Do meu querido amigo Rui Vasco Neto deixo-vos este poema.
Mais um dia, outra jornada
lá fora tudo se move
cá dentro não mexe nada,
nem um pelo só, se agita
no meu corpo… Agitada
trago a alma, essa sim,
essa é que grita,
pede socorro, coitada
Já rouca, está tão aflita
que considera fugir,
tão farta que está de mim…
E eu?
Eu estou farto de existir,
ontem assado, hoje assim..
Se ela quiser desistir
eu vou junto no arrear
(também eu queria fugir
e aqui estou, preso a ficar..)
Por isso alma: chega de gritar!
é inútil, acredita,
patético o sofrimento
toda a hora, noite e dia..
Já chega deste tormento.
O mundo não vai mudar,
a dôr nunca vai passar,
o processo é longo e lento…
Há que escolher, eu diria:
Vivo e preso, em agonia?
Não.
Antes cinza, solto ao vento.
rvn
Nesta quadra ainda se conservam, um pouco por todo o país, celebrações comportando práticas de apelação ou piedosas por intenção das almas. Enquanto umas se mantêm, outras acabaram por se perder no tempo, umas e outras evidenciando as suas longínquas proveniências.
Uma destas práticas rituais continua a verificar-se na aldeia da Eira Pedrinha (Condeixa, Beira Litoral), como praxe religiosa e culto propiciatório. Ali, junta-se um grupo de homens (dez, doze ou mais) que, em dois domingos seguidos da Quaresma, percorrem vários lugares, pedindo esmola e cantando por intenção das almas. O percurso é sempre idêntico, havendo já quem, por essa altura, espere a costumada «visitação». No primeiro domingo, de manhã, no final da missa, o grupo põe-se a caminho. É visitada a vila de Condeixa-a-Nova, seguida das aldeias de Salgueiro, Ameixeira, Palha Cana, São Fipo, Poço, Casal Novo e Bom Velho de Cima e de Baixo. No segundo domingo é a vez do lugar da Senhora das Dores e das aldeias de Atadoa, Valada, Atadoinha, Alcabideque e Avessada, terminando o «cantar às almas» no ponto de partida: a aldeia de Eira Pedrinha.
Em tempos recuados o percurso era feito a pé, de dia e de noite, a meio da Quaresma, levando os homens uma saca de sarapilheira onde guardavam o milho que lhes era oferecido em diversas casas das aldeias em vez de dinheiro. O problema maior surgia quando a saca ficava cheia… O milho era depois vendido, revertendo o dinheiro para o mesmo fim: missas por alma dos defuntos.
Os componentes do grupo usavam por essa época gravata preta e um cajado. Hoje, o percurso é feito de carro, sem a gravata preta, mas mantendo a praxe de cada um levar o seu bordão. Homens existiam (ou existem) nesta aldeia que, sem interregno, procediam à prática desta devoção há mais de trinta anos. Actualmente, parte do dinheiro obtido por este meio é destinada pelo grupo a uma instituição de caridade, enquanto a restante é oferecida à Capela de São Jorge de Eira Pedrinha, tendo por destino a celebração de missas pela «encomendação das almas».
Quanto aos cantares, são feitos em dois pontos distanciados da aldeia visitada, dividindo-se os homens em dois grupos: ora cantando uns, ora respondendo os outros, ajoelhando em conjunto ao cantarem «Ajoelhemos por terra/ Já não somos os primeiros/ Na companhia trazemos/ Jesus Cristo verdadeiro».
Integrado no culto dos mortos (verificado noutras celebrações do calendário), o ritual toma diferentes nomes conforme as localidades: «lamentar as almas», «aumentar as almas», «deitar as almas», «botar as almas» ou «inventar as almas». Em Meridãos, Vale de Bestança, Montemuro, as antigas «ementas» consistiam na oração de um pai-nosso rezado pelo padre antes de iniciar a missa. Tantos pais-nossos eram rezados pelo pároco por intenção das almas quantos os pedidos das famílias que, no final da cerimónia, pagavam o ofício religioso.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. III
Ed. Círculo dos Leitores
Foto: Jorge Barros
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