A festa representa uma das formas mais significativas de (re)encontro social das comunidades, baseada na convivência entre as populações de um determinado lugar, isto é, apresenta-se como motivo catalisador de renovado relacionamento dos habitantes de uma mesma localidade e os daquelas que lhe são vizinhas – incluindo os forasteiros vindos de longe.
Além de servirem ao estreitamento de laços de confraternização e amizade, dão ensejo, não raras vezes, a negócios que se concretizam ou se apalavram e também às notícias de quem não pôde estar presente, trazidas por familiares e amigos que voltam à terra por altura das festas, para nela tomarem parte e matarem saudades.
A festa simboliza, assim, uma espécie de sala de convívio de cada terra, em que a grande família comunitária se reúne com os seus pares e as suas visitas, e onde os usos, práticas e crenças que lhe estão associados, abarcando devoções religiosas e profanas tão específicas quanto ricas na sua articulação e diversidade, mais se fazem notar, particularmente, na devoção aos oragos que se festejam – tendo em conta que atrás de cada festa há sempre um santo padroeiro que se venera e louva.
Os meses de Julho, Agosto e Setembro (este com as suas Feiras) apresentam-se, por excelência, como três dos meses eleitos de norte a sul do País para dar continuidade, no seu máximo expoente, ao grande ciclo das romarias, uma das manifestações de maior significado e colorido da tradição rural portuguesa, sendo, portanto, nas comunidades rurais que este género de festividades mais acentuadamente envolve as populações e as mobiliza na defesa e divulgação das suas tradições, a merecer a nossa atenção pelo significado e importância de que se revestem, quer no que respeita ao calendário religioso, quer etnográfico.
Mistura do sagrado e do profano – uma constante nos costumes populares –, a manter vivas as nossas raízes, resultam, predominantemente, da celebração em louvor de um orago, ou padroeiro de uma localidade, realizando-se a festa e a romagem à sua capela, por vezes situada em lugar ermo ou de acesso pouco fácil, na data que lhe é consagrada.
Na generalidade, trata-se de festividades seculares, exuberantes de tipos e costumes, algumas a comportar cerimónias reminiscentes de cultos milenários, às quais as multidões acorrem atraídas por um conjunto de manifestações antecipadamente programadas e anunciadas, tanto de âmbito litúrgico como lúdico: cerimónias religiosas associadas a missa de festa e imponentes procissões, cortejos, bandas filarmónicas, desfile de gigantones e cabeçudos, feiras onde se vende um pouco de tudo, sempre com destaque para o artesanato e toda a espécie de produtos dessa região, música, ranchos folclóricos, fogo-de-artifício e arraiais onde se petisca, canta e dança pela noite fora.
Quase sempre antecedidas por um peditório, numa espécie de introdução à própria festa e a dar-lhe início, por vezes com grupos de danças acompanhados por gaiteiros, tocadores de bombos ou tamborileiros, seguidos pelo fogueteiro, continua a verificar-se o costume, mantido em certas localidades, de os festeiros ou mordomos, oferecerem em troca do donativo frutos ou bolos tradicionais próprios dessa ocasião. Noutros lugares os peditórios tomam a forma de cortejos de oferendas, com as doações a serem leiloadas após o desfile.
As categorias, pode dizer-se que se dividem em duas: as pequenas romarias, a chamar a si apenas as populações locais e as gentes dos lugares vizinhos, geralmente com a duração de apenas um dia e a noite da véspera, e as grandes romarias, de maior movimento urbano, a dar origem a verdadeiras peregrinações anuais ao local onde se efectuam, umas e as outras a comportarem, na sua maioria, rituais específicos que fazem as características e a diferença entre cada uma delas.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.VI
Ed. Círculo de Leitores