
É com o sangue do porco, a escorrer devagar para um tacho, que se fazem as famosas «papas de moado», doce tradicional do Baixo Mondego, desde Penacova a Buarcos (Figueira da Foz, Beira Litoral). Além do sangue do animal, as papas levam água, um pouco de farinha, açúcar, banha de porco, sal, cominhos, cravinho, casca de limão, pinhões, passas de uva, nozes e canela – mexendo sempre para o mesmo lado, como manda o preceito.
É também com o sangue cozido do porco que se prepara, principalmente no Norte, o apreciado «sarrabulho», bem condimentado, misturado, por vezes, com papas de milho. Em terras do Minho recheia-se com «sarrabulho» e mel o bucho do porco, assado depois no forno, enquanto nas Beiras o bucho é recheado com a mistura do enchido das morcelas, a que se junta arroz. Em Sarzedas, come-se o sangue cozido, cortado às fatias, temperado com salsa, alho, vinagre e azeite.
Na ilha da Madeira, pelo Natal, após a primeira «Missa do Parto», quando se procede à matança do cevão, madrugada dentro, o sangue é utilizado para o tradicional «sarapatel», confeccionado com o sangue do porco temperado com sal, ao qual se juntam passas e nozes. As «buchaninhas» (bucho do porco recheado com arroz), costumam ser oferecidas em pratinhos às pessoas mais gradas e aos amigos. Nas ilhas dos Açores, quando se diz «já fiz o meu Natal», significa «já matei o meu porco».
Quanto ao apreciado presunto (cortado da perna), após bem esfregado com sal, alhos e vinho branco, fica em repouso até ao dia seguinte. Nessa altura é completamente introduzido em sal, numa salgadeira bem tapada, onde permanece durante quarenta dias – chegando, na Beira Litoral, a ficar no sal durante dois meses ou mais.
Passado esse tempo, lava-se com água ou vinho branco, para retirar o sal, e vai ao fumeiro não mais de uma semana, por vezes metido numa saca de papel grosso para não ficar muito negro e a cheirar a fumo. Por fim, é barrado com uma mistura feita com massa de pimentão, colorau e azeite. O presunto só deve ser comido um ano depois, havendo mesmo quem prolongue esse espaço de tempo – é evidente que nos estamos a referir ao bom presunto. Mas há também quem o coma bem mais cedo.
As várias gorduras retiradas ao porco, destinam-se, depois de derretidas, à feitura da banha, resultando os resíduos nos torresmos. Outra espécie de torresmos, muito apreciada, é feita com a gordura da «barrigueira», à qual se junta pedacinhos de bofe, de fígado e de coração.
A banha mais fina é conseguida com a gordura que envolve o bucho do porco, de aspecto arrendado, a dar pelo nome de «véu», «lencinho», «ressó», «riçol» ou «redenho», conforme as localidades – dizendo o povo ter sido a partir dele «que a mulher teceu a primeira renda».
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas»
Ed. Círculo de Leitores, Vol. VIII