Fernando Pessoa - Autor: Lagoa Henriques.
Soli tem cinco anos. Nasceu em Portugal mas com poucos meses foi viver com os pais para Angola. Mais precisamente, para Luanda. Visitas a Portugal nestes seus cinco anos, poucas. Agora, que regressou para frequentar a pré-primária, fazer o Ensino Básico e o que virá a seguir, não lhe passaram despercebidas certas diferenças e pormenores a obrigá-la a fazer comentários e perguntas a propósito de tudo. Quer do que lhe causa estranheza, quer do que lhe dá prazer, conforto e alegria.
«Mamã, aqui não há mosquitos!»
Não, mosquitos iguais aos mosquitos de Angola, que “mordem”, a causar doenças como o paludismo – que conhece bem –, realmente, não há. Mas também há por cá mosquitos e melgas, à espera de fazerem a sua triunfal «entrada de Verão», para nos “ferrarem o dente”, que o calor está a chegar. A Soli é que não sabe.
«Mamã, aqui não há meninos da rua!»
Não, meninos da rua iguais aos meninos de Angola, realmente, não há. Mas também há por cá «meninos da rua». Não tantos como os de Angola, é verdade. Estão é “arrecadados”. Por isso, dão menos nas vistas. A Soli é que não sabe.
As primeiras surpresas, as primeiras descobertas, os primeiros passeios foram surgindo. Memorável, a ida à serra da Estrela! Soli é uma menina muito viva, extrovertida, sempre com um sorriso aberto na carinha bonita ou a deixar escapar uma sonora gargalhada, numa demonstração da sua constante e contagiante alegria. Mas é uma menina observadora, cuidadosa, obediente, preocupada com a Natureza, com o nosso planeta, com a «reciclagem», com a alimentação, com a escola e com um conceito de «família» pouco vulgar numa criança tão pequena.
É sensível. Gosta de repartir o que tem. Os outros são muito importantes para ela. Se pede alguma coisa para si, pede também para a «comunidade»! Aos primos que deixou em Angola, chama irmãos – ela que não os tem: «O meu mano mais velho, o Ciro.»; «a minha mana mais pequenina, a Cuca.»; «a minha mana do meio, a Lady.». É assim que se lhes refere. Talvez por ter passado estes seus cinco aninhos em África, onde o conceito de família e o respeito familiar, ao contrário do que se passa na Europa, continuam a vigorar atingindo, por vezes, as fronteiras do sagrado. Curiosamente, aos dois primos de Portugal, chama apenas «primos».
O pai gosta de lhe mostrar o que ela ainda não viu. Um destes dias levou-a a conhecer o Terreiro do Paço – a Soli gosta do Tejo e sabe o nome de outros rios portugueses e a sua localização, embora não os tenha visto. Deram depois uma volta pelo Rossio e foram até ao Museu do Chiado, onde almoçaram. No regresso, desceram a Rua Garrett e passaram junto à Brasileira e ao monumento a Fernando Pessoa. O pai explicou-lhe que aquele senhor de «bronze» era um grande poeta português, dizendo-lhe o nome. Soli, acercou-se da figura, tocou-lhe, mirou-a por todos os lados, sentou-se numa cadeira a seu lado, com a maior compostura, sempre com os olhos fitos na escultura. Quando se deu por satisfeita, levantou-se.
Continuaram a descer o Chiado, enquanto o pai ia lembrando os seus tempos de menino «quando vinha, ele próprio, passear a Lisboa com o avô» – amante da capital, onde tinha, por essa época, inúmeros amigos, fazendo parte de algumas animadas tertúlias de café. Soli, foi ouvindo com atenção, sem interromper as recordações do pai. Quando este fez uma pausa, surgiu a pergunta:
- Papá, o avô Rafael também tem uma estátua em Lisboa?
Ante o inesperado quesito, o pai respondeu:
- Não, o avô Rafael não tem uma estátua em Lisboa! – E, levado, naturalmente, pelo amor que o ligou até à adolescência a um homem sábio, bondoso, solidário, respeitado e louco pelos netos, acrescentou:
- Olha, filha, se o avô Rafael tiver uma estátua, a estátua deve estar no céu…
Resposta pronta, da Soli:
- Não, não, papá, isso é que não está!
- Não!? – Interrogou o pai.
- Não, papá. A estátua do avô Rafael não está no céu. Mas eu sei o sítio onde ela está!
- Então, diz ao papá.
A Soli parou, colocou-se de frente para o pai, colocou-lhe a mãozita sobre o peito e disse com um sorriso doce:
- Olha, papá, a estátua do avô Rafael está aqui. Dentro do teu coração!
O pai agarrou nela ao colo e um pouco emocionado, deu-lhe dois beijos em troca da preciosa «informação».
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