
Linda, linda, esta caixinha enviada de Angola por Maria Eugénia Neto. Lá dentro, encontrei o poema que publico hoje. Sobre esta «convidada», devo referir que se trata da única voz feminina que se faz ouvir na «festa» de aniversário do Sarrabal. Será que os homens têm mais tendência para a poesia? Neste capítulo, é evidente a sua supremacia em relação às mulheres. Daí, acreditar que dentro de cada homem há um poeta, mesmo que não escreva versos – são os chamados poetas escondidos.
Maria Eugénia Neto, viúva do presidente Agostinho Neto, de Angola, zeladora e guardiã incansável do espólio literário de seu Marido (a obra poética de Agostinho Neto conta com inúmeras reedições em Portugal e no estrangeiro), é a Amiga que encontrei a partir do Segundo Encontro de Escritores Portugueses, realizado na Gulbenkian em 1983. Ficámos íntimas amigas até hoje. Tanto, que a minha neta mais pequenina (Soledade Eugénia) é sua afilhada.
O seu trabalho literário divide-se entre a poesia, o conto e a literatura para a infância, contando-se por muitas as obras publicadas, algumas em várias edições e traduzidas em diversas línguas.
Mas como não é minha intenção fazer aqui um retrato biobibliográfico dos meus convidados, passo a outro assunto não menos importante. Em breve Maria Eugénia Neto terá o seu blog. Um bocadinho pressionada por mim, não o nego. Iremos ficar mais perto e mais unidos a Angola, suponho.
O nome do blog? Aqui vai: O Soar dos Quissanges. Assim se chama também o seu último livro de poesia (em 3ª edição). Neste capítulo, sinto-me duplamente feliz: fui a «madrinha» do título desse livro. Ora, escolhido pela autora o mesmo nome para o blog, considero-me «madrinha» duas vezes, ou não será?
Agora, perguntarão alguns dos meus leitores: o que é um quissange? Fica a resposta. O quissange é considerado o mais tradicional e popular dos instrumentos musicais africanos. Assim é chamado em Angola, derivando do quimbundo kisanji. Mas também leva a designação de mbira (Moçambique) ou de likembe ou sanza, dependendo das várias partes de África.
Com uma sonoridade suave e belíssima é, geralmente, construído em madeira (a base) e ferro (palhetas e argolas). Tocá-lo, pode representar para quem o faz, comunicar com os outros o seu estado de alma: contar as suas tristezas, as suas alegrias, a sua solidão, as suas mágoas, a sua esperança. A esperança que permanece no coração do povo Angolano quando escuta o soar dos quissanges.
E pronto, a introdução vai longa e o poema está à espera. Vamos lá estender a passadeira vermelha. Querida Maria Eugénia, hoje é a sua vez!
Soledade Martinho Costa
A NOVA EPOPEIA DOS DESCOBRIMENTOS
Padrão dos Descobrimentos, Lisboa.
O Poeta ia anotando as Descobertas
Fixando as gentes e os usos
Enaltecendo tanto os Lusos
Como se na Terra outros não houvera.
As caravelas tinham já ultrapassado sem saber
- onde ficara o Atlântico e começara o Índico –
Que o caminho para o Oriente
Já era a rota.
Vasco da Gama dobrara o Cabo
Dito das Tormentas
Onde o fim do Continente
Explodiu em pedra
Ali, onde a esperança dos navegadores
Descobridores de rotas
Ponte entre os continentes se concretizou
E começou uma Epopeia.
Adamastor, em rugidos de mar, advertiu:
Não prossigam!
Daqui, um dia, virá procela.
Vasco da Gama ganha Melinde
E chama o guia para continuar viagem
Não ouviu o Velho do Restelo
E tornou-se vice-rei das Índias.
Oh! Mar salgado…
Adamastor e o Velho do Restelo
Bem avisaram
Mas só séculos depois foram entendidos.
«Ah! Quem comparou a África a uma interrogação
Cujo Ponto é Madagáscar?» *
Impérios formaram-se e caíram
Rotas das Especiarias, rotas e mais rotas
Gentes diferentes se encontraram
Uns eram claros, outros eram escuros
Uns com cabelos lisos, outros com carapinha
Uns adoravam Buda, outros Mahomet
Outros, outros deuses
E eram tantos.
Cristo era o Deus
Que levavam as caravelas
E por Ele se bateram para o eternizar
Como Deus único.
Aknaton, o rei herege do Egipto
Já nos legara o Sol como deus universal
O Sol, bandeira que cobre toda a Terra
Todos os seres animados ou inanimados.
Os tempos passaram
A procela rebentou
Como disse o Velho do Restelo
Mas a ligação ficou.
Saibamos agora
Ao sulcar os mares
Levar a toda a Terra
A Paz, o Pão e não mais a guerra.
Eugénia Neto
* Do livro «Sagrada Esperança», de Agostinho Neto.
(A seguir: RUI VASCO NETO, do BLOG SETE VIDAS COMO OS GATOS)