Sábado, 23 de Maio de 2020

A FLAUTA

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Perfumam a tarde
Sons de flauta
Na quietude que habita
O nosso olhar.

 

Mágicos são os dedos 
E o sopro
Que se espraia
Desdobra, corre, dança 
Sem ter alguma pressa
De chegar.

 

Não tem morada certa
Nem destino
Em cada nota
Solta-se, oferece-se
Na beleza da sua melodia 
Que lhe segreda o coração
De uma criança.

 

Cumpre-se no silêncio
Das ruas e das pedras
Lava-nos de pecados
Como o desfiar das contas dos rosários.

 

Talvez Pã, esquecido de ninfas e pastores

De florestas e silvados

Retornasse por instantes à infância

Num lugar perdido além do tempo

Onde não existem calendários.

 

Soledade Martinho Costa 

publicado por sarrabal às 20:05
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CONFISSÃO

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Não gostava de morrer

Nos braços da madrugada

Quando o sol no céu se apronta

A debruar com um beijo

O nome desta cidade.

 

Preferia morrer de noite

Quando o silêncio é total

E esta luta que se trava

A respirar nos minutos

Feita de pranto e cansaços

São a promessa real.

 

Quando há corpos combatentes

Que desistiram de amar

E há sombras que se divisam

A voltar costas à vida

Numa luta desigual.

 

Preferia morrer de noite

Na minha forma de estar

Levar comigo o meu nome

E os sonhos que teci

Sem perguntas, sem respostas

Sem os versos que escrevi

Perdido do planeta

O condão de perdoar.

 

Preferia morrer de noite

Quando o escuro é solidão

Quando a saudade me chama

E me aportam à lembrança

Retratos de tantos rostos

Daqueles que foram meus.

 

Mas rogar a quem sustém  

A minha mão entre as suas

Que acenda um círio na terra

Ao pé de uma rosa branca.

 

Que a terra que muito amei

Volte a ser minha morada

Volte a ser a minha porta

Volte a ser a minha cama.

 

Meu corpo vestido apenas

Com a palavra de Deus.

 

Soledade Martinho Costa

publicado por sarrabal às 19:50
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Terça-feira, 5 de Maio de 2020

HISTÓRINHA - O PICA-PAU E O PAPA-FIGOS (Para os mais pequenos)

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― Senhor Pica-Pau! Ó Senhor Pica-Pau! ― chama o papa-figos, lá do alto do ramo onde tem o ninho. ― Não acha que já chega de barulho?!
O pica-pau, vestido de amarelo, castanho e preto, suspende o martelar do bico na madeira.
― Falou comigo, Senhor Papa-Figos?
― É claro que falei! – replica o papa-figos, amuado. ― Só o Senhor é capaz de fazer tamanha barulheira! Se soubesse que me calhava por vizinho, tinha feito o meu ninho noutro lado!
O pica-pau não se dá por achado.
― Não me diga! ― responde. ― Então, o amigo não sabe que só assim me alimento e sou capaz de escavar um buraco, para me servir de casa, no tronco do sobreiro?!
― Mas à custa de incomodar meio mundo, a toda a hora!
― É que nem todos têm a sua arte, que consegue construir o ninho em silêncio, suspenso na folhagem…
― Pois é. Mas o vizinho, no que toca a barulho, abusa, francamente!
― Nesse caso, vou descansar o bico! ― condescende a ave trepadora. ― Por hoje, prometo que não trabalho mais. Além disso, a tarde está no fim…
― Uff! Já não era sem tempo! ― suspira, aliviado, o papa-figos, no seu fatinho preto e amarelo. E, sem mais conversa, mete-se no ninho.
Na verdade, ambos têm razão. O papa-figos, porque lhe assiste o direito ao sossego, de que tanto gosta. É uma ave tímida e discreta. O pica-pau porque utiliza o bico como se fosse um martelo, tac-tac-tac, agarrado aos troncos das árvores, a trepar e a martelar em busca do abrigo e do sustento. Por isso, possui um bico extremamente potente, que lhe permite escavar, sem dificuldade, nos troncos dos pinheiros, eucaliptos ou sobreiros, as cavidades que lhe vão servir de casa.
Quanto à comida, basta-lhe introduzir nos buracos a língua comprida, revestida de uma substância pegajosa. Presos a ela, ficam, então, as larvas e as lagartas, mas, principalmente, as formigas, que representam um dos seus petiscos predilectos. Completa as refeições com sementes e frutos. Nos meses do Outono e do Inverno torna-se quase vegetariano, alimentando-se de bolotas, pinhões, amêndoas, castanhas e nozes. Mas, com a chegada da Primavera, aí o temos, a importunar os vizinhos como o papa-figos! Ou seja, a martelar com afinco durante o dia inteiro. Trabalha na construção do ninho, iniciada cedo, nos meados de Fevereiro. Contudo, antes que a fêmea ponha os ovos, o pica-pau, papá previdente, armazena no ninho frutos secos, bagas e semente. Depois, tac-tac-tac, fica à espera. De quem? Ora, dos filhos, que vão chegar quando Maio bater à sua porta!

Soledade Martinho Costa

Do livro «Histórias que a Primavera me Contou»
Ed. Publicações Europa-América

publicado por sarrabal às 01:55
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