São os meus votos a todos os leitores do «Sarrabal».
SMC
Onde a magia dos Natais de outrora
O presépio dos olhos da infância
São José, a Virgem, o Menino
Figuras modeladas
Quase gente
A mostrar-se ao espanto
Dos pastores que vinham
Em fila pelo musgo dos caminhos
Para ofertar cordeiros e presentes.
Onde a azáfama do rumor das mãos
Nos alguidares de barro onde a farinha
A abóbora, os ovos, o fermento
Tomavam forma e gosto tão distantes.
Aonde o sono arredio que não vinha
Nessa Noite Sagrada em que os pinheiros
Choram saudades de bosques e de estrelas
Sob a caruma de luzes e de enfeites.
Onde o mistério que seguia os passos
Dos adultos no ranger das tábuas
Em nossos passos furtivos de criança
Na ânsia de encontrar em qualquer canto
De barbas e de saco o Pai Natal.
Quantos Natais assim em que a Família
Se reunia inteira à grande mesa
Da sala de jantar tão velha e gasta
Mas que nessa noite por magia
Transformava em cristal os vidros baços.
Quantos presépios retidos na memória
Quantos aromas ainda a Consoada
Quantos sons a deixar nos meus ouvidos
Os risos, os beijos, os abraços.
Quantas imagens cingidas na penumbra
Desta lembrança que se fez saudade
Dos rostos, dos gestos, das palavras
Na lonjura das vozes e da Casa.
Noite Divina em que torno a ser criança
Ante o meu olhar adulto e me desperto
Na emoção que nos traz os anos:
O meu Natal é hoje mais concreto
Mas muito menos belo e mais deserto.
Soledade Martinho Costa
A manhã alonga o passo pelos campos fora. E não se detém. Na pressa de chegar ao fim do dia nem sequer repara no tapete de azedinha e de trevilho, lado a lado, como dois bons amigos que muito se prezam. Onde está um, está o outro. O trevo-dos-prados no anseio de nascer com quatro folhas, para dar sorte à mão que o descobrir. As azedas a enfeitá-lo de amarelo, nas pétalas que fecham ao entardecer.
Mas o azevinho também marca encontro nesta altura do ano. Num emaranhado de picos e segredos, contente por se saber esperado, desponta pelas toiças a mostrar as bagas vermelhas na folha envernizada – que há-de enfeitar Dezembro, quando for Natal.
À noite, colocado sobre a mesa da Consoada, simboliza «o espírito da reunião familiar» e «a celebração da união da família». E ele sabe. E fica feliz por merecer uma tal distinção!
Soledade Martinho Costa
Do livro “Histórias que o Inverno me Contou”
Ed. Publicações Europa-América
De pedra
Colmo
Tábuas
Papelão
Sob telhados de zinco
Ou telha vã
Eis os estábulos
As grutas
Os abrigos
Onde nascem e dormem
Os meninos nus
Há mais de dois milénios.
Herdeiros de um legado
Instituído por decreto-lei
Réplicas
De outro Menino
Que o Anjo anunciou
Nascido na lapinha de Belém
Não têm a seus pés
Pastores nem reis
Dormem
Dormem, simplesmente
Pelos presépios
Adorados por ninguém.
Nas reservas surdas
Ao apelo das florestas
No fogo das areias
Onde a terra se nutre
Das almas e dos corpos
Nos ghettos onde o leite
Nos seios seca
Ao explodir das bombas
Nos bairros marginais
Nos prédios em ruínas
Nos quartos alugados
Nos tugúrios onde não chega
A Estrela Peregrina.
Templos sagrados
Onde as mães
Esvaído o ulo vaginal
Debruçam sobre o ventre as mãos
Cortando aos filhos
Esquecidos
Humilhados
Sem pão
Amparo ou pátria
O cordão umbilical.
Talvez para que fujam
E repetido seja outro milagre
À revelia dos homens
Como então.
Soledade Martinho Costa
Foto: Zordi Bernabeu Farrús (Aleppo)
Associadas à quadra natalícia, as «searinhas», «cabeleiras», «centeiinhas», «tacinhas de Adónis» ou «searas de Jesus», aparecem, sobretudo, nas zonas rurais, colocadas junto dos oratórios e presépios erguidos em casa, nas capelas e igrejas, oferecidas ao Menino Deus com o pedido de «boas colheitas».
Semeadas três semanas ou um mês antes do Natal, utilizam-se para a sua germinação bagos de trigo, milho, aveia e outros cereais, humedecidos em pequenos recipientes mantidos, quer ou não, ao abrigo da luz.
Mas também em terras de gente do mar (caso de Olhão, e um pouco por todo o Algarve) a tradição se mantém, procedendo-se à sementeira das «searinhas», em pratos ou taças, no dia 8 de Dezembro (com trigo, centeio, linhaça, ervilhaca ou grão-de-bico). Na véspera de Natal as «searinhas» estão prontas e «arma-se o Menino», ou seja, dispõem-se, quase sempre sobre uma mesa, coberta com uma toalha branca, bordada ou de renda, várias caixas em degrau, de cartão ou de madeira, forradas conforme o gosto, ou enfeitadas com paninhos brancos bordados.
No lugar mais alto dessa espécie de trono coloca-se então a imagem do Deus Menino e pelos degraus do trono dispersam-se as «searinhas», alternadas com laranjas. Este, o presépio mais tradicional, embora surjam outras variantes ao gosto de cada um. O mesmo género de presépio verifica-se na ilha da Madeira, tomando ali o popular nome de «lapinha».
As «searinhas» aparecem ligadas a diversas ocasiões cíclicas festivas, religiosas ou não, caso das celebrações do Divino Espírito Santo, dos Santos de Junho (particularmente a São João) e do Carnaval – a lembrar que já na Antiguidade as mulheres da Frigia as semeavam por alturas especiais, levando-as em recipientes a germinarem ao sol, para ficarem verdes, enquanto entre nós, se apresentam, por vezes, esbranquiçadas, devido à germinação ter o seu processo em local sem luz.
Soledade Martinho Costa
Que foi que aconteceu
Jesus?
Eu peço que me digas.
Se o meu olhar agora
É mais profundo
Se a minha esperança
É quase uma saudade
E se instalou o medo
Pelo Mundo.
Que foi que aconteceu
Jesus
Nesta Noite de Incenso
E Liturgias?
Onde estão os pastores
E os seus afagos
Porque vestem de luto
Os Três Reis Magos
Que te oferecem no berço
As mãos vazias?
Que foi que aconteceu
Jesus?
Eu peço que me digas.
A razão desta angústia
Deste peso
Que em mim se fez prisão
E fez cativo.
Desta mágoa
Que me chega ao coração
Como se fosse Heródes o motivo.
Desta mágoa
Que me chega ao coração
Em línguas que não falo
Nem conheço.
Em línguas
Onde apenas reconheço
Em cada direito violado
Em cada morte
Em cada grito
O choro das crianças
Universal e aflito.
Soledade Martinho Costa
Tela: «Madona e o Menino» (pormenor), Sandro Botticelli
Um dos rituais que perdura até aos nossos dias, principalmente em Trás-os-Montes, Alto Douro, Beira Alta e Beira Baixa, mas também no Nordeste Transmontano, sendo menor ou mesmo nula a sua tradição a Sul, diz respeito às «Fogueiras do Menino», «Fogueiras da Consoada» ou «Fogueiras do Galo».
Sob a influência da Igreja, a fogueira profana de adoração solar dos Romanos, passou a ser cristianizada e a servir de ritual cristão ao culto divino, testemunhado na quadra natalícia a Jesus Cristo – considerado o «verdadeiro símbolo do Sol que vai nascer, para iluminar todo o homem que vem ao Mundo».
Costume que se processa quase sempre durante a noite, cabe ainda hoje às raparigas enfeitar as igrejas para a Missa do Galo, enquanto aos rapazes corresponde a tarefa do roubo ritual do «madeiro», do «cepo» ou do «canhoto» – noutros tempos com os interessados em colaborar a serem chamados por essas aldeias com o auxílio de um búzio e a envolverem as rodas dos carros de bois com «baraços» de palha de modo a evitar o barulho, para que tudo se processasse no maior silêncio. O transporte, conforme a tradição, continua a ser feito, por vezes, em carro roubado ou utilizado sem autorização dos respectivos donos, puxado por animais, ou empurrado pelos próprios rapazes, num específico rito sagrado, embora, actualmente, seja mais vulgar a utilização dos tractores com o respectivo reboque. Noutros casos, a lenha é roubada dias antes do Natal, ou ao longo do ano, leiloada ou oferecida em promessa. Há mesmo quem a deposite à porta de casa, na intenção de que seja «roubada» pelo grupo que chama a si essa tarefa.
Nas fogueiras acesas em casa durante estes dias, verifica-se, na maioria dos casos, idêntico preceito: o de utilizar-se apenas lenha roubada, segundo a crença «para que a lenha assim ardida proteja o lar e a família».
Ateadas ao entardecer da véspera de Natal, as fogueiras ardem, geralmente, até ao dia de Reis, no adro das igrejas, segundo o povo «para aquecer o Menino», ficando todos os habitantes do lugar encarregues de manter o lume sempre aceso.
Em muitas aldeias e lugares do nosso País, as populações continuam a juntar-se ao redor das «Fogueiras do Menino» para cantar, dançar e comer filhoses, aproveitando o lume do braseiro para assar as febras do porco e saborear as batatas tostadas (cozidas primeiro em potes de barro), como se fazia (ou faz ainda) no Sabugal (Beira Alta).
O rito das fogueiras de Natal encontra-se espalhado em muitos países da Europa, casos da França, da Itália e da Inglaterra, entre outros. Na Antiguidade, o ritual sagrado do fogo, ou lume novo, acontecia por ocasião do solstício do Inverno, com as fogueiras acesas, tendo por intenção que o Sol voltasse a brilhar com maior intensidade, temendo-se, particularmente nas comunidades rurais, que as trevas afastassem definitivamente a luz e o calor, situação que correspondia a um acentuado declínio da luz solar e respectiva diminuição gradual do sistema diurno, até culminar no dia menor do ano – o dia de Natal.
Resquícios de festas solsticiais gentílicas, muitas delas acabaram por conservar-se na tradição dos povos, a par das celebrações da liturgia cristã, ocupando um espaço importante que nos foi legado pelas religiões e civilizações antigas, cabendo-nos defendê-lo e preservá-lo, não apenas no que respeita às fogueiras de Natal, mas ainda a outros ritos e festas de carácter etnográfico cíclico, onde se misturam e confundem rituais cristãos e práticas de raiz politeísta e pagã.
Por outro lado, segundo alguns autores, sendo o galo considerado um animal solar, é natural que se dê o nome de «Fogueiras do Galo» às fogueiras do Natal e a designação de Missa do Galo à primeira missa da noite de 24 para 25 de Dezembro. Ainda assim, e numa forma mais simplicista, se diz também que muitas pessoas se deslocavam de lugares distantes para assistirem à Missa do Galo. De modo a evitar que voltassem a fazer a caminhada de regresso sem grande repouso e porque não tivessem onde pernoitar, acendia-se para elas o «madeiro». Aconchegadas ao seu calor passavam então o resto da noite, quase sempre muito fria, petiscavam, bebiam, cantavam ao Menino Deus e, mal a manhã rompia, voltavam a suas casas.
Simbolicamente, o «madeiro» poderá representar ainda o próprio Inverno, na intenção de aquecer o Menino Jesus; o «madeiro da Cruz de Cristo» ou «o fogo que desceu dos Céus», referente à iluminação dos Apóstolos pelo Espírito Santo, sob a forma de línguas de fogo, depois da elevação de Jesus Cristo aos Céus.
Soledade Martinho Costa
Do livro “Festas e Tradições Portuguesas”, Vol. VIII
Ed. Círculo de Leitores
Foto: Pomares, Arganil
Enfrenta o corvo
O frio
No luto que o defende.
Há teias de cristal
A enfeitar o tojo
O leito das ribeiras
Inunda-se de luz.
Dezembro
Põe na mesa
O azevinho e fritos
Ergue o Natal
Presépios
Ao Menino Jesus.
Soledade Martinho Costa
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