Responde: EUNICE MUNÔZ
DESABAFO: Por vezes, traz-nos problemas. Tem de ter sempre uma direcção certa. Quando assim é, torna-se fundamental, porque quem desabafa liberta-se de um peso grande. Passa a ser comprometedor se for parar a ouvidos que não tenham por esse desabafo o respeito que ele merece.
SUGESTÃO: Todos nós temos tendência para dar sugestões. Pessoalmente, não as dou muito. Não faz parte da minha maneira de ser. Fico sempre um pouco intimidada. Quem sabe, até, por uma questão de vaidade. Se a minha sugestão não resultar, posso ficar numa situação difícil…
DISPARATE: Todos fazemos disparates na vida. Penso que ninguém se atreverá a dizer que nunca os fez. A maior parte das vezes, somos nós próprios que fabricamos os disparates. Podia encher uma folha com todos os meus disparates – e os dos outros.
ESCÂNDALO: Já Jesus falava no escândalo. São situações muito difíceis. Qualquer um de nós pode vir a estar metido num escândalo. Às vezes, nem sequer nos passa pela cabeça que determinada coisa possa tornar-se num escândalo. Tudo depende dos ouvidos que ouvem, dos preconceitos, da pouca humanidade que existe nas pessoas que o comentam e naquelas que, por vezes, o fabricam.
APLAUSO: Tenho de dar graças a Deus pela minha vida profissional ter sido sempre rodeada disso mesmo: de aplausos. Estreei-me muito pequena, com treze anos, no D. Maria. A partir dessa altura, tive logo a meu lado uma mulher extraordinária, que se chamava Amélia Rey Colaço. Que me protegeu sempre, que me deu sempre muita da sua ternura, do seu afecto. Que sempre me entusiasmou a fazer as coisas e que sempre me foi aplaudir, ao longo da minha carreira. Os aplausos dela são inesquecíveis para mim. Do público, sempre tive também essa ternura e essa estima através do aplauso. Lembro-me de uma história bonita. Quando fiz a Joana d’Arc, apercebi-me de que um homem – sempre o mesmo – descia pela coxia central, ia à beira do palco, e dizia os seus «bravos». Ao longo de muitos anos ele fez exactamente assim, e repetia sempre: «Bravo, Joana d’Arc, bravo!» Um dia, suponho que pela ordem natural das coisas, desapareceu, partiu. Eu tinha vinte e sete anos quando fiz a Joana d’Arc, e já então ele era um senhor de meia idade…
EXPECTATIVA: A partir de certa idade não se está em situação – nunca se está – de perder tempo. O tempo é precioso. Estou, pois, na expectativa…
PREOCUPAÇÃO: É aquilo que nos faz acordar de noite e a partir daí ter muita dificuldade em voltar a adormecer. Tenho muitas preocupações. Mas não dizem respeito ao meu trabalho. O meu trabalho é a forma de lutar contra elas. Quem tem, como eu, seis filhos, netos, fatalmente, tem de ter muitas preocupações. As minhas cingem-se à minha vida familiar. Aí, sim, são permanentes. Mas vou lutando contra elas. Sempre fui uma mulher forte e uma lutadora em relação a muitas coisas da minha vida. Entretanto, faço o que toda a gente faz: viver com as preocupações sem permitir que elas nos destruam completamente.
EMOÇÃO: É uma das coisas mais belas da vida. Deus deu-nos esse prazer imenso e não há palavras para Lhe agradecer essa dádiva. É das coisas grandes da vida. Das coisas boas da vida. É aquilo que fica depois de já ter passado muita coisa. São momentos da nossa vida e não são tantos assim. Mas são tão fortes, tão belos, tão extraordinários, tão únicos, que ficam em nós para sempre. E são as emoções que nos dão esses momentos inesquecíveis.
AMOR: É a grande palavra. É a chave do mundo. É indispensável na nossa existência. Todo o amor é fundamental. Sem o amor, como é que nós conseguíamos viver? E é tão difícil, tão triste, quando pensamos ou começamos a perceber que não nos têm tanto amor como gostaríamos. O que fará viver sem ele! Há pessoas – e temos de nos lembrar sempre disto – que não têm essas hipóteses. Pessoas que vivem rodeadas de muito pouco ou nenhum amor.
SAUDADE: É tudo aquilo que Camões diz, não é? É difícil definir o que é a saudade. É tão indefinível, tão especial… É portuguesa! Os poetas é que são capazes de a explicar. No que me diz respeito, não sou uma pessoa saudosa. Não vivo da saudade do que ficou para trás. Não faz parte da minha natureza. Nunca fico agarrada ao passado. Não quero dizer que ao longo da minha vida não tenham existido coisas muito belas. Existiram, graças a Deus! E é muito bom lembrá-las, recordá-las. Mas não acompanhadas desse sentimento. O passado é o passado, está lá, lá ficou. A saudade que me dói é feita de coisas diferentes. Da energia que tinha há vinte anos, por exemplo. Isso, sim, dessa energia, desse entusiasmo de ser capaz de suportar as coisas com outra segurança, com outra força, com essa outra coragem, disso sim, tenho saudades. Disso é que eu tenho saudades.
SONHO: Há sempre uma tendência para se dizer disto ou daquilo «é, realmente, um verdadeiro sonho!». Sonhar é bom. Eu gosto de sonhar. Mas sonho pouco. Sempre tive os pés bem agarrados à terra. Sempre fui uma criatura telúrica. Nunca sonho com coisas que não posso realizar. Não vale a pena. Os meus sonhos vão só até onde eu possa concretizá-los. Sempre deitei fora as coisas irrealizáveis.
MEDO: Seríamos diferentes se não tivéssemos medo. É o grande inimigo de todos nós. O maior de todos. Cria-nos problemas constantemente. É uma coisa terrível. Altera tudo em nós. Altera, até, a nossa própria personalidade. Assusta-nos. Ficamos diminuídos com o medo. Mesmo com aquele medo muito simples, o da timidez. Até aí, o medo, é sempre o nosso inimigo.
INTIMIDADE: É a minha casa, os meus objectos, as minhas velhas coisas, as minhas histórias, que cada uma delas tem. É a minha ligação com os meus filhos, com os homens da minha vida, alguns deles que me deram os meus filhos. É qualquer coisa de muito precioso para mim. É como uma pérola. Mas não ofereço a minha intimidade a muita gente. Sempre fui assim. Muito fechada. Tenho amigos, felizmente, mas são poucos, muito poucos. Aqueles que recebo na minha casa e a casa de quem vou, são muito poucos também. Tudo o que possa perturbar a minha intimidade, deixa-me nervosa. Com vontade de afastar determinadas pessoas, com as quais sei que não posso ter intimidade.
FIGURA PÚBLICA MAIS: Há pessoas que admiro muito. Uma delas é a Maria João Pires. Por tudo o que ela é. Pela generosidade extraordinária que tem para com o seu semelhante. A Maria João é comovente. Uma mãe extremosa. A sua grande inquietação são os seus filhos, os seus netos. É uma pessoa inesquecível. Tão caritativa, tão natural, que me deixa comovida. Não tem um gesto, uma palavra, que não sejam espontâneos. É incapaz de ter uma pose. Rendo-lhe toda a minha admiração.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Não vou falar de ninguém em especial. Há figuras públicas menos, mas será que as razões porque elas o são estão todas certas? Com que direito falamos dessas pessoas por quem temos menos admiração ou menos respeito? O que conhecemos delas chegará para as colocarmos de lado? No fundo, sabemos tão pouco uns dos outros…
CALENDÁRIO: O meu deu-me uma bisneta, chama-se Sara. É um segundo bisneto. O primeiro, filho do meu neto mais velho, chama-se Lucas e é um amor. O meu calendário, aí está bem preenchido…
Coordenação: SOLEDADE MARTINHO COSTA
Fotografia: RAÚL CRUZ
(Publicado pela primeira vez na revista Notícias/Magazine do Diário de Notícias)
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