Parte I – Origens e Tradições
Parte II – Origens e Tradições
Depois dos «momos» impôs-se na corte o teatro vicentino ou de Gil Vicente, enquanto o povo na rua representava os «colóquios», as «comédias», as «farsas» ou as «pantominas», particularmente nas datas cíclicas do calendário religioso.
De acordo com diversos autores, subsistem algumas dúvidas de que o teatro português tenha nascido com o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, de Gil Vicente, na noite de 7 para 8 de Junho de 1502, representado para comemorar o nascimento de um príncipe – o futuro D. João III –, dando início aos «autos pastoris», a que se seguiram o teatro religioso e a farsa (crítica social) vicentinos.
No teatro popular inserem-se as «brincas» (mistura de dança, pantomina e recitação de estilo burlesco); as «cegadas» (cantos de crítica e maldizer); as «chacotas» (antigas danças acompanhadas de cantos, a fazerem parte dos «autos populares», alguns de Gil Vicente); os «vilancicos» (pequenas composições poéticas cantadas em festividades religiosas); os «colóquios» (narração de um texto entre dois ou mais intérpretes); as «comédias» (antigamente a relatarem um drama, hoje a indicarem a sátira ou a graça, o teatro para rir); os «entremezes» (breves composições jocosas, burlescas ou dramáticas, representadas entre os actos de uma comédia ou drama); as «famas» (monólogo ou diálogo de louvor a um santo, dividido entre uma parte séria e outra jocosa, geralmente para anunciar que se lhe vai dedicar uma festa); as «farsas» (narração e acção burlesca e de zombaria); as «mouriscadas» (danças e narração de conteúdo dramático e histórico); os «fantoches» ou «robertos» (narrações caricatas e por vezes de crítica em que as personagens são bonecos que se fazem mover por meio de cordéis ou apenas com as próprias mãos de quem os manipula); as «reisadas» (representações populares em honra dos Reis Magos); as «loas» (cânticos religiosos em louvor dos santos ou resumo da comédia ou drama que se vai apresentar); as «pantominas» (com parte coreográfica acompanhada de música e letra, em que os actores só se exprimem por gestos – mímica); as «danças de Entrudo» (compostas por danças e recitação, tradicionais da ilha Terceira, Açores), etc.
Outros são ainda os nomes que designam estas mesmas produções teatrais populares adoptados em diversas regiões do País, caso das «calhandras» (por começarem ao alvor do dia) ou «estreléquios», em Braga, das «ensaiadas» em Aveiro, e dos «actos» ou «cascos» em Chaves. Muito embora, na sua maioria, se trate de representações que foram, ao longo dos anos, caíndo em desuso.
No que se refere aos «poetas populares», continuam a conceber os seus textos para os integrar em diversas representações ou recitações de cariz mais sério ou mais ligeiro, nas diversas celebrações cíclicas do calendário religioso ou profano, de modo a que se não perca uma das tradições mais populares que se realizam ainda hoje um pouco por todo o País.
Na sua grande parte constituem-se por críticas de maldizer, brincadeiras e zombarias, sempre em verso, estilo muito em uso principalmente pelo Carnaval: «enterro do Entrudo», «julgamento das comadres e dos compadres» e «enterro do galo»; pelo São Martinho, com o respectivo «testamento», e pela Páscoa com o ritual da «queima do Judas» - se bem que os textos dos «autos», na quadra quaresmal, aludam somente a temas religiosos ou bíblicos.
De um modo geral, estes textos em verso são elaborados anualmente, caso das críticas e zombarias ou dos dramas e comédias representados, por exemplo, nas «brincas» de Évora ou nas «danças de Entrudo» dos Açores. Todavia, verifica-se que os temas religiosos se repetem ao longo dos anos, por vezes apenas com ligeiras modificações, enquanto outros, de acordo com a tradição, se mantêm fiéis ao remoto texto original.
Registem-se ainda, neste âmbito, as antigas «patranhas», dando-se o nome de «patranheiros» (sobretudo no Minho) àqueles que percorriam as mais remotas vilas e aldeias, principalmente no tempo frio, em busca de guarida, uma ou outra refeição quente e algumas moedas. Em troca contavam historietas frente ao fogo da lareira às pessoas presentes, a atear as imaginações, a crendice e a magia, enchendo os serões de lengalengas e anedotas, particularmente de contos com enredo dramático ou para rir (as «patranhas»), sempre dados como verdadeiros. A fazer lembrar as «paramitias» da Grécia Antiga, mulheres que tinham a profissão de contar contos a quem as quisesse ouvir, ou os rawia (narradores) árabes, que se faziam escutar nas «zambras» (reuniões para ouvir contos), enquanto na antiga Rússia, entre as famílias abastadas, coabitavam mulheres cuja missão era a de contar skaski (contos) às suas amas antes de estas adormecerem.
A seguir: Parte III – As «Brincas» (Évora)
Soledade Martinho Costa