
Foi o meu saudoso amigo, o escritor Manuel da Fonseca, natural e a residir em Santiago do Cacém ( Alentejo e sub-região do Alentejo Litoral) ao ler este meu poema, que me explicou o nome certo para ele, e que eu desconhecia: «ir à «pida».Termo usado no Alentejo, quando os homens se ausentavam para pedir esmola, sempre que a falta de trabalho e a fome os obrigava a percorrer vilas e cidades afastadas das suas terras, por lá andando, por vezes semanas, regressando a casa quase sempre de mãos vazias.
Por essa altura, reli toda a obra de Manuel da Fonseca, grande nome da nossa literatura, que nos faz um relato fiel dessa época. Época de que muitos ainda estão bem lembrados, enquanto outros, que não viveram esses tempos, parece quererem agora, de maneira leviana e imprudente, que voltem ao Alentejo.
«IR À «PIDA»
Lembro-me
De os ver passar na minha rua
Em grupo, grupo pequeno
Três a quatro homens
A capa alentejana pelos ombros.
Vinham do “alto” da vila
Hoje cidade
Dividida como dantes
Em parte nova e parte antiga.
Na memória dos olhos
Guardo as suas capas
Castanhas, cor da terra
As cabeças cobertas
Com o lustro dos chapéus
A bota grossa
São imagens
Que ficaram na distância do olhar.
Quem seriam esses homens
A deambular pelas ruas?
E tinha medo
Um medo
Que me subia até aos ombros
E se sentava neles.
Espreitava-os
Pela cortina da janela
Falava-se de assaltos
De crimes e outras histórias
Tão falsas
Como a mentira do meu País de então.
Quando surgiam de uma esquina
Era o silêncio que lhes fazia escolta
Ninguém os conhecia
Quais seriam os seus nomes
Teriam mulher
Filhos, pais, família?
Circulavam de porta em porta
A subir, a descer escadas
De mão estendida, num acanhamento
Onde eu não percebia a mágoa e a revolta.
E nunca vi um gesto, ouvi uma palavra
Dei por alguém que se tivesse aproximado
Daquele grupo de homens
Sem alternativa, sem outra condição
A não ser a de pedir, estender a mão
A quem por vezes nada tinha.
Caminheiros do desamparo, da solidão
Oh! donos de tão grande pobreza
Passaram tantos anos…
Tempo que me pesa demais no coração
E só hoje acordei neste poema.
Porque hoje sei que a desventura
A falta de trabalho, a fome, a miséria
Os fazia surgir como a formiga
Em tempo (in)certo.
Com que abandono, meu Deus
Com que tristeza
Aqueles passos
Soam de novo aos meus ouvidos.
Nesta hora eu os ouvisse, pressentisse
Pedir-vos-ia perdão
Pela fartura do pão
De tão sobejo para a minha fome
Demasiado para a minha mesa.
Pela bênção de não ter, como vós
De depender da caridade alheia
De não sentir, como vós
O infortúnio de regressar um dia a casa
Ao ponto de partida
À mesma fonte de dor e de destino
Sem nada levar na algibeira
Além do pó da estrada
Do cansaço dos dias
Das horas de lonjura
Das saudades a pulsar nas veias.
Da longa
Da inútil caminhada
Com o fracasso
O receio e a mesma fome
A roer os ossos e as ideias.
Oh! Alentejo
Que não voltes mais
A meter medo
Às crianças das vilas
Das cidades
Ao deixares partir os teus homens
Dos lugares que amam.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Um Piano ao Fim da Tarde»
Edições Sarrabal
Tela: Jaime Martins Barata (pintor alentejano)
(«Ir à «Pida», publicado no meu blogue Sarrabal, recebeu em 2008 o Prémio Dardos, prémio virtual atribuído entre blogueiros, como reconhecimento por transmitir valores culturais, éticos, literários e pessoais,)
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