Responde: MARIA DO CÉU GUERRA
DESABAFO: Que má é a crítica teatral em Portugal!
SUGESTÃO: Uma coisa que já foi feita noutros países. As pessoas disciplinarem-se e um dia na semana não ligarem a televisão. Um dia qualquer, em que não haja um programa que lhes seja particularmente estimulante. Há muitos dias em que os programas não prestam para nada. Num desses dias, desliguem a televisão. Experimentem viver sem ela.
DISPARATE: Aquilo em que se transformou a vida do futebol português. Com a aquiescência e o entusiasmo de toda a gente. Negócio de massas, em que se tornou o que era apenas mais um desporto interessantíssimo da vida desportiva portuguesa.
ESCÂNDALO: O mundo tomar por normal que se faça uma guerra humanitária – que é coisa extraordinária, fazer-se uma guerra humanitária - , que depois se auto denomina como cirúrgica, porque os aparelhos de detecção do que se deve atingir são infalíveis. À pala disso, vai-se matando a torto e a direito quem se quer, vai-se acertando sem critério aparente (mas quem sabe se há um critério?), e se vem ao microfone e à janela do mundo, que é a Televisão, dizer: houve um efeito colateral, afinal, acertámos num hospital ou houve um efeito colateral, afinal matámos uma caravana de pessoas. Tudo isto, a partir de uma suposta boa consciência que é: há um senhor que é mau, que está a fazer mal a pessoas muito boazinhas e a gente tem de reordenar as coisas e tirar a esse senhor mau as hipóteses de continuar a ser mau. Então, tiramos-lhes – ele está-se bem nas tintas para isso – e, ao mesmo tempo, a um povo inteiro, com direito a viver, a comunicar, a ter luz, a ter sossego. Porque há um tirano que em vez de ser deposto, de ser afastado, arrasta consigo a dèbâcle de um país. Para mim é um verdadeiro escândalo.
APLAUSO: Duas das coisas que me apeteceu aplaudir foram a minha querida amiga e colega Fernanda Montenegro, pelo maravilhoso papel na Central do Brasil, e a minha querida amiga Margarida Gil, pelo filme «O Anjo da Guarda».
EXPECTATIVA: Para um actor é sempre o espectáculo seguinte. O espectáculo do dia seguinte. O minuto seguinte em cena. Para nós, está muito ligada a isso. De qualquer maneira não queria tornar umbiguista esta resposta. Reduzi-la ao meu trabalho e à minha função de actriz. Tenho, tenho uma expectativa, mas no sentido negativo. Pode-se ter uma expectativa negativa, não pode? Positiva? Ora deixa ver… Só me passam pela cabeça coisas que me dão vontade de rir. Olha, depois digo. Por agora, ficamos na expectativa.
PREOCUPAÇÃO: É muita a preocupação e, ao mesmo tempo, muita a curiosidade. O que é que vai acontecer com estas experiências de colonagem e de bio-intervenções genéticas? O que é que vai dar como transformação no mundo e na vida das pessoas? Não quero dizer que seja uma coisa que me obriga a pensar nela todos os dias, mas quando se fala em preocupações, penso nisso.
EMOÇÃO: São os outros. É o mundo, as pessoas. É uma sala cheia de gente a gostar daquilo que nós acabámos de fazer ou estamos a fazer. São os filhos que pusemos cá, neste mundo, a crescer, a serem homens, a serem mulheres… É isso tudo.
AMOR: É um grande estímulo para a minha vida. Tem sido sempre um grande estímulo. É o lugar onde se deposita toda a nossa generosidade, ou muita da nossa generosidade, do nosso entusiasmo. É toda a vontade de dar um presente, de dar uma gargalhada, de estar bem. Para além disso, de amar, o amor como sentimento abstracto, não sei, nunca experimentei. Acho que o amor tem muito a ver com a vivência do amor. Para mim, é um lugar onde me deposito.
SAUDADE: É um estado de espírito difuso, vago. No meu caso, quase nunca objectivado. Nunca tenho o espírito da saudade de uma pessoa, de uma coisa, de um sítio. Mas lembro-me de estar com saudades como quem tem sede ou como quem está a passar um fim de tarde bonito ou muito dorido. É sempre muito impreciso, indefinível…
SONHO: Sonho que o que faço e o que sou seja bem entendido e bem recebido pelos outros. Não ser aplaudida, mas compreendida. Ao longo da minha vida, tive sempre o sentimento de que havia, relativamente a mim, muito mais aplauso do que entendimento. Quando era pequena, lembro-me de sonhar que morria e que só tinha duas ou três pessoas no meu enterro. Era horrível. Vivia em Cascais e quando morriam pessoas mais pobres e mais isoladas via passar o carro funerário para o cemitério da Guia, seguido, a pé, por dois ou três velhotes, de chapéu na mão, e uma ou duas mulheres de escuro, com lenço. E pensava: «Que horror!» E sonhava muitas vezes o pavor de um dia morrer e ter um funeral assim. Este sonho mau representa o pânico da solidão, do isolamento em que se vive. Está na base da minha necessidade de comunicar com os outros — necessito, absolutamente, dos outros. Mas esse pavor não pode ter como contrapartida o sonho da comunicação a qualquer preço. Sempre sonhei com uma comunicação que não me desfigurasse, que não obrigasse as pessoas a fazerem juízos apressados sobre mim. O que é complicado. As pessoas têm tendência para não perderem muito tempo com os juízos que fazem. E um actor corre mais riscos. A minha presença na vida faz-se através de personagens. Não me olhem pelo que eu não sou. Que a notoriedade não me desfigure ao ponto de não deixar rasto nenhum neste mundo. Aquela parte de nós próprios, do valor exacto daquilo que se está a propor. Essa coisa ao pé da pele, ao pé da verdade. É o grande sonho que sempre tive.
MEDO: Há muitas formas de ter medo. No imediato, aquele que me lembra é o medo físico. É assustador. Uma pessoa com medo físico, é uma coisa aterradora. Outra vertente é o medo paralizante, que pode ser psicológico ou social. Mais parecido com falta de coragem, que reconhecemos melhor nos outros do que em nós próprios. Por outro lado, há grandes afirmações de coragem que são grandes provas de medo. E não estou a falar do medo que faz heróis, mas de grandes agressividades que, por vezes são espelhos de grandes sustos, de grandes medos. Tem vertentes interessantes. O medo da morte, por exemplo, é o que nos faz criar, reproduzirmo-nos, sonhar… Sem esse medo, não havia gente, aspirações ou as aspirações eram pequeninas.
INTIMIDADE: Para um actor é uma fasquia muito pequena da sua vida. A fímbria de intimidade, e não estou a falar da casinha, da familiazinha, mas da intimidade maior, situa-se, quase sempre, entre uma frase que se diz em cena a um colega e o tempo da resposta. É quase a privacidade que nos resta em termos de intimidade. É um momento só nosso. Fica muito pouco na vida de um actor como reserva íntima. Mas acho que é interessante cultivá-la como uma flor de estufa…
FIGURA PÚBLICA MAIS: Jorge Sampaio. Seria injusto não o citar. Ainda não se tinha feito o exercício ético da Função política. E também Paula Rego. É uma figura de estarrecer em termos de qualidade como pintora. Consegue personificar a nossa maneira de sermos portugueses. Pinta no feminino, absolutamente. Representa os nossos mitos, os nossos sonhos, os nossos períodos complicados. Todo o imaginário feminino português está ali. Para mim é uma figura mítica.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Não gostava há muito tempo tão pouco de uma figura política como de Cavaco Silva.
CALENDÁRIO: São as Estações do ano, coisa que só descobri quando comecei a ser adulta. Pouco a pouco, vamos percebendo que o tempo é rápido, subjectivo. Como a marcação da nossa caminhada é inexorável. Mas, para mim, que vivo na cidade, as árvores da cidade são as páginas do calendário.
Coordenação: SOLEDADE MARTINHO COSTA
Fotografia: RAÚL CRUZ
(Publicado pela primeira vez na revista Notícias/Magazine do Diário de Notícias)
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