Quando escrevo um poema
A mim ofereço todas as palavras
Só depois o liberto pelas folhas
Ou as páginas do livro.
Cada palavra no seu espaço
Cada palavra em sua hora.
Os meus versos
Não os ofereço
Como se oferece uma orquídia
Um bouquett de rosas
A renda que o mar tece sobre a onda
Essas, são palavras demasiado belas
Para vestirem um poema.
Prefiro oferecer cada palavra
Como se oferece
Um copo com água a quem tem sede
Um raio de sol a quem tem frio
O levedar do pão a quem tem fome.
Respirar cada palavra
Decorar-lhe a forma
Sentir-lhe a força
A beleza, a energia
A música, a cadência
Mas também
Fazer de cada palavra
A verdade que se oculta
A denúncia que se encobre.
Palavras escritas
Pintadas, cinzeladas
Cantadas, musicadas
Fotografadas, ditas.
Fazer com elas uma arma
Ou uma pomba
Um lamento como eco num poço
A tranquilidade de um aceno
Uma lágrima que se retrai
Um sorriso que se esconde.
Com o corpo das palavras
Enaltecer a honestidade com que se veste o íntegro
Ou o despudor
Com que se despe o falso, o impostor
Os apadrinhados
Dos meandros do crime
Sem algemas, sem grades
Cobertos e protegidos
Com a sua própria sombra.
E a pergunta espreita
No verso do poema
Continua a sua caminhada
Palavra após palavra
Em cada linha escrita, projectada.
Quem castiga aquele
Que a obra de Deus reduz a cinza
E o outro que vendeu a neve
Que matou o desgraçado
E mais o outro que violou a virgem sem pecado
Quem aponta o dedo ao ladrão
Que ostenta com orgulho o que é roubado
Quem desmascara o fingido que se vende
E se assume como honrado.
Ah! palavras despidas, desnudadas
Arrancá-las à mentira que as sufoca
E gritá-las uma a uma
Boca em boca
Descobertas, nuas
Em toda a sua extensão de liberdade.
Gritá-las uma a uma
Boca em boca
Com dignidade, coragem, destemor
Em corpo inteiro
Sem lembranças de vozes com amarras
A sufocar a razão e a verdade.
Gritá-las uma a uma
Boca em boca
Com a esperança de travar a máquina
Que nos reduz a pobres seres sem voz
Impotentes, inermes, manipulados.
Mas a escrever como nos dita a consciência
Palavras limpas de delitos e pecados.
Soledade Martinho Costa
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