A febre apareceu durante a noite. Caso sempre preocupante, principalmente, quando se trata de uma criança e a pediatra assistente se encontra de férias. Daí, a ideia de recorrer aos Serviços de Pediatria do Hospital de Vila Franca de Xira. A menina reside no concelho e o Centro de Saúde (como todos os outros) não tem pediatra.
Atendida no dia 16 de Maio passado pela médica Rosa Joaquim, foi pedida por esta clínica uma ecografia às vias urinárias (bexiga e rins) e análises (muito completas) ao sangue, à urina e às fezes. A medicação, uma vez que teria de se aguardar o resultado dos exames, resumiu-se a supositórios para a febre. A segunda consulta ficou marcada para o dia 11 de Junho, embora os respectivos exames tivessem ficado prontos antes do final de Maio. Feitas as contas, a criança teria de aguardar mais de 15 dias para apresentar os exames e voltar a ser vista pela pediatra.
Até aqui, que remédio! Frase que se encaixa, adequadamente, nesta crónica. O pior veio depois. Perto do dia 11, tão ansiosamente aguardado (as dúvidas, quando se trata, sobretudo, da saúde de uma criança, teimam em aflorar ao nosso pensamento e a menina continuava a não estar bem), recebe a mãe uma carta, enviada pelo referido Hospital, a adiar a consulta do dia 11 de Junho para… o dia 23 de Julho! - «Só para mostrar uns exames, ainda por cima de uma criança que teve consulta a 16 de Maio!?» – Pensei.
E porque o assunto me tocava de perto, resolvi telefonar para o Hospital de Vila Franca de Xira, convencida que a pediatra Rosa Joaquim não ficaria indiferente aos meus argumentos. Mas ficou. Com este adiamento, se ficasse em casa, a menina, estando de férias escolares, perdia, praticamente, um mês de praia no Algarve. Depois, acrescia o caso de se ignorar o resultado, exacto, do seu estado de saúde. Por outro lado, se fosse para o Algarve teria, no dia 23 do mês em curso, de fazer perto de 600 quilómetros para mostrar, apenas, os resultados dos exames!
Perante a defesa do meu ponto de vista, a resposta veio, tão antipática e ridícula como descabida: «Eu estive de férias!». Respondi: «Sim, doutora, mas já não está!». E dei comigo a pensar que seria difícil convencer esta mulher – que trata de crianças num hospital – a mudar de opinião.
Qual seria a ideia? Esta (que deveria ter saído da boca da médica): «Os pais da menina que dêem um salto até aqui para eu ver os exames». Assim, humana, solidária e profissionalmente dentro dos parâmetros exigidos a quem trata da saúde pública, sobretudo da saúde das crianças. Quanto muito, os pais demorariam pouco mais de 10 minutos a chegar ao Hospital de Vila Franca. Meus senhores, quem faz os hospitais são as leis, é o Estado, é o ministro da Saúde, mas quem faz parecer os hospitais muito da miséria que são, é também a maioria dos médicos sem brio nem respeito pela bata que vestem. Sem coração, diria. Caso desta senhora.
E outra resposta, tão “gentil” como as anteriores, surgiu, ditada pela médica em causa: «Ela que vá de férias no mês de Julho e de Agosto. Que esteja no Algarve o tempo que quiser. Quando voltar que venha ter comigo.»
Ao ouvir estas palavras empedernidas, ostensivas, trocistas, desprovidas, mesmo, de responsabilidade ética e profissional, qualquer pessoa ficaria indignada. Eu fiquei. Demonstrei-lhe a minha crítica à sua actuação. Resultado: com o maior à-vontade sugeriu-me, a denotar, claramente, que sabia o que estava a dizer: - «Não quer fazer queixa à administração do hospital?».
Argumentei que me tinha dado uma excelente ideia. Na minha ingenuidade, confesso, pensei errado, mais uma vez. Depois é que vi como as coisas estão bem orquestradas no Hospital de Vila Franca de Xira. Como algumas pessoas (exemplo desta médica) sabem que podem ficar impunes perante as atitudes que tomam, muito pouco edificantes para a classe médica. Ela bem sabia o que me estava a sugerir. Oh, se sabia!
Quando num outro telefonema a respectiva funcionária me atendeu, pedi para falar com alguém da administração do hospital. Resposta: «Não há administração. Há vários directores.» - «Nesse caso, qualquer um serve» – Respondi. E logo surge o esclarecimento que, na minha boa-fé, pensei que não entrava nesta crónica: «Lamento, mas estão todos em reunião.» - Argumentei: «E vão levar toda a manhã?». – Nova resposta na pontinha da língua: «É provável.»
Jogo por jogo, joguei: «E da parte da tarde, a reunião irá continuar?». Outra informação “cordial”: «É natural». Insisti, tentando saltar o muro que isola os senhores directores do Hospital de Vila Franca de Xira de tomarem conhecimento de qualquer caso que os incomode: «E amanhã, naturalmente, vão continuar em reunião?». Resposta seca e conclusiva: «É bem possível, minha senhora». Mesmo assim – mandam as boas maneiras – agradeci e desliguei. A funcionária cumpre instruções. E tem o “recado” muito bem sabido. Sempre é funcionária dos senhores directores, temos de admitir! E as ordens dos senhores directores, não se discutem. Cumprem-se.
Agora digam-me lá, se a dra. Rosa Joaquim não sabia, exactamente, o que me aguardava quando me mandou «queixar-me à administração»?
Falta dizer que a menina veio de imediato para o Algarve, onde os exames foram vistos por um médico pediatra. Está medicada, mas não havia nada de grande cuidado. Ainda assim, terá de fazer novos exames. Foi aqui, principalmente, que a pediatra do Hospital de Vila Franca de Xira pôs em causa a saúde de uma criança, preferindo arriscar.
Fiz-lhe a vontade (e a minha) ao escrever estas linhas, cara doutora Rosa Joaquim. Resta saber se gostou do retrato escrito que lhe fiz. É todo seu. E de corpo inteiro.
Soledade Martinho Costa