Revela tradições muito remotas. Mesmo nas pinturas rupestres paleolíticas podem observar-se dançarinos meio cobertos com peles de animais, cujas cabeças se sobrepunham às suas, constituindo a representação de tais cenas uma das indicações mais antigas de que se tem conhecimento associada, eventualmente, à origem da máscara. Na Antiguidade, mais do que a diversão, as mascaradas públicas faziam parte de rituais mágicos para “esconjurar os maus espíritos”. Com o cristianismo, essa intenção desapareceu, mantendo-se, embora, o desejo de se apresentar um rosto falso ou uma falsa personalidade, usando a máscara ou o disfarce carnavalesco.
Veneza, considerada a «máscara de Itália», deteve ao longo de décadas a duração máxima do Carnaval – seis meses no ano –, durante a qual o uso da máscara era diário e quase obrigatório.
Símbolo da comédia (o riso) e da tragédia (o choro), a máscara foi de início fabricada em couro, tela, papel e cartão pintado, tendo surgido depois as máscaras executadas em madeira, cortiça, pele, renda ou latão – actualmente, com a predominância das máscaras de plástico –, reproduzindo, na sua maioria, o rosto humano ou a figuração de animais.
As delicadas máscaras de veludo, de seda ou de cetim – as mascarilhas –, concebidas para proteger o rosto feminino dos efeitos do Sol, às quais se dava o nome de «lobos» por assustarem as crianças, acabaram por tornar-se também num outro género, mais requintado, de máscara de Carnaval.
Em Portugal, o uso da máscara (ou da «caraça») remonta a data anterior à Inquisição, tendo a sua utilização, por essa época, dado motivo a que diversas pessoas fossem condenadas à fogueira. Somente no reinado de D. João V (século XVIII) a máscara volta a ser permitida no nosso País, graças aos grandes bailes da corte, a opor o Carnaval de palácio – propiciado pelo ouro do Brasil – ao tradicional, sujo e desordeiro Carnaval de rua.
A função da máscara nas festas da Antiguidade, ao manifestar-se por um cariz profiláctico e expurgatório, fazia com que ao mascarado coubesse a missão de expulsar da Natureza e das populações «os maus espíritos e o mal em geral».
Com o tempo, essa tendência associou-se à própria articulação do Carnaval, onde a intenção de purificar ou libertar os pecados dos homens e do Mundo se pode observar nos jogos carnavalescos de purificação social, adaptados a práticas rituais satíricas e burlescas, numa tentativa de excomungar o mal das comunidades, procedendo à sua punição pelo acto do antigo «arremesso» – atirar cinza, farinha, ovos, laranjas, água, etc. – dos «julgamentos» e afins, pondo a descoberto na praça pública a vida de cada um, até terminar com a «Queima do Entrudo», numa alusão à punição e purificação de toda uma sociedade.
Outra vertente relacionada com a máscara, a cargo dos mascarados, diz respeito ao seu sentido propiciatório ou apelativo em função da fecundidade da própria Natureza, em abono da fertilidade e da abundância no momento da viragem do ciclo agrário: o final do Inverno e a chegada da Primavera. Associada ainda ao antigo culto dos mortos, a máscara mantém até aos nossos dias a sua função profana, articulando-se a sua utilização, paralelamente, com manifestações onde imperam as danças, os repastos, os peditórios, as punições e as apelações.
Desde tempos primitivos ligada também a forças ou intenções extraordinárias ou sobrenaturais, relacionadas com o solstício do Inverno, que acontece a 22 de Dezembro, quando o Sol inicia a sua fase ascendente deixando para trás a obscuridade – fase conotada como propícia ao regresso das almas dos defuntos, para gratificarem ou castigarem os vivos –, cabe nesta ocasião ao mascarado, ou à máscara, o papel de elemento catalisador ou de ligação entre uns e os outros, no sentido da harmonia e do entendimento pela consumação de práticas a que não são alheios o exorcismo e a magia, numa relação entre os vivos e o mundo espiritual.
É nessa perspectiva de elemento superior e fantástico, possuidor de dons especiais, que a presença do mascarado se torna fundamental, por purificadora, quando efectua visitas rituais às casas dos habitantes das localidades, participa em manducações conjuntas, recebe ofertas ou procede a censuras ou julgamentos públicos das pessoas e das respectivas comunidades, assumindo, plenamente, a sua função, tradicionalmente mantida ao longo dos séculos.
Daí, continuarem a verificar-se os «assaltos» combinados entre amigos, em que grupos de mascarados se reúnem em casa de um deles, nos dias de Carnaval, para brincar, comer e beber em conjunto, a manter a intenção profiláctica de tempos imemoriais. Ainda que, estes «assaltos» pacíficos, possam constituir uma lembrança dos efectuados outrora, em que as pessoas ao abrirem incautamente as portas das suas casas aos mascarados, eram espoliadas dos seus bens ou prejudicadas pela sua gratuita destruição ou conspurcação, com a casa cheia de farinha, cal ou cinza.
Baco ou Dioniso, deus do vinho, adorado pelos Romanos e pelos Gregos, era indigitado, igualmente, como deus da máscara. Por outro lado, a máscara é também referida como eventual resquício das «mascaradas de Artémis», deusa grega da caça e da natureza selvagem – assimilada à Diana dos Romanos –, que se realizavam no seu templo, quando decorriam os rituais de iniciação das suas sacerdotisas, em que as jovens se apresentavam mascaradas.
Com o tempo, outra figuração se foi impondo como símbolo de um Carnaval universal: a do «Rei Momo» ou «Rei do Carnaval», não raras vezes acompanhado da sua «Rainha». Sob a égide de Momo, desenrolam-se quase todos os importantes festejos carnavalescos, como os grandes corsos ou cortejos, que desfilam pelas ruas nesta quadra do ano.
Deus da alegria, da folgança e do riso, nascido da Fartura e do Vigor, Momo tinha a função de animar os banquetes dos deuses no Olimpo. O seu companheiro inseparável era Como, deus da comida e da bebida, filho do Apetite e da Sede, que presidia, juntamente com Momo, aos referidos banquetes. Considerados divindades da família, eram invocados na Antiguidade no início dos banquetes. Em primeiro lugar Como, deus dos prazeres da mesa, gastrónomo e bebedor, seguido de Momo, deus das frases oportunas e espirituosas, da troça e dos ditos maliciosos.
Os adoradores de Como para honrarem a sua devoção, excediam-se nos alimentos e nas bebidas, os seguidores de Momo reuniam-se em grupos mais ou menos numerosos e saíam à rua, organizando brincadeiras e fazendo o maior barulho possível. E, naturalmente, por via da máscara, da alegria, da folgança e do riso, tornou-se Momo o patrono do Carnaval.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.II
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