficência e a outra para a igreja ou capela dos lugares a que pertencem, tendo por destino a celebração de missas por alma dos defuntos.
Na entoação dos «martírios», os grupos reunem-se dentro das localidades, à porta das igrejas ou capelas, no adro, ou noutros locais já costumados As mulheres, vestidas de negro, entoam os cânticos nas sextas-feiras ou nos domingos da Quaresma, à noite, sempre em sítios altos, nas encruzilhadas ou subindo à torre das igrejas. Lopes Graça recolheu e transpôs para a pauta a música destes cânticos de muito difícil execução. Tanta, que poucas mulheres conseguem entoá-los. O ritual da «encomendação das almas», integrado no culto dos mortos, verificado noutras celebrações do calendário, toma, ainda, outras designações, conforme as regiões do País: «Lamentar das Almas»; «Deitar as Almas»; «Botar as Almas» ou «Inventar as Almas»
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.III
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