Há perto de 30 anos, sempre que acordo, dou com este rosto de criança, de olhar enigmático, mas doce, sereno, talvez um pouco triste, e muito ataviada de enfeites, rendas e roupagens. Por baixo, numa chapinha dourada dois nomes: «Princesa Eleonora – Pourbus». Comprei o quadro em Lisboa, numa loja de decoração, que já não existe. Gostei do rosto da menina, da moldura, dos tons das tintas, da tranquilidade que todos esses elementos, no seu conjunto, nos transmitem. Umas vezes com mais tempo, outras com menos, tentei, depois, saber quem era esta princezinha que veio morar no meu quarto. Não foi fácil descobrir o mistério que se escondia por trás do seu olhar. Demorei muito tempo até conhecer, entre muitas figuras da monarquia estrangeira, quem era, afinal, Eleanora Gonzaga Princesa de Mântua. Comparando nomes, datas de matrimónios, nascimentos e falecimentos, acabei por ordenar toda a história, saindo bastante surpreendida com o final, inesperado, que se esconde muito para além do olhar desta criança.
Sua mãe foi Margarida de Sabóia Duquesa de Mântua (apelido herdado de seu marido, Francisco Duque de Mântua), nascida em Turim (Itália) em 1589. No ano em que o nosso país perde a independência (1580) e começa a ser governado por um vice-rei espanhol, Margarida de Mântua, em nome da dinastia filipina, é nomeada vice-rainha de Portugal, tomando posse do lugar em 1634. Reinava a Duquesa de Mântua, quando se dá a Restauração da Independência em 1640. Margarida, foi, assim, durante seis anos, a última vice-rainha de Portugal em nome da dinastia filipina. Presa no Convento de Santos, em Lisboa, de personalidade forte, buscando o poder e perfilhando a intriga, ainda tentou, na condição de prisioneira, uma contra revolução, mas sem êxito. Nesse mesmo ano, parte para Burgos (Espanha), onde acaba por falecer em 1656.
Viúva de Francisco Gonzaga Duque de Mântua e de Montferrat (falecido vítima de surto epidémico), foi mãe de três filhos: Maria; Ludovico (que faleceu ainda criança com o mesmo surto que vitimou o pai) e Eleonora, falecida no dia seguinte ao do seu nascimento, verificado a 12 de Setembro de 1612. E aqui temos a Eleonora que procurava desde há muito! Maria (já duquesa de Rethel e Montferrat), acaba por dar o nome da falecida irmã a uma das suas filhas: Eleonora.
Mas não se julgue que a história acaba aqui! Falta a pergunta que se impõe: se a bebé faleceu no dia seguinte ao do seu nascimento, como é que aparece retratada, como criança, pelo pintor Pourbus, conforme o atesta a chapinha do meu quadro?! Falemos, então, de Pourbus.
De seu nome Frans Pourbus, o Jovem (por ser filho e neto de pintores), nascido em Antuérpia (Bélgica, em 1589), pintou as mais notáveis personalidades do seu tempo – incluindo os monarcas de diversas casas reais. Seria este genial artista quem viria a pintar o retrato de Eleonora de Mântua, como uma menina já crescidinha, muito embora, ela se tivesse recusado a permanecer na Terra. Como foi isto possível? Guiando-se pela sua intuição de artista, valendo-se da sua arte, da sua imaginação, da sua fantasia, circunscritas à visualização de semelhanças, induzida, por certo, pelo conhecimento e contacto com os familiares da criança. E aí temos, finalmente, revelado, o segredo da «minha Eleonora de Mântua», graças ao engenho e arte de Frans Pourbus.
O retrato que mostra uma menina adornada com pulseiras e colares de pérolas, a segurar um fruto na mão direita, não é, afinal, o de uma menina verdadeira. Não existe, nunca existiu! A Eleonora de Mântua que mora há perto de 30 anos na parede do meu quarto, sobre a cómoda, não é mais do que o resultado da tocante invenção e criação de um notável pintor.
Agora, que descobri o segredo que se esconde atrás do seu olhar, que sei que se trata de um anjo que subiu aos Céus, só pretendo pedir-lhe protecção e passar a dar-lhe os bons-dias todas as manhãs.
Soledade Martinho Costa
Vestiram-se de luto
As cordas das guitarras
Calou-se a tua voz
Companheira de longas caminhadas.
Nossa Senhora do Carmo
A quem pedias
Que te acompanhasse
Em cada palco
Chamou-te um dia a si
E tu partiste
Ao encontro de quem por ti chamava.
Ficou o teu perfume no cristal
Aprisionado na distância e na saudade
Entre o silêncio
E o rolar da lágrima
Como quem espera a vinda sem sinal
De um barco que no mar
Está naufragado.
Lembrar agora as tuas mãos
Em sobressalto
E a solidão do teu olhar
É mais do que saber de ti
Onde tu moras.
É dizer que as rosas
Também choram
Quando lhes falta quem as ame.
Recordo a tua sala
Os sons, a luz
O teu retrato, o teu piano
Os objectos dispersos
Em sítios que a memória traz.
Hoje o teu nome
Como o da ave o roçar da asa
Bate diariamente à tua porta.
Sobe os degraus de pedra
E vai procurar-te
Ao lugar onde não estás.
Tu continuas a ser a tua casa.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Um Piano ao Fim da Tarde»
Edições Sarrabal/Lunadil Uni Lda.
(O vídeo está publicado no post acima))
Não me foi possível mencionar aqui, no passado dia 23 de Julho, o aniversário do «Sarrabal – 13 anos! O tempo passa, os anos somam e, muito embora os blogues tenham muito menos impacto do que já tiveram, este vai continuando. Já só tenho a agradecer um ou dois comentários feitos nos últimos tempos. Mas sei que as publicações vão sendo lidas. No Canadá, por exemplo, tenho um leitor fiel, conquanto não comente. Para si, Virgílio Pires, o meu abraço com a amizade de sempre!
O ano tem sido terrível, de tristeza e de preocupação. Mesmo assim, a vida continua, menos alegre, mais solitária. Muito diferente da vida que tínhamos meses atrás. Esperemos que voltem os dias felizes, em família, com os amigos, livre de medos e inquietações.
Para todos os leitores do «Sarrabal» vão os meus votos de protecção, de saúde e de felicidades. E um obrigada a quem me vai lendo!
Soledade Martinho Costa
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