Que mais posso fazer por ti, agora
A não ser compor este poema
E dedicar-to?
Escrever estas palavras que me imponho
E queria fossem belas
Como o canto do vento
Nas searas breves.
Sim, eu sei
É tarde.
Tarde para estender para ti
O meu regaço
Materno de acudir ao teu cansaço
Feito da espera dos dias sem resposta.
Tarde de mais, eu sei
Para qualquer gesto.
Por isso
No silêncio que me trouxe
O ciciar amaro do teu nome
Em ti recuso a lágrima e o luto
O rito pelos mortos.
Tua lembrança
Em carne viva está e permanece.
És tu, ainda
A chama
A força
O grito.
Obstinadamente
A voz que se não esquece.
Soledade Martinho Costa
Do livro Um Piano ao Fim da Tarde
Edições Sarrabal

Pobre de mim
Morro de sede
Chora a flor no seu canteiro
Como tarda
Como tarda o jardineiro!
A nuvem
Lá no céu
Ouviu a flor chorar
E prometeu:
Espera um pouco Flor
Aí vou eu
Para te ajudar!
E chamou:
Vento, Vento
Vem depressa
Que não tenho tempo
A Flor está a murchar!
E o vento
Que é o ar em movimento
E andava pelo espaço
A passear
Veio logo
Prontamente
A assobiar.
Aqueceu o sopro
Que não se vê
Mas que se sente
E num abraço
Rodeou a nuvem
Que esperava impaciente.
Depois
Foi só descer
Descer rapidamente.
Obrigada, Chuva
Obrigada por vires em meu auxílio
Agradece a flor
Agora, sim
Estou bem
Matei a sede!
Então
Fico feliz
Diz-lhe a gotinha de água.
E acrescenta:
Qualquer dia
Hei-de voltar
Voltar lá para cima.
Sabes, Flor
Nunca sei bem
Se é lá
Ou cá o meu lugar.
Passo a vida
De cá para lá
A viajar
Num vai e vem…
E a cintilar
Sobre as pétalas da flor
A gotinha de chuva repetiu:
Sim, hei-de voltar
Levada pelo Sol
Para tornar a ser
Outra vez nuvem
Além, no céu azul!
Soledade Martinho Costa

A grande confusão que vai pelo Mundo está bem expressa na carta do ex Nobel da Paz Adolfo Péres Esquível. Já não sabemos em quem acreditar. Quem fala verdade e quem mente. Nem os prémios Nobel escapam a este verdadeiro cáos, À luta pela paz e pela liberdade junta-se agora a luta pela verdade.
Não concordo que a deposição de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, deva ser feita com a invasão da Venezuela pelos Estados Unidos. Em quantos mortos se cifraria essa invasão? Por outro lado, também sabemos que muitas mortes devem pesar na consciência de Maduro em relação àqueles que se lhe têm opôsto. O país não é o mar de rosas como Adolfo Péres Esquivel tenta insinuar.
O facto de Maria Corina Machado ter dedicado o Nóbel que lhe foi atribuído a Trump parece-me uma atitude insólita, tola e infantil, numa altura em que Trump se tornou numa figura demasiado contestada e controversa. A não ser, que represente uma gentileza que deseje ver retribuída! Combater o regime impôsto num país, apelando para a invasão desse país por outro país, estamos a contribuir para uma guerra entre dois países, somando mais vítimas, mais mortes, mais destruição.
O que me parece, é que aqueles que escolheram a quem atribuir o Nobel da Paz de 2025 não escolheram a figura certa. Não será por ser uma resistente no seu país que Maria Corina Machado o merece. Há que ver e ponderar de que maneira defende e apela para que essa resistência e oposição ao governo da Venezuela seja feita.
Quanto a mim, uma premiada com o Nobel da Paz incitar à guerra para haver paz é, sem dúvida, uma incongruência. Sobre o prémio, mais acertado seria dedicá-lo aos resistentes Venezuelanos.
Soledade Martinho Costa
(Artigo escrito pelo psiquiatra espanhol Dr. Luis Rojas Marcos.)
«Há uma tragédia silenciosa que está acontecendo hoje em nossas casas e diz respeito às nossas jóias mais preciosas: nossos filhos. Nossos filhos estão em um estado emocional devastador! Nos últimos 15 anos, pesquisadores nos deram estatísticas cada vez mais alarmantes sobre um aumento agudo e constante de doença mental infantil que agora está atingindo proporções epidêmicas:
Estatísticas não mentem:
• 1 em cada 5 crianças tem problemas de saúde mental
• Foi notado um aumento de 43% no TDAH
• Foi notado um aumento de 37% na depressão adolescente
• Foi notado um aumento de 200% na taxa de suicídios em crianças entre 10 e 14 anos
O que está acontecendo e o que estamos fazendo de errado?
As crianças de hoje estão sendo superestimuladas e super-presentes de objetos materiais, mas estão privadas dos fundamentos de uma infância saudável, tais como:
• Pais emocionalmente disponíveis
• Limites claramente definidos
• Responsabilidades
• Nutrição equilibrada e um sono adequado
• Movimento em geral, mas especialmente ao ar livre
• Jogo criativo, interação social, oportunidades de jogo não estruturadas e espaços para o tédio
Em vez disso, estes últimos anos encheram as crianças de:
• Pais distraídos digitalmente
• Pais indulgentes e permissivos que deixam as crianças “governar o mundo” e sejam eles que ditam as regras
• Um senso de direito, de merecer tudo sem merecer ou ser responsável por obter
• Sonho inadequado e nutrição desequilibrada
• Um estilo de vida sedentário
• Estimulação sem fim, babás tecnológicas, gratificação instantânea e ausência de momentos chatos
O que fazer?
Se queremos que nossos filhos sejam indivíduos felizes e saudáveis, temos que acordar e voltar ao básico. Ainda é possível! Muitas famílias veem melhorias imediatas após semanas de implementação das seguintes recomendações:
• Estabeleça limites e lembre-se que você é o capitão do navio. Seus filhos se sentirão mais seguros ao saber que você está no controle do leme.
• Ofereça às crianças um estilo de vida equilibrado e cheio do que as crianças PRECISAM, não apenas do que elas QUEREM. Não tenha medo de dizer "não" aos seus filhos se o que eles querem não é o que eles precisam.
• Forneça alimentos nutritivos e limite comida de plástico.
• Passe pelo menos uma hora por dia ao ar livre fazendo atividades como: ciclismo, caminhada, pesca, observação de aves / insetos
• Desfrute de um jantar de família diário sem smartphones ou tecnologia que os distraia.
• Jogue jogos de tabuleiro como família ou se as crianças são muito pequenas para jogos de tabuleiro, deixe-se levar pelos seus interesses e permita que sejam eles a mandar no jogo
• Envolva seus filhos em alguma tarefa ou trabalho de casa de acordo com sua idade (dobrar a roupa, arrumar os brinquedos, pendurar a roupa, desembalar as compras, colocar a mesa, alimentar o cão etc. )
• Implemente uma rotina de sono consistente para garantir que seu filho durma o suficiente. Os horários serão ainda mais importantes para as crianças idosas.
• Ensinar responsabilidade e independência. Não os proteja excessivamente contra frustrações ou erros. Errar irá ajudá-los a desenvolver resiliência e aprender a superar os desafios da vida.
• Não carregue a mochila dos seus filhos, não leve as suas mochilas, não lhes leve a tarefa que se esqueceram, não descasque as bananas nem descasque as laranjas se o puderem fazer sozinhos (4-5 anos). Em vez de lhes dar o peixe, ensine-os a pescar.
• Ensine-os a esperar e atrasar a gratificação.
• Proporcione oportunidades para o "tédio", pois o tédio é o momento em que a criatividade desperta. Não se sinta responsável por manter as crianças sempre entretidas.
• Não use a tecnologia como cura para o tédio, nem ofereça ao primeiro segundo de inatividade.
• Evite o uso de tecnologia durante as refeições, em automóveis, restaurantes, centros comerciais. Use estes momentos como oportunidades para socializar treinando assim os cérebros para saberem funcionar quando estiverem em modo: “tédio”
• Ajude-os a criar um "frasco de tédio" com ideias de atividades para quando estiverem entediados.
• Esteja emocionalmente disponível para se conectar com as crianças e ensinar auto-regulação e habilidades sociais:
• Desligue os telefones à noite quando as crianças tiverem que ir para a cama para evitar distração digital.
• Torne-se um regulador ou treinador emocional dos seus filhos. Ensine-os a reconhecer e gerenciar suas próprias frustrações e raiva.
• Ensine-os a cumprimentar, a fazer turnos, a partilhar sem ficar sem nada, a dizer obrigado e por favor, a reconhecer o erro e pedir desculpas (não os obrigue), seja modelo de todos esses valores que incutem.
• Conecte-se emocionalmente – sorria, abrace, beije, cócega, leia, dance, pule, brinque ou rasteje com eles.»

Incomoda-me, sobremaneira, esta moda de tratarem os animais, cães e gatos, por filhos. Filhos são aqueles gerados no nosso ventre, que têm o nosso sangue, as nossas raízes, e serão o nosso prolongamento, um dia, quando partirmos desta vida. Deus distinguiu os animais racionais (os humanos) dos irracionais (os animais). É certo que não se apercebeu que há humanos, nos seus comportamentos, que mais parecem irracionais (compará-los aos animais até seria um ultraje), e animais que, pelo contrário, mostram característas verdadeiramente humanas, no sentido da palavra. E porquê? Porque Deus ou a Natureza, lhes concedeu o dom da inteligência. Só isso.
Admitindo que há donos de animais que são, ao mesmo tempo, pais e mães dos seus animais, gatos e cães, verificamos que não há pais donos dos filhos que geraram. E impõe-se a pergunta: de que maneira, denominam estas pessoas, os seus legítimos filhos, quando a eles se referem? Meus filhos?! Nossos filhos?! Exactamente como se referem aos gatos e aos cães que têm em casa? Já alguém perguntou a uma destas crianças, que tem por irmãos gatos e cães, o que pensa disto? Ser irmão de gatos e de cães, receber a mesma denominação e, por vezes, menos carinho e atenção dos seus progenitores, comparativamente à que é dispensada aos animais da casa?
Um cão ou um gato é um bicho, um animal, não é uma criança! Deve ser tratado com carinho, mas nunca da maneira risível que ouvimos e lemos por aí. Chamar-lhes filhos, meninos, meninas, bebés, ou dizer «vem à mamã» ou «vai ao papá», é cair no absurdo, na palhaçada, no ridículo. Não abona os adulto. Os animais merecem mais respeito. Já vi uma foto, normal, de um cão com uma expressão um pouco triste. Mas alguém teve uma ideia luminosa: a de colocar por baixo da foto esta legenda: «Fico sempre assim quando a minha mãe não me leva!»
Um vídeo que também vi, mostra um jovem sentado numa cadeira, em lugar público, com dois cães de porte razoável no colo. Dizia ele, bem zangado (porque alguém teria dito algo sobre os animais): «Olhe que eles têm pai e mãe para os defender, ouviu?!» Decerto não se referia à cadela e ao cão que os gerou, é evidente! Quando um «filho» destas mães adoece (gato ou cão), começa a ser normal ler-se nas redes sociais; «As melhoras do teu bebé!»
Mas não se pense que os cães e os gatos têm só pai e mãe! Não! Têm mais família: o absurdo chega ao ponto de lhes atribuírem um avô, uma avó e até uma tia (li há dias no Facebook, pelo facto de um gato ter sido levado para casa de um outro familiar: «a tia até chorou!».
À parte todo este absurdo, lembrem-se dos beijos na boca dos animais, gatos ou cães (um perigo e quase uma promiscuidade), e das lambidelas na cara de crianças e adultos (manifestações lindas de amor dos bichos para com os donos), mas a constituir outro perigo gravíssimo, porque as doenças não têm porta-voz. Um animal pode ter hoje saúde e estar doente amanhã. Pode ter as vacinas e os banhos em dia. Mas as doenças aparecem de um dia para o outro. Isto, sem falar nos pêlo na roupa e nas camas, onde muitos dormem com os donos. Ingeri-los sem dar por isso pode dar, mais tarde ou mais cedo, motivo ao aparecimento de quistos em qualquer parte do corpo onde o pêlo se alojou.
Para terminar, alerto para aquela tosse, que por vezes têm os gatos, chegando a espirrar. Atenção, quando tal acontecer: o animal pode ter os pulmões infectados. De uma coisa que parece banal, podem surgir graves problemas, tanto para os «pais» como para «as mães» e restante «família», dos «meninos», das «meninas» e dos «bebés», evidentemente!
Desde já aviso que não vou responder a comentários. Creio que teremos ainda liberdade de expressão. Ou não? Mas liberdade de expressão não é, com certeza, chamar filhos aos gatos e cães que têm em casa. A isso, se ainda não perceberam, chama-se falta de respeito para com os vossos verdadeiros filhos.
Soledade Martinho Costa
(Sem IA/ Com IN)
A lagartixa assoma a cabeça por uma fresta das pedras onde vive.
E vai, numa pressa, espalmar o corpo contra a quentura do muro. O mesmo que separa o pomar do quinchoso, nome que algumas pessoas do campo dão aos talhões de terra onde semeiam as couves, as alfaces, a salsa, a hortelã e outras coisas mais.
Ela bem sabe que os banhos de Sol de que tanto gosta, e que tão necessários são à sua condição de bicho de sangue frio, com o passar lento do Outono, vão começar a ser mais breves e menos quentes. Por isso, irá resguardar-se no seu esconderijo, para fugir ao frio que se anuncia com a chegada do Inverno, numa sonolência que vai durar muito, muito tempo. Mas, se de vez em quando o Sol se lembrar de aparecer para convidá-la a sair um pouco, dir-lhe-à que sim. Então, mesmo com frio, dará uma volta perto da entrada do seu buraquinho.
Olá, Dona Sardanisca! – saúda o bicho-de-conta, que passa rente ao muro, porque está na hora do seu passeio matinal.
Dona Sardanisca, não. Dona Lagartixa. Trate-me por Dona Lagartixa, que gosto mais, Senhor Bicho-de-Conta! – pede a lagartixa, do alto do muro, a cabecinha esticada, o olhinho à espreita.
Lá por isso, faço-lhe a vontade – condescende o bicho-de-conta. – Amanhã, não me esquecerei de tratá-la pelo nome que gosta!
A lagartixa olha o céu e responde:
Se o Sol estiver tão quentinho como hoje, há-de encontrar-me aqui, neste mesmo sítio – e, lépida, num aviso: – Mas já sabe, trate-me por Lagartixa, que eu não gosto que me chamem Sardanisca!
O bicho-de-conta enrola-se numa bola para rir à vontade. Mas não ri por troça! Ri, porque acha graça ao pedido da lagartixa e não quer ofendê-la com o seu riso. «Claro, claro que vou fazer a vontade à Dona Sardanisca. Afinal, nada me custa passar a tratá-la por Dona Lagartixa!» pensa ele. E desenrola-se devagarinho para continuar a sua ronda por entre os tufos da relva e das sardinheiras.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que o Outono me Contou»
Ed. Publicações Europa-América

A confirmar promessas não cumpridas
há passos esquecidos das moradas
e vozes a soar noutros ouvidos.
Sempre que o coração segreda
que mesmo rodeado de gente
está sozinho
viesse alguém quebrar a solidão
com um beijo, um abraço
um gesto de carinho.
Talvez quando a saudade vier
em data incerta
dar a notícia que já tanto tarda
se encha de murmúrios
toda a casa.
Percorrerá então por toda ela
como a suavidade de um suspiro
um nome que a ninguém pertence
a afagar a textura das paredes
no voo de seda de uma asa
como se fora ave que abandona o ninho.
Apetecia-me rasgar este poema
mas tenho pena do choro das palavras.
Soledade Martinho Costa
Inédito

(Da série que escrevi «AMÁLIA – 100 anos»)
AMÁLIA: CONVÍVIO, RECORDAÇÕES, SAUDADES
BOATOS
Numa das noites em que estive em casa de Amália, disse-me mal entrei: «Tenho uma coisa linda para mostrar-lhe!» Era um presépio artesanal concebido com pequeninas pedras e minúsculas conchinhas, feito, segundo me contou, por uma «rapariguinha lá da Herdade do Brejão», que apanhou as pedras e as conchinhas na praia e lho ofereceu: «Veja bem o trabalho que está aqui. É uma perfeição. Fiquei tão feliz! Como não sabia onde colocá-lo, achei que o melhor lugar seria em cima do piano. Está num lugar de honra!» E lá ficou. (A Herdade do Brejão era a sua casa de férias no litoral alentejano, hoje destinada ao turismo rural)
Durante os anos em que frequentei a sua casa nunca me encontrei, em nenhum dos serões em que participei, ou fora destes, com um escritor, um poeta, um artista de teatro, de cinema, da canção, nem mesmo com um fadista ou cara conhecida da Televisão.
É possível que anos antes, com Amália mais nova e com saúde, as tertúlias tivessem a participação de outros convivas. Quando «cheguei» as coisas haviam mudado um pouco. Sendo uma pessoa simples (embora erudita) sentia-se bem rodeada de pessoas simples como ela. «No meu tempo» eram quase sempre as pessoas da casa que se juntavam na grande sala, uma ou outra vizinha que aparecia, e algumas pessoas mais antigas na lista das suas amizades e intimidade – não sendo, porém, figuras públicas.
Mas foi em sua casa que conheci os guitarristas Mário Pacheco e Jorge Fernando (que também canta, e deixou de frequentar a casa da Artista por decisão desta). Conheci também um irmão seu e o marido de Amália, o Engenheiro luso-brasileiro César de Seabra, com quem casou em 1961, no Rio de Janeiro, casamento que se manteve durante 36 anos.
César Seabra morre em 1997 (dois anos antes de Amália). Um excelente anfitrião, sempre com uma palavra amável para oferecer a quem chegava e uma graça a despontar-lhe no sorriso – que me tratou sempre muitíssimo bem. Só não fazia parte dos famosos serões!
Certa vez, ao vê-lo preparar-se para sair, Amália recomendou-lhe: «Leve o cachecol, Seabra. A noite está amena mas pode refrescar. Não esqueça!» Cuidados de uma boa esposa. E a resposta: «Fique descansada querida. Eu levo!»
Disse-se sempre e escreveu-se na comunicação social (até por pessoas responsáveis e conhecidas do nosso meio artístico) muita coisa falsa sobre a Artista. Uma delas, posta a circular, foi a de que bebia. Bebia, sim, mas apenas chá! Nunca nesses 9 anos do nosso convívio eu vi Amália de copo na mão. Nem a outro dos seus convidados. Nunca! O álcool não fazia parte dos serões! A inveja é assim. Faz sofrer, quase sempre em silêncio, aquele que serve de alvo à sua má-fé e à sua má-língua. Talvez por isso não quero deixar de referir um outro episódio bem elucidativo da maldade alheia.
Convidada para um programa de entretenimento na Televisão, da responsabilidade de dois conhecidos cantores, Amália esquece-se de levar o seu tranquilizante. Lili (a secretária) apronta-se a ir a casa buscá-lo.
Antes de Lili chegar, alguém (eu sei quem foi) lhe oferece um comprimido, que diz ser um calmante. Amália, confiando na pessoa que lho oferecia, aceita. Já com o programa a decorrer, é cada vez mais estranho o seu comportamento perante as câmaras. Facto que não passa despercebido aos telespectadores. Eu própria, que vi o programa em casa, achei estranhíssima a sua compostura e fiquei preocupada.
A sua agitação era notória, a vivacidade excessiva no falar, a sua desinquietude. O comprimido, de calmante nada tinha. Seria sim, um excitante. Quem lho deu soube o que fez. E mais se reforçou a hipótese de estar alcoolizada. Uma rasteira ignóbil! No dia seguinte, prostrada e triste com a situação, Amália foi, mais uma vez, a vítima daqueles que não lhe queriam bem: «Não sabia o que tinha. Sentia-me esquisita, mas não conseguia parar!», disse-me.
Vitima de torpes boatos (sobretudo logo após o 25 de Abril), no auge da sua gloriosa carreira internacional, sofreu falsas e indignas atoardas. Uma delas, a de ter tido ligações com o Estado Novo. Muito pelo contrário, o antigo Regime é que lhe censurou alguns dos seus fados! Letras de poetas considerados perseguidos ou que não concordavam com a Ditadura, tiveram os seus temas proibidos na voz de Amália. Caso de David Mourão-Ferreira e do seu tema «Abandono», também conhecido por «Fado de Peniche», por ser visto como alusivo aos presos políticos da Fortaleza de Peniche.
Em entrevista dada ao jornal El Paíz, José Saramago revelou que Amália, clandestinamente, deu dinheiro ao Partido Comunista Português. Esta afirmação de Saramago é confirmada na bem documentada biografia do jornalista Miguel Carvalho (Amália – Ditadura e Revolução), onde se lê: «… Amália Rodrigues não só esteve nos arquivos da polícia política como também, além disso, apoiou financeiramente a resistência comunista ao longo da sua carreira. E nunca se valeu disso para se defender das acusações de fascismo.» E o seu biógrafo salienta mais adiante: «Para Amália era muito importante a defesa da dignidade humana.»
Passados esses conturbados tempos de amargura e desgosto, Amália volta a conquistar a sua popularidade, a confiança, o respeito e o amor do povo português. Cantou o a canção Grândola Vila Morena (o hino do 25 de Abril), que gravou em Junho de 1974, e andou pelas ruas de Lisboa junto do povo a festejar Abril.
Sempre de cabeça erguida, a Voz do Fado esforçou-se para que as mágoas deixassem de lhe fazer companhia. Só não conseguiu apagar as nódoas negras que lhe ficaram no coração.
Os versos que dedicou a Salazar? Sem dúvida uma infantilidade e ingenuidade, a pôr em evidência a sua incultura política. Para Amália, Portugal era a sua casa, os seus poetas, os seus músicos, os seus amigos, os seus serões, o Brejão, os necessitados que lhe batiam diariamente à porta, e que nunca deixavam de ser atendidos. Era levar o nosso país, na sua voz, ao mundo inteiro. Não se lhe podia exigir mais.
Mas quantos nomes ligados à música, às artes e às letras, tendo, ou não, consciência política, fizeram o seu percurso durante o Antigo Regime? Não pretendo ser a advogada de Amália, mas esta é a verdade que muitos parecem ter esquecido.
Soledade Martinho Costa
Foto: «Amália, 25 de Abril», José Luís Pinto
De regresso da escola, os meninos que vivem no povoado, param a meio do caminho, olhinhos extasiados.
Olha, olha, o arco-íris! Que lindo, que lindo!
Quem o pintará no céu? – pergunta um deles.
Talvez um pássaro. – responde um companheiro.
Talvez um anjo. – arrisca outro.
Talvez a Natureza. – murmura outro ainda.
Sim, lá estão, no céu, as sete cores do arco-íris. Num semicírculo, deslumbram o olhar. É difícil saber onde começa uma e acaba a outra, de tal modo se encontram abraçadas. Trata-se de um segredo que o Sol e a chuva guardam bem guardado…
O VERMELHO: cor das papoilas que salpicam as searas pelo mês de Maio. Das cerejas e dos morangos aninhados nas suas camas de folhas. Do sangue e dos rubis. Mas a quem chamam rubro no crepitar das chamas, púrpura nas vestes dos cardeais e encarnado nas talhadas das melancias.
O LARANJA: cor do pijama que o Sol veste, por vezes, quando vai dormir. Das cenouras, a esconderem o rosto na fresquidão da terra. Das tangerinas e das laranjas de gomos a fazerem roda debaixo da casca. Mas também do coral e dos caranguejos que se arriscam nas redes dos pescadores.
O AMARELO: cor do milho nas maçarocas, ansioso por se transformar em pão. Das ameixas, que gostam que lhes chamem rainhas-cláudias. Da giesta, a enfeitar os dias dos pastores. Dos narcisos, nos alegretes dos quintais. Mas também dos topázios e dos girassóis, altos, de cara redonda.
O VERDE: cor do mar quando está zangado. Do trevo dos prados. Dos lagartos, dos sapos e das rãs. Das avencas, que crescem nos sítios húmidos e discretos. Das palmeiras, das peras e das pinhas novas. Mas também das esmeraldas e da esperança, que nasce todos os dias no coração dos homens.
O AZUL: cor do céu, onde passeiam nuvens que lembram cavalos em galopes sem fim, ou navios que transportam tesoiros. Das miosótis. Dos mirtilos, a oferecerem-se nas árvores quando chega o Verão. Mas também das safiras e dos olhos dos meninos com cabelos de oiro.
O ANIL: cor das alcachofras que despontam nos campos. Das campânulas a treparem pelas paredes das casas. Entre o azul e o lilás, lá o temos nas opalas e nas pinceladas das pétalas das violetas brancas. Mas também nos cambiantes da madrepérola e nas hortênsias, que aguardam a Primavera para florir.
O ROXO: cor das vestes do Senhor nas procissões da Páscoa. Dos jacintos, que emprestam o seu nome às pedras preciosas. Das beringelas, dos gerânios, e dos amores-perfeitos. Mas também das ametistas e da capa dos figos a escorrerem lágrimas de mel por entre as folhas das figueiras.
São as cores do arco-íris, a ligar o céu e a terra, suspensas sobre a folha de papel onde escrevo.
Soledade Martinho Costa
Do livro "Histórias que o Outono me Contou"
(Ed. Publicações Europa-América)
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