O episódio a que assisti observei-o da minha varanda, em Alverca do Ribatejo.
Duas crianças, entre os sete e os nove anos, brincavam no passeio fronteiro. Ambos a residirem nos prédios vizinhos. Corridas, conversas, risos. Momentos volvidos, eis uma das crianças a choramingar. Não me apercebi do que se terá passado, mas quando as crianças brincam umas com as outras, é certo e sabido surgir algum choro pelo meio. Choro que depressa passa, resolvida a questão entre elas. Por vezes, mesmo sem que o motivo seja questionado. A criança choramingava e a mãe apareceu à janela – que as mães têm sempre os ouvidos bem apurados para estas coisas.
- Vasquinho, o que foi? – Perguntou ela.
Ao ouvir a mãe, como todas as crianças, o menino passou do choramingar ao choro mais audível. Tinha agora a força que lhe dava a voz da mãe. Sem falar, o pequenito estendeu o dedo na direcção da outra criança. Não foi preciso mais. Ouve-se o barulho de uma porta e a mãe sai do prédio e atravessa a rua.
- E o menino não sabe defender-se, não, Vasquinho? – Exclama em alta voz, dirigindo-se à criança, que redobra o choro.
- O menino não sabe que temos de nos defender? Porque é que não lhe bateu, diga lá? – E sacudia o braço da criança.
O choro continuava, agora mais pela admoestação da mãe do que pela razão que o motivara.
- Para a outra vez, Vasquinho, o menino tem de defender-se dos outros meninos, já devia saber isso. Bata-lhes, atire-lhes com qualquer coisa acima! – E num rompante credivelmente pedagógico sugere: - Olhe, se não tiver mais nada à mão e houver uma garrafa, dê-lhe mesmo com ela, ouviu bem? – E como remate:
- Agora vai para casa de castigo e já não brinca mais. Vamos embora!
Enquanto a outra criança assistia a tudo isto encostada à parede, sem pronunciar palavra ou fazer um gesto, o Vasquinho, arrastado pela mão da mãe, ainda teve forças para chorar mais alto, como derradeiro argumento contra a punição, no seu entender absolutamente injusta. Já pouco preocupada com as lágrimas a mãe finalizou:
- Vamos embora, digo eu, e pronto. É para lhe ficar de emenda, Vasquinho. Hoje acabou-se a rua e a brincadeira!
Ouvi a porta bater. O Vasquinho e a mãe tinham entrado em casa.
Ignoro se alguma vez o Vasquinho deu com alguma garrafa na cabeça de outra criança. Penso que não. Pelo menos, nada constou e em terras pequenas não há nada que não se saiba. Mas se calha o Vasquinho seguir o conselho materno? Teríamos, sem dúvida, uma bela notícia para abertura do telejornal: «Criança atinge outra criança com uma garrafa» – Belo título, não?
Soledade Martinho Costa