«Jesus também tinha 2 pais», diz o cartaz do bloco de esquerda para celebrar a aprovação da adopção de crianças por casais gays. Pois tinha. Mas também tinha uma Mãe - ou já esqueceram?!
Soledade Martinho Costa
Tempo de reflexão e de abstinência para os católicos, a Quaresma (do latim quadragesíma) representa os quarenta dias de jejum de Jesus Cristo no deserto, para descanso físico e espiritual, antes de principiar o seu ministério apostólico.
Com início na quarta-feira de Cinzas (quando encerra a quadra do Carnaval, logo após a terça-feira Gorda), termina no Sábado Santo, que antecede o dia da comemoração da Ressurreição de Cristo – o Domingo de Páscoa, festa da Igreja Cristã, solenizada desde os primórdios do cristianismo. No entanto, se procedermos à contagem destes dias, iremos achar mais de quarenta, uma vez que os domingos não são incluídos, por não serem considerados dias de penitência.
A última semana da Quaresma (Semana Santa ou da Paixão) vai do domingo de Ramos (ou domingo da Paixão do Senhor), que comemora a entrada de Cristo em Jerusalém para celebrar a Páscoa Judaica, até ao Sábado Santo, que antecede o Domingo de Páscoa. Sete dias depois da Páscoa celebra-se o Quasímodo, ou «oitava da Páscoa», correspondente ao domingo de Pascoela.
A Ascensão do Senhor (ou Ascensão de Jesus Cristo aos Céus) ocorre no quadragésimo dia a seguir à Páscoa e cinquenta dias após a Páscoa é comemorada entre os cristãos a Festa do Pentecostes (ou do Espírito Santo), em memória da descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. No domingo seguinte cumpre-se a solenidade da Santíssima Trindade e na quinta-feira imediata têm lugar as cerimónias do Corpo de Deus. Estas duas festas, embora celebradas já fora do tempo pascal, encontram-se ainda relacionadas com a comemoração da Páscoa.
Oficialmente, a Igreja denomina os seis domingos que antecedem o domingo de Páscoa por domingos I, II, III, IV e V da Quaresma, chamando ao sexto domingo de Ramos na Paixão do Senhor. Estes domingos, ou as respectivas semanas são designados, no dizer do povo, pelo nome das figuras bíblicas: Ana (Santa Ana, casada com São Joaquim, pais de Nossa Senhora): Magana (Maria Madalena ou Maria Magdala, que vivia em Magdalane, na Galileia - daí o seu nome -, pecadora que se converteu a Cristo, lavando-Lhe os pés e enxugando-Lhos com os seus próprios cabelos): Rabeca (Rebeca, filha de Bathuel e esposa de Isaac, filho de Abraão, mãe dos gémeos Esaú e Jacob): Susana (mulher judia célebre pela sua beleza e castidade, injustamente acusada de adultério por dois velhos, que foram condenados à morte) e Lázaro (São Lázaro, ressuscitado por Cristo três dias depois de morto). Popularmente, se dirá, pois: «Ana, Magana, Rabeca, Susana, Lázaro e Ramos, na Páscoa estamos».
Muitas são as celebrações e os ritos que se efectuam nesta quadra associados às comemorações da Igreja e que fazem parte da liturgia pascal. A Quaresma, em anos mais recuados, era um tempo de silêncio, de recolhimento, de luto, de penitência. Renunciava-se aos divertimentos e tinha-se apenas uma refeição por dia, composta por pão, legumes e água. Em casa, cantar ou assobiar era considerado pecado e os cantos durante os trabalhos no campo substituídos por cânticos religiosos. Nesse período não se contraíam matrimónios. Caso se efectuassem, não se procedia à bênção nupcial da noiva, adiada para depois da Páscoa. Homens havia que durante toda a Quaresma – embora mais acentuadamente na Semana Santa – punham gravata preta, enquanto as mulheres vestiam de negro ou evitavam roupas de cores garridas.
À própria Igreja, no domingo anterior ao domingo de Ramos, impunha-se um maior rigor. Nesse dia procedia-se à «desnudação dos altares»: os crucifixos e as imagens dos santos eram cobertos com crepes roxos – cor do crepúsculo, que exprime a purificação e a penitência no caminho da humildade – ou negros – representando a morte, o luto e a tristeza. Tapavam-se as janelas e os vitrais, as flores eram retiradas dos altares e os sinos e campainhas calavam-se até à madrugada da Vigília Pascal, em Sábado Maior, altura em que se celebra a Ressurreição.
Devido ao silenciamento dos sinos, era uso o «tocar das matracas» na Semana da Paixão, para lembrar e chamar os fiéis para os actos litúrgicos. Geralmente, o portador da «matraca» era um jovem designado pelo padre. Acompanhado por outros jovens, percorria as ruas fazendo soar esse objecto feito de madeira e arame grosso, que emitia um som cavo e ritmado, com pancadas secas, a impor, de forma inerente ao luto da quadra, a obrigação aos fiéis. Outras vezes, a «matraca» era passada de mão em mão, para que todo o grupo participasse no ritual. Ainda hoje, em certas localidades do Alentejo, as «matráculas» convidam os fiéis para a igreja na tarde de domingo de Ramos, antes da saída da Procissão dos Passos ou do Senhor a Caminho do Calvário.
É também durante a Quaresma que se observa, em várias regiões do nosso País, uma tradição mantida desde há séculos: a «encomendação das almas» e o «cantar dos martírios». Trata-se de cânticos religiosos entoados tanto por grupos de homens como de mulheres ou os dois em conjunto. Os homens que têm a seu cargo a «encomendação das almas», percorrem as povoações procedendo à «visitação» nos domingos da Quaresma, partindo pela manhã, após a missa, pedindo esmola e entoando cantos piedosos por intenção das almas, revertendo uma parte das esmolas para fins de beneficência e a outra para a igreja ou capela dos lugares a que pertencem, tendo por destino a celebração de missas por alma dos defuntos.
Na entoação dos «martírios», os grupos reunem-se dentro das localidades, à porta das igrejas ou capelas, no adro, ou noutros locais já costumados As mulheres, vestidas de negro, entoam os cânticos nas sextas-feiras ou nos domingos da Quaresma, à noite, sempre em sítios altos, nas encruzilhadas ou subindo à torre das igrejas. Lopes Graça recolheu e transpôs para a pauta a música destes cânticos de muito difícil execução. Tanta, que poucas mulheres conseguem entoá-los. O ritual da «encomendação das almas», integrado no culto dos mortos, verificado noutras celebrações do calendário, toma, ainda, outras designações, conforme as regiões do País: «Lamentar das Almas»; «Deitar as Almas»; «Botar as Almas» ou «Inventar as Almas»
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.III
Ed. Círculo de Leitores
Diz-se dos dias principais da quadra carnavalesca: Sábado Gordo, Domingo Gordo e Terça-Feira Gorda – denominação que ficou dos antigos Domingos Gordos que decorriam entre o Dia de Reis e o Carnaval, assim chamados devido ao excessivo consumo de carnes gordas verificado nestes dias em repastos rituais.
Se a Páscoa ocorre cedo, em meados de Março, uma vez que o Carnaval depende da data da Páscoa (como todas as festas móveis do calendário), os chamados «dias gordos», mais propriamente a Terça-Feira Gorda, último dia de Carnaval (que antecede a Quarta-Feira de Cinzas, primeiro dia da Quaresma), poderão oscilar entre o dia 3 de Fevereiro e o dia 9 de Março, nunca depois desta data. Os «dias magros» são o sábado e o domingo anteriores aos dias «gordos».
É neste universo, onde os procedimentos orais e gestuais – por conseguinte sociais – se invertem, que vamos encontrar diversas práticas específicas do ciclo do Carnaval, algumas mais do passado do que do presente, embora muitas delas continuem a verificar-se, particularmente entre a comunidade rural.
Se o Carnaval actual se transformou numa sombra do Carnaval de outros tempos, talvez não venha a despropósito lembrar algumas das brincadeiras e folguedos que vigoravam outrora, suprimidos que foram uns, ao longo dos anos (proibidos pelas autoridades), outros caídos em desuso e outros ainda por motivo de substituição das praxes, de acordo com a evolução e a mudança de hábitos e conceitos operados no seio da sociedade.
De civilizado o Carnaval não tinha, efectivamente, nada. Quer o Carnaval rural, quer o urbano (particularmente o setecentista e o oitocentista), projectava-se de forma anárquica, suja, irresponsável e até violenta, onde nada nem ninguém escapava ou era respeitado, mesmo que não fosse folião – ou precisamente por isso. De tal modo, que alguns editais publicados em 1817 «proibiam os folguedos de Carnaval» – ressuscitados, entretanto, a partir dos anos do liberalismo.
Por essas épocas vivia-se intensamente o «arremesso» (com força e pontaria certeira), e tudo servia para arremessar ao próximo, fosse um companheiro de folia ou um pacato cidadão avesso a folguedos: tomates, laranjas e ovos goros (podres), farinha, tremoços, cinza, pó-de-sapatos (pó preto), pó de talco, cal, lixo, excrementos, vísceras, ratos, sapos, rãs, lagartos (vivos ou mortos), água, dejectos, etc. (além de pedras e de toda a espécie de objectos velhos ou deteriorados).
As «cacadas», «caqueiradas» ou «paneladas» (recipientes com pedras, pedaços de madeira e toda a espécie de lixo) eram também atiradas para dentro das casas, à força ou à menor distracção, pelas portas e janelas. Ainda hoje, no Nordeste Transmontano, se usa o termo «deixar cacadas», que corresponde ao acto, mantido ali (sempre a cargo dos mais novos), de deitar, à noite, para dentro das casas que se descuidam com as janelas ou portas abertas, sacos ou mãos cheias de bolhacas que vão apanhar dos carvalhos.
As «pimentoadas» faziam-lhes companhia, arremessadas do mesmo jeito, a originar dentro das casas um cheiro nauseabundo e sufocante, que provocava tosse, obrigando os moradores a saírem para a rua, devido aos trapos velhos a arder dentro de um caco, misturados com malaguetas e estrume dos animais.
Passar por baixo de uma janela, constituía perigo para qualquer um, pois podia-se levar com o despejo de um balde de água ou de outra coisa menos limpa. Por isso, os precavidos, vestiam nos dias de Carnaval os fatos mais usados, munindo-se ainda de chapéus-de-chuva, para evitar males maiores.
Colavam-se rabos de papel (os «rabos leva») com legendas irreverentes a quem passava ao alcance da mão (costume ainda hoje mantido pelas crianças) e amarravam-se utensílios velhos (tampas, panelas, caçarolas ou latas) aos rabos dos gatos e dos cães, que corriam tresloucados por ruas e travessas, causando o pânico, o riso e um barulho insuportável.
Em muitas casas os vidros chegavam a ser retirados das janelas. Quando assim não acontecia, vidros, pedras e outros objectos cortantes ou contundentes constituíam as armas utilizadas (mesmo navalhas de ponta e mola) em desacatos e pancadaria, que culminavam, por vezes, com ferimentos nos intervenientes e até em mortes, nalguns casos.
Tudo isto, além de uma lista infindável de tropelias divertidas e inofensivas (algumas ainda hoje mantidas), em que quase todos participavam, uns como causadores directos, outros como suas «vítimas»: a dentada numa apetitosa «azevia» recheada com estopa ou algodão ou tremendamente picante; a aranha gigante que se descobria entre as dobras do lençol ao abrir a cama; a «osga» colada numa parede ou a carteira ou moeda coladas ao chão, que o transeunte tentava apanhar sem dar nas vistas – motivo para gargalhadas ante o embaraço dos mais desprevenidos.
Figuras populares do Carnaval de rua eram também os «Entrudos», homens mascarados apresentando ventres descomunais e munidos de bengalas, que se dirigiam a quem passava para lhes aplicar as tradicionais «pançadas», a causar um certo receio aos importunados.
No meio rural os divertimentos eram idênticos, apenas lhe acrescentavam as «roncas do Entrudo», sempre durante a noite, para que o incómodo fosse maior. As «roncas» eram (e são) feitas com a bexiga do porco, cozida no bocal de um cântaro de barro ou num cortiço de abelhas vazio, com um buraco no meio por onde sai um cordel que, ao ser puxado, emite um som barulhento, monótono e desagradável.
No Nordeste Transmontano, onde o costume se mantém, dão-lhe o nome de «pandorreiras», feitas igualmente com um cântaro de barro, mas com uma palha introduzida no buraco, a causar, ao ser puxada, o mesmo som incomodativo.
Estas musicatas percorrem as aldeias e os seus arredores, indo por vezes à entrada das aldeias vizinhas, num acto de provocação, produzindo o maior barulho possível, munidos, ainda, com buzinas, bombos, tambores, cornetas e latas, estas zurzidas por paus, fazendo assim a festa até noite avançada, a incomodar meio mundo, pois essa era (e é), fundamentalmente, a intenção dos «músicos».
Todavia, aos poucos, o Carnaval truculento e desordeiro substituiu os «arremessos» abrutalhados e sujos, pelos papelinhos e serpentinas multicores e pelos saquinhos de pano cheios com arroz, alpista ou serradura – ou também com feijão ou grão, a torná-los, talvez para matar saudades, um pouco mais pesados. Os baldes de água reduziram-se à dimensão das bisnagas, por vezes cheias com água perfumada ou mesmo só com perfume, e o barulho provocado pelos cães e gatos, ao dos «estalinhos», «bichas-de-rabear» e «bombinhas», que permanecem até aos nossos dias.
Em Lisboa, na noite de Carnaval, realiza-se o primeiro baile de máscaras no Real Teatro de São Carlos (1809) e organiza-se pela primeira vez (1887) um Cortejo de Flores, com carros enfeitados e a respectiva «batalha», evento considerado na época um autêntico êxito e uma verdadeira inovação.
Iniciava-se uma nova era do Carnaval português.
Soledade Martinho Costa
Do livro “Festas e Tradições Portuguesas”, Vol.II
Ed. Círculo de Leitores
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