«… uma coisa que me é imprescindível são as casas e todo o enorme peso que elas descarregam nos nossos ombros. Que elas depositam neles, certas de que as entendemos, de que partilhamos com elas a sua vida, dentro de paredes, tectos, escadas, janelas, portas, objectos de toda a ordem com que as alindamos sem lhes pedirmos licença nem opinião. E as casas a consentirem, a gostarem de nós, a aceitarem o nosso gosto e jeito (ou a falta deles) para a decoração. Tenho a casa na aldeia da Beira Litoral há perto de vinte anos. Reconstruída dos escombros em que se encontrava. Liberta por mim das ruínas que lhe vestiam o corpo. Não deixar morrer as casas das nossas aldeias devia ser uma obrigação de todos nós (pese embora, mais do que nunca nos tempos que correm, os custos dessa possível ressurreição). Passo lá meses seguidos, numa aldeia onde habitam somente dezasseis pessoas. Assim como estou tempos infindos sem lá ir. Quando chego, antes de fazer seja o que for, subo ao primeiro andar para percorrer as divisões, uma por uma. O «itinerário» tem a finalidade de cumprimentar a casa, de a saudar, de lhe dizer: – Estou aqui de novo, voltei! Porque penso que a casa, a cada uma das minhas ausências, no silêncio das pedras, das madeiras, de cada um dos objectos que a preenchem, fica à espera de ser de novo habitada. De ouvir de novo as vozes, os risos, os passos, os ruídos habituais que lhe dão vida. Que a fazem respirar como se fosse gente. Com a nossa presença, as casas acordam do torpor que de tempos a tempos as faz adormecer, exaustas de saudades, devido ao nosso afastamento. Quando regressamos, tornam a ter vida própria, a partilhar: uma luz que se acende, a música que se ouve, o bater da porta, sempre que alguém entra ou alguém sai […]. Tudo isso volta a acontecer quando me preparo para passar ali um ou dois meses. Para mim, rever um quadro do meu saudoso amigo António Pimentel, uma peça de cerâmica de Rosa Ramalho ou de António Bronze, uma escultura de pedra de Gondramás (na serra da Lousã) do mestre Carlos Rodrigues, uma foto sobre a pedra cimeira do fogão de sala, a cadeira de baloiço ao lado da chaminé antiga de carvalho, um candeeiro (adoro candeeiros, quadros e cadeiras), o passar da mão, num afago, sobre as costas de uma cadeira ou o tampo de uma mesa, o ajeitar de uma almofada no canapé ou no cadeirão. Olhar os livros da estante, dar uma espreitadela ao jardim, mesmo à noite, tudo isso é revisitar aquilo que amo. Pode parecer um absurdo, mas eu sinto que amo as paredes da casa, as grossas e velhas traves de carvalho, as madeiras dos tectos, as pedras, os azulejos antigos e todos os objectos que foram preenchendo os espaços e os lugares que lhes destinei, com alegria, entusiasmo, amor. Na minha opinião, as casas e os objectos também podem (e devem) ser amados. Porque fazem parte de nós, porque abrigam neles os nossos projectos, as nossas alegrias, as nossas tristezas. E também a nossa vida, os dias que são os nossos e que gastamos a cada hora que passa. Conhecem-nos, protegem-nos, guardam a nossa privacidade e os nossos segredos.»
Soledade Martinho Costa
Do livro «Uma Estátua no Meu Coração»
Quero escrever todos os meus versos
E sentir livres os olhos e os pulsos
Na poesia não pode haver barreiras
Que lhe tolde a força dos impulsos.
Por isso
Só aceito os meus poemas
Quando os sinto vibrar nas minhas veias
Simples, é possível
Mas inteiros.
E chamem-lhe coragem ou revolta
A razão que me assiste é que me importa
Não escrevo, por defeito
Versos com paredes ao fundo.
Tenho, por mim
Chamar somente de poeta
A quem se debruça nos versos e resiste
A oferecer de si motivos que aprofunda
E rasga a alma toda e a liberta
A dá-la aos outros inteiramente nua.
Soledade Martinho Costa
Do livro a publicar «Um Piano ao Fim da Tarde»
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