Mais
Do que saber
Que os gestos matinais
Não se repetem
Na manhã de amanhã
Nem nas outras manhãs.
O abrir da porta
As palavras todas
O transportar na mão
O retiro
O ninho
Que abrigava o teu corpo
Tão sem peso
Tão sem mácula
Como semente
Que alimenta o coração.
O correr
O vidro da janela
Para oferecer-te
O ar
A luz
O Sol
Que te faziam procurar
A limpidez da água.
Mais
Do que saber
Um segredo
Enterrado num canteiro
Entre violetas
Sob o canto das cigarras.
Mais
Do que saber
Que as outras aves
Te fazem companhia.
Que os lagartos
Se vão esconder
Na tua sombra
E os camaleões
Tomam a cor da tristeza
Para matar a sede
Junto a ti.
O que mais dói
É o silêncio.
O silêncio do voo
Na liberdade da casa
A ausência do canto
A falta do espreguiçar das asas
A anunciar o sono.
O que mais dói
É esta mágoa
Esta saudade que se instalou
Na fatia do tempo.
Esta certeza
De não querer repetir o amor.
O canto azul das aves
Também morre.
Soledade Martinho Costa
(Julho/1996)