Responde: RITA FERRO
DESABAFO: É a tangente, a derrapagem, a vertigem da confissão. Decorre de um estado de saturação brevíssimo, mas arriscado. Junto da pessoa errada, é um convite à devassa, à deturpação, ao paternalismo e à conclusão grosseira. Não é justo, é nervoso e parcial: diz apenas o necessário para que alguém nos aplique o penso rápido do consolo imediato. Nele a verdade é falsa, como diria Jorge de Sena.
SUGESTÃO: Uma vingança menor.
DISPARATE: Proferi-los ou executá-los pode custar tão caro como reprimi-los. Pode invejar-se mais um disparate do que um bem material. E é talvez por isso que os disparates que fazemos para nos salvarmos são muitas vezes os que acabam por nos afundar. Nós mandamos neles, mas as pessoas mandam em nós. E só fazendo disparates, muitos, é que se aguenta essa humilhação.
ESCÂNDALO: Uma factura que vale sempre a pena. Ou para quem a assina, e degusta o profano gozo da independência, ou para os que não ousam e necessitam de ser avaliados por comparação.
APLAUSO: É, em última análise, divertido: só nós sabemos o que valemos, e esse segredo, velhaco ou escarninho, é talvez o mais bem guardado da existência. E se não fosse injusto não causaria tanto incómodo.
EXPECTATIVA: Um desgaste desnecessário: nunca é a felicidade que está em jogo mas a solução provisória de que julgamos depender.
PREOCUPAÇÃO: Nasce no útero, durante a passagem estreita. Ninguém acredita que se pode caber em dois dedos de dilatação.
EMOÇÃO: Um falso estado de felicidade com muita procura. Não é tão serena como a felicidade, mas pode ser mais fecunda, generosa, criadora.
AMOR: Muitos acham que amar é acreditar (por um mês, por toda a vida) que o outro lhe lavará as chagas, protegerá do frio, saciará a sede, os amará corcundas ou doentes. Descobrem que não é amor quando se apercebem que outra pessoa lhes poderá prestar um melhor serviço com menos custos.
SAUDADE: A lástima de descobrirmos que, afinal, parte de nós são as coisas e os outros.
SONHO: Uma belíssima alternativa de vida para quem tem o sono pesado.
MEDO: Não posso. Não consigo. Não chego. Não sei. Uma paralisia convincente.
INTIMIDADE: A conquista da cegueira (ou até da estima, ou até do amor) do outro relativamente às nossas fealdades e menoridades. É prémio. É repouso.
FIGURA PÚBLICA MAIS: A que é amada, compreendida, perdoada.
FIGURA PÚBLICA MENOS: A que apenas realiza. A apenas pública.
CALENDÁRIO: Uma simples burocracia. O que há nos anos, nos meses e nos dias nunca são os anos, nem os meses nem os dias
Coordenação: SOLEDADE MARTINHO COSTA
Fotografia: RAÚL CRUZ
(Publicado pela primeira vez na revista Notícias/Magazine do Diário de Notícias)
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