Como testemunho de reconhecimento por tudo quanto a terra produziu e prece de benefício para as colheitas do novo ano, a bênção dos campos tinha lugar, principalmente, nos três dias anteriores à Quinta-Feira de Ascensão, formando-se cortejos que percorriam, nesses três dias, diversos lugares para proceder ao remoto ritual.
Actualmente, já assim não é. Embora se mantenha o preceito de a bênção ser feita no tempo das colheitas da Primavera ou no fim do Verão. Daí merecer a pena referir (por fugir ao que é usual nestas ocasiões) a bênção dos campos efectuada em 1996, na aldeia beirã de Manhouce (Vizeu), quando ali chegou a imagem peregrina de Nossa Senhora da Conceição.
Era a altura das colheitas do Verão e alguém se lembrou de ofertar à Senhora produtos da própria terra, em troca da sua bênção. Assim, cada casa, cada janela, cada porta, cada rua, com eles se enfeitou da maneira mais original, artística e festiva. Utilizaram-se sacas de feijão, de batata, de grão, abóboras, maçarocas, azeitonas, peras, maçãs, castanhas, figos, etc, etc.
Viam-se portões ornamentados com cachos de uva. Cestos vindimos cheios de milho-branco, outros de milho vermelho. Ninguém esqueceu uma diversidade de utensílios agrícolas, expostos em lugar de detaque: alfaias, grades, enxadas, arados. Mesmo os carros de bois. Viam-se cestas, canastras, mantas típicas estendidas no chão, com uma diversidade de produtos em cima – tudo o que a terra dá. Nem sequer faltaram as broas de milho nem as pequeninas «bolas» feitas com massa de pão, os «michos».
As soleiras das portas e diversos lugares visíveis apresentavam desenhos imaginativos feitos com feijão, pevides e demais sementes. Outros, em carreirinhas singelas, alguns alternando apenas na cor e nos elementos usados. Outros, ainda, em arabescos mais rebuscados e criativos, a mostrar a arte que sabem ter as mãos calejadas.
E flores, muitas flores, a fazerem efeitos e legendas nas portas: «Senhora da Conceição»; «Nossa Senhora»; «Bendita Sejas». Até as palavras «Ave-Maria» apareceram «bordadas» no chão com espigas de trigo. Era a festa. A grande festa rural. Feita da riqueza de quem trabalha a terra. E a quem a terra tanto dá, quando a sabem amar e tratar bem.
Nossa Senhora da Conceição decerto viu, apreciou e atendeu o pedido das gentes de Manhouce, abençoando, em troca, os campos de quem foi capaz de lhe mostrar o seu reconhecimento, a sua fé e a beleza das coisas simples.
Soledade Martinho Costa
Do livro Festas e Tradições Portuguesas, Vol. IV
Ed. Círculo dos Leitores
. SEMANA SANTA - «O GALO DA...
. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...
. VARINAS
. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...
. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...
. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...
. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...
. REGRESSO
. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...
. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...
. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...
. BLOGUES A VISITAR