Responde: RUY DE CARVALHO
DESABAFO: Tenho alguns desabafos. Não percebo porque é que os homens se digladiam, se matam, se destroem. Não sabem conversar, deixaram de dialogar. Os tempos evoluem, há muito mais possibilidades de saberem o que fazem. Interesso-me pelo bem-estar do meu semelhante e fico muito desiludido com a Humanidade. Quando se acusa, ainda, uma juventude que se droga, verificamos que a maioria procurou a felicidade. Se entrarem numa «droga boa», que é a Cultura, do tratamento espiritual, de ler, ir aos espectáculos, a palavra desabafo deixou de ter o sentido que lhe dou neste momento: o de um desabafo triste. Mas sou optimista. Tenho muita esperança.
SUGESTÃO: Peço ao povo português que cultive e fomente mais as coisas do espírito. A riqueza verdadeira de cada país, é aquilo que foi ficando da sua própria cultura. Sugiro também que o afecto seja uma realidade. Que toda a gente se saiba beijar com afecto. Há muita gente que nunca deu um beijo de amor. Há filhos que não dão beijos aos pais. Sugiro às pessoas que tratem, que reguem o jardim maravilhoso do afecto. Tudo se resolve com afecto, com simpatia, com um bom sorriso. É uma sugestão…
DISPARATE: No nosso país é um disparate a nossa Cultura não ser apoiada, desde a mais simples, artesanal, até à erudita. A arca do tesouro de cada país é a sua cultura. Um país que busca o sentido espiritual é, com certeza, muito rico no sentido material. É disparate não apoiar aquilo que vale a pena. E «tudo vale a pena, quando a alma não é pequena». Disparate é quando a alma começa a ser pequena e não apoia o que é grande, porque julga que é pequeno…
ESCÂNDALO: Nunca procurei o escândalo. Perdemos imenso tempo tendo coisas tão importantes no mundo para tratar. Escândalo é isso: tratar do que não interessa.
APLAUSO: Para o actor, o aplauso é fundamental. Tem a ver com a nossa vida. É a minha recompensa. Tenho sentido muito esse aplauso. Na cara, porque me têm beijado muito. Fiz o meu trabalho com modéstia, por amor. Diz o povo: «quem corre por gosto, não cansa». Canso, canso, mas com muito gosto!
EXPECTATIVA: Há qualquer coisa que se desenha no nosso futuro. Não gostava de me ir embora desta vida para a outra – onde tenho muitos amigos –, sem ver algumas das minhas expectativas realizadas. No final do século podemos atingir os 120 anos! E estamos com reformas aos 65… Um homem e uma mulher, não podem reformar-se com essa idade. Que se reformem quando disserem «não posso mais», mesmo que seja aos 90! E há muita gente com 90 anos ainda útil.
PREOCUPAÇÃO: Uma preocupação em relação às pessoas idosas é o isolamento, a solidão, o suicídio. Tem algo a ver com uma grande actriz que se chama Eunice Munõz. Ela que deu tudo na vida, não só ao Teatro como à família. É uma mulher de uma generosidade espantosa. Não é fácil. É uma pessoa muito exigente profissionalmente. E nós, em Portugal, estamos pouco habituados a uma disciplina de trabalho à procura da qualidade. Mas tem muitos amigos, a Eunice. Ela é que se calhar não sabe. Tem gente que a estima muito.
EMOÇÃO: Emociono-me bastante. Qualquer coisa, põe-me lágrimas nos olhos. Estou muito sensível. Quando vejo uma criança com fome, fico muito preocupado. E tento convencer o meu neto a não deixar a comida no prato. Há meninos que eram capazes de comer a espinha que ele deixa. Comiam-na! E ele deixa uma espinha cheia de peixe. Há milhões de pessoas neste Mundo que nada têm e que nós esquecemos todos os dias sem querer. Um colega de quem era muito amigo, o Curado Ribeiro, dizia-me poucos anos antes de partir: «sabes, emociono-me muito, choro muito, comovo-me muito. As coisas im- pressionam-me. A desumanidade, a frieza com que nos tratamos uns aos outros…» Mas também me emociono nos momentos felizes. Nesses, a lágrima vem, mas o sorriso fica na cara…
AMOR: Está no meu coração. Está em tudo em mim. Não quer dizer que às vezes não peque, e não faça juízos da minha falta de amor. Quando não sou capaz de dar dinheiro aos arrumadores de carros, por exemplo. Se der, talvez esteja a ajudar a matá-los. O discurso do «coveiro» no Hamlet, ainda hoje se mantém. Aquelas perguntas que o «coveiro» faz à «caveira». Aquele pensamento é sublime. E uma ajuda amorosa aos homens. Sem o amor, não se vive.
SAUDADE: Sou um homem de saudades, mas não sou um saudosista. Tenho muitas saudades de muita gente, de muitas coisas. Dos meus pais. De todos os meus queridos que já partiram. Saudades de África. Das gentes de África. Dos cheiros. Dos sítios por onde andei. Saudades dos meus colegas — espero encontrar uma Companhia lá em cima, para fazermos depois o Teatro que gostamos. Quando sinto saudades de um amigo, de um familiar, trago-o à memória e mato saudades.
SONHO: É o que diz o nosso querido Gedeão: «sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança». Misturou o sonho com as coisas materiais e chamou-lhe «pedra filosofal». Devemos manter o sonho vivo e sonhar todos os dias. Até ao último momento. Principalmente, os sonhos que o acordar nos oferece, que são muitos.
MEDO: Quanto mais conhecemos a vida, mais medo temos. Às vezes não por nós, mas pelos outros. Há vários tipos de medo. O medo profissional, também tenho. É um medo por respeito às pessoas. Medo de falhar, de ser ridículo. Sobretudo, tenho sempre medo de prejudicar alguém. O nosso povo começa a ter medo de andar na rua, de sair à noite, ir ao teatro, ao cinema… temos de dominar o medo. Com medo que as coisas piorem.
INTIMIDADE: As pessoas não me privam da minha intimidade. Ando na rua sem perder a minha intimidade. Tenho «passe» para andar no Metro, no eléctrico, no autocarro… Sou um cidadão normalíssimo. Não fujo ao encontro com as pessoas. Vivo com os outros, preciso deles. Mas prezo muito a minha intimidade familiar.
FIGURA PÚBLICA MAIS: Gorbatchev. Tenho uma grande admiração por ele. Um verdadeiro democrata com ideias socialistas. Um homem que deu uma volta no mundo. Que pôs a palavra democracia no sentido certo que ela tem: o respeito pelos outros. Que deitou abaixo um muro que dividia os homens. Nas suas ideias, não há divisões de ideias, há comunhão de ideias. É o homem que me marcou.
FIGURA PÚBLICA MENOS: O Ayatollah Khomeyni. Um radicalista horroroso. Sou um homem religioso, sou cristão. Tenho muita honra nisso, sigo Cristo, sou um católico assim-assim, mas radicalismos religiosos, em nenhuma religião admito. Não se pode perseguir um escritor, só porque discorda de nós! Foi uma sombra no mundo e deixou as suas sombras. O seu espírito infernal ficou.
CALENDÁRIO: Agradeço todos os dias que vão passando. Espero que os futuros sejam melhores, sempre. Não sou um homem do passado. De efemérides. Se não fosse a minha família, não guardava nada de mim. Tempo? deixo passar, deixo passar…
Coordenação: SOLEDADE MARTINHO COSTA
Fotografia: RAÚL CRUZ
(Publicado pela primeira vez na revista Notícias/Magazine do Diário de Notícias)
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