Jessica Fletcher
Quando voltei ao Algarve, nos primeiros dias de Janeiro último, deparei, à porta da minha garagem, com um ciclomotor marca Yamha, de matrícula 1- ABF-80–82, a indicar o seu registo na Câmara Municipal de Albufeira. Às primeiras impressões, e tratando-se de um acesso privado, julguei que o veículo pertencesse a alguém que se tivesse deslocado até ali. Os dias passaram, as semanas também e o ciclomotor continuava no mesmo local. Perguntou-se por um eventual dono, mas as pistas a nada e a ninguém conduziram. Então, fez-se luz: o ciclomotor havia sido roubado!
Por essa razão, dei um “passeio” até Albufeira e dirigi-me ao posto da GNR. Comuniquei o caso e solicitei informações sobre o legítimo proprietário, de modo a contactá-lo para vir buscar o que era de sua pertença. Mas logo fui informada de que «não tinha havido participação do roubo». O conselho veio a seguir: «É melhor a senhora ir à Câmara Municipal, secção de registo de veículos».
Segui directamente para a Câmara, dirigindo-me ao atendimento geral. Pois, que sim, mas «teria de pôr o caso por escrito, dirigindo a carta ao senhor presidente da Câmara Municipal de Albufeira». Regressei a casa e logo que me foi possível, escrevi a carta: tudo explicadinho (que já tinha estado no posto da GNR), acrescido do meu nome, residência e nº de contribuinte. Entreguei a carta no dia 11/2/08. E aguardei.
No dia 19/2/08 recebo a resposta, enviada pelo senhor presidente da Câmara, dizendo que «sobre o assunto referido, deveria dar dele conhecimento à GNR, visto ser costume este tipo de informações serem dadas a entidades oficiais»! Postas as coisas neste pé, lá voltei ao posto da GNR. Um dos agentes, a dar-se ares de simpático, prometeu – provavelmente para me despachar: «Fique descansada. Irei contactar a Câmara e logo a informo».
Voltei à minha vida, sempre a pensar na pobre ou no pobre proprietário do ciclomotor, privado, por aspectos burocráticos, ridículos e muito pouco solidários, do seu usual meio de transporte. Naturalmente, a supor que não mais lhe poria a vista em cima.
Passou o resto de Fevereiro e passou o mês de Março. Notícias do GNR, nem vê-las! Resolvi, então, telefonar à secretária do Senhor presidente da Câmara, a quem relatei a história, apelando à questão humanitária que o assunto implicava. Deu-me razão e pediu-me uns minutos. Aguardei e veio a sugestão: «O que podemos fazer é mandar rebocar o ciclomotor, que virá aqui para o local das coisas abandonadas.» Declinei a oferta: «Para a sucata? Não, obrigada. Se desejasse que o rebocassem, já o tinha solicitado à Câmara!». «Isso é verdade. – Concordou – Mas eu vou tratar do assunto. Deixe-me o seu contacto», pediu. Deixei. Estávamos no princípio de Abril.
Entretanto, vasculhando mais atentamente no ciclomotor, que de azul-escuro estava agora cinzento devido ao pó, encontrei dois capacetes e coladinho lá dentro a identificação do seguro: Fidelidade! Foi o suficiente para me pôr de novo em acção. Telefonei para a Seguradora em Lisboa, que me disse ter sucursais em Portimão, Loulé e Faro. Decidi-me por esta última. A informação foi animadora. Havia em Albufeira «uma mediadora da Fidelidade»! A sorte estava do meu lado, pensei. Tomei nota do nome da senhora (olá, dona Noélia!) e do seu número de telefone. Não perdi tempo e eis-me a contactar o stand “Star Mota”. Após contada a história, «a senhora até se lembrava que tinha vendido o ciclomotor», informou-me ter em arquivo os dados da compradora, que gentil e solidariamente procurou e mos cedeu: nome, morada e número de telemóvel. Quanto a mim, não havia dúvidas de que o caso estava, finalmente, encerrado. Como estava enganada, meu Deus!
A primeira decepção surgiu quando fiz a chamada para o telemóvel. Apareceu-me do outro lado uma senhora da Póvoa do Lanhoso, dizendo que «era engano». Para azar meu, a senhora, de voz grossa e autoritária, nadinha simpática, retirou-me qualquer ilusão para um brevíssimo diálogo. Havia, ainda, a morada. A esperança morre e renasce! Ora vamos lá procurar na Av. tal, o nº 209. Mas qual 209, qual carapuça: na Av. tal, a numeração terminava no número 195! Daí para a frente não havia mais nada.
Mas logo despontou em mim, uma nova hipótese: a do carteiro! Foi um anjo caído do céu: «Sabe, isto é uma confusão. O número 209 devia ficar para cima e não para baixo da avenida. Mas não. Fica lá para baixo, onde a numeração começa no 1, 3, 5… É por lá que fica o 209». Abençoado carteiro, a quem dou um certo trabalho quando estou por cá, por me trazer, quase diariamente, a minha correspondência.
Chegada, finalmente, ao tão desejado número, deparei com um condomínio fechado. Os apartamentos iam do número 200 ao 210. Por fora, estavam as respectivas caixas de correio. Mas apenas quatro caixas. Nenhuma delas com a indicação do número 209! O que fiz? Meti em cada uma um papelinho com o número do meu telemóvel e a razão que me levava a proceder deste modo. Nesse dia, a meio da manhã, eis o desejado telefonema da proprietária do ciclomotor! Combinámos o encontro, junto do dito, ao fim da tarde. E assim aconteceu. A jovem, brasileira, vinha acompanhada pelo marido. Eu não me tinha enganado: «A falta que nos tem feito! Temos andado à boleia, que nos dão os amigos!».
Mas a história com um final feliz, não acaba aqui. Não acaba aqui, não senhor. Com eles traziam, para comprovar, uma certidão passada pela Guarda Nacional Republicana de Albufeira (vulgo GNR), assinada pelo comandante do posto, na qual se denunciava «o furto, por desconhecidos, do ciclomotor de marca Yamaha, de matricula 1-ABF-80-82, no valor de 650,00 euros». A certidão apresentava a data de 31 de Dezembro de 2007! Estávamos a meio de Abril.
Não faço mais considerações sobre este caso. Pelo menos, aqui, no Sarrabal. Mas um destes dias vou dar outro “passeio” até à GNR de Albufeira. Eles merecem esta visita de “cortesia”. Apenas para lhes mostrar a cópia da certidão e perguntar. «Meus senhores, afinal, houve ou não houve participação do roubo?» Só não faço ideia da resposta. Quanto ao prometido telefonema da secretária do senhor presidente da Câmara de Albufeira, continuo à espera dele.
Assim vão as coisas neste País – já lá diziam o “Senhor Feliz e o Senhor Contente”, lembram-se?
Soledade Martinho Costa