Responde: JOÃO DE MELO
DESABAFO: A voz inclina-se sobre a atenção compassiva de quem ouve. Nunca digas nada que os outros não possam ou não devam dizer de ti. Alternativa: abre uma pequena cova na terra, murmura aos ouvidos da terra aquilo que só ela sabe ouvir.
SUGESTÃO: O caminho mais curto entre a hipótese e a vontade de ir e chegar seja onde for.
DISPARATE: Quando um político diz: «Não, não é verdade, eu nunca disse isso» – comete-o em duplo; ele mente acerca da mentira dita, disparata sobre um disparate por si cometido e assim sucessivamente.
ESCÂNDALO: Em certos casos e para certas pessoas, resulta de uma simples inversão entre os vícios privados e as públicas virtudes. Noutros casos e para outras pessoas, o escândalo é uma forma natural e até um modo de vida aparentemente honesto.
APLAUSO: Costuma ser o reconhecimento público de um mérito; se o reconhecimento é interesseiro, o aplauso torna-se letal como um veneno doce que, em vez de animar, leva consigo a alma do aplaudido.
EXPECTATIVA: Menos grave do que uma doença chamada ansiedade, por sua vez menor do que a doença da angústia – sendo esta a única expectativa de quem não sabe o que o espera, nem o que o desespera.
PREOCUPAÇÃO: Espécie de enxaqueca provocada por um estado de vigília, de vigia e algo que nos aflige.
EMOÇÃO: Imagem sobre alguém ou alguma coisa que idealizamos, como forma de sublimar a oposição entre o objecto do desejo e a realidade de que ele emana.
AMOR: Um arco que se eleva dentro de nós, um sistema de vasos comunicantes que provoca a ascensão dos nossos fluidos até ao olhar comovido por um rigoroso sentido da alma.
SAUDADE: Momento de pausa que serve para reconhecer a existência do tempo, para evocar o que nele deixámos suspenso, e depois vir de regresso a tudo o que no tempo não se repete.
SONHO: Pequena utopia que, ao contrário desta, não se destina a mudar o mundo dos outros, mas sobretudo o nosso.
MEDO: Nada é maior em nós do que a ideia e o facto da morte. Com fé ou sem esperança, a morte é a evidência suprema do homem. Mesmo o santo, porque crê, tem esse difuso mas absoluto medo dela. A fé não depende da inteligência, mas não passa de um acto inteligente que em si disfarça aquilo que nos confunde na morte. Ela é o fim, mas não a finalidade da vida.
INTIMIDADE: A parte carnal dos sentidos embalados no sentimento e no segredo do outro — do outro que faz parte de nós, daquilo que em nós e nele é eterno à medida de ambos.
FIGURA PÚBLICA MAIS: Há uma coragem específica e uma grandeza natural na pessoa pública de sentido positivo. As pessoas não sabem nem sequer imaginam o que essa coragem lhes exige.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Pode ser definida exactamente como a anterior, com excepção da responsabilidade ética e moral que a tal coragem impõe. Sentido negativo da figura pública: pior do que a inutilidade, o senso ilegítimo, o desmerecimento, a injustiça que premeia a figura — sem que ela mesma saiba porquê, para quê.
CALENDÁRIO: Alguém pensou que o tempo, sem esta medida da sua própria fragmentação, seria um caos, uma desordem. O calendário prova não só que o tempo existe como prova que, sem uma ordem de medida, seria eterno, estranho e nunca possuído pelo homem.
Coordenação: SOLEDADE MARTINHO COSTA
Fotografia: RAÚL CRUZ
(Publicado pela primeira vez na revista Notícias/Magazine do Diário de Notícias)
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