«Foi Manuel Cordovão que ficou a guardar-lhe as memórias quando a Aldeia Nova da Serra envelheceu.» Assim começa o segundo capítulo desta novela da autoria de Daniel de Sá, escritor açoriano, natural da Ilha de São Miguel e a residir na cidade da Maia (concelho de Ribeira Grande).
Estão a decorrer até ao próximo domingo, dia 19, as tradicionais Festas da Cidade de Aveiro, iniciadas, anualmente, no primeiro fim-de-semana do mês de Maio.
Com vasto e diversificado programa de animação, lúdico, cultural e religioso, as festividades têm por objectivo principal lembrar e louvar a princesa Santa Joana.
Filha de D. Afonso V e de sua mulher, D. Isabel, a princesa Santa Joana nasceu em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1452. Órfã de mãe aos 4 anos de idade, mostra desde muito cedo a sua tendência para praticar o bem, sobretudo na caridade em favor dos pobres, longe e desprendida das grandezas da corte e das vaidades do Mundo, antes voltada para a devoção e dedicação a Cristo.
A sua extrema formosura leva a que diversos pintores de outros países a tenham retratado, dando origem, naturalmente, a que várias vezes fosse pretendida para esposa por príncipes de outras nações. Mas o sonho de Joana era o de entrar para uma ordem religiosa.
Assim acontece aos dezanove anos, com a concordância de seu pai, quando recolhe ao Mosteiro de Odivelas. Muda-se a 4 de Agosto de 1472 para o Convento de Jesus, na então vila de Aveiro (a que costumava chamar a «sua Lisboa pequenina»), recebendo ali, passado algum tempo, o hábito de noviça.
Com fervor religioso e austeridade aí viveu, sob o hábito dominicano, chegando ao ponto de desempenhar as mais humildes tarefas: varrer o chão, lavar roupa, amassar pão, tendo aprendido também a fiar e a tecer o linho.
Ao cair gravemente doente, o rei ordena que retire o hábito, sendo parecer do vigário geral dos dominicanos em Portugal e de vários teólogos, que não deveria professar devido aos seus poucos anos.
Joana acata a ordem, retira o hábito, que coloca sobre o altar, para tornar a vesti-lo poucas horas depois, prometendo usá-lo apenas por devoção
A peste que assolou Aveiro em 1479, a obrigar a princesa a refugiar-se perto de um ano no Alentejo, o desgosto pela morte de seu pai em 1481 e a convicção de que nada havia neste mundo que a prendesse, levou a que o seu estado de saúde se fosse alterando, com febres altas e contínuas. A sua morte ocorre na madrugada do dia 12 de Maio de 1490, contava então 38 anos.
Em Aveiro chorou-se por largo tempo em memória da beata Joana, relatando a tradição que muitos milagres se operaram por sua intercessão, após o seu falecimento. A partir daí, o povo começou a venerá-la como santa, considerando-a, mais tarde, os Aveirenses, como protectora da cidade.
A 4 de Abril de 1693 foi beatificada pelo papa Inocêncio XII, o que levou D. Pedro II a mandar construir um magnífico túmulo onde se conservam as relíquias da santa. O túmulo encontra-se no Mosteiro de Jesus (que passou em 1911 a Museu Regional de Aveiro e, posteriormente, a Museu de Aveiro), cuja igreja (sempre fechada) abre ao público, graciosamente, no dia 12, para que o povo a possa venerar, especialmente, nesta data, realizando-se ali, em seu louvor, algumas celebrações litúrgicas orientadas pela Irmandade de Santa Joana. É também neste dia (feriado municipal) que tem lugar a solene e esplendorosa procissão com os andores de Santa Joana e de São Domingos, a percorrer durante cerca de duas horas as principais ruas de Aveiro, vistosamente engalanadas, sempre participada por elevado número de féis, que incorporam o cortejo litúrgico, enquanto alas de visitantes nacionais e estrangeiros assistem ao desfile enchendo por completo as ruas da cidade.
Conta a lenda que no dia da sua morte, o pomar e os jardins do convento se encontravam deslumbrantes de verdura e flores, como até aí nunca se tinha visto. Todavia, quando o cortejo fúnebre se dirigiu da cela da infanta para o claustro, ao passar pelo jardim, as folhas e as flores tombaram sobre o caixão, como se fossem lágrimas, assim se despedindo da princesa que tanto as amara em vida.
A 5 de Janeiro de 1965, Santa Joana é declarada pelo papa Paulo VI a padroeira principal da cidade e diocese de Aveiro.
Terra que devido ao sal se tornou conhecida além fronteiras, desde a Idade Média, mostra-nos, até hoje, as suas famosas salinas, onde a brancura do sal e os seus respectivos marnotos (salineiros) conferem à cidade uma particular beleza e uma paisagem ainda mais especial, aliada ao canal central (laguna), a atravessar Aveiro, dividido em vários canais, com barcos moliceiros e pontes, a contribuir para que a cidade seja conhecida pelo sugestivo nome de Veneza de Portugal.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol IV
Ed. Círculo de Leitores
Olhei a imagem reflectida no espelho.
Não me reconheci.
Nesta caminhada
A que a vida me obrigou
Onde
Descalça e nua
Me perdi?
Atravessei o cristal
E ouvi pronunciar
As sílabas que vestem o meu nome.
Lá estavam os campos da minha infância
As folhas dos plátanos ao alcance da minha mão
A fonte antiga com degraus de pedra
O rio ao lado dos meus passos
A murmurar a mesma límpida canção.
Vi rostos que deixaram de morar
Do lado de lá do espelho
Repeti nomes
Revi ruas e casas
Bebi a paz e a calma
Dei abraços
Distribui beijos
Soltei saudades amealhadas
Como um tesoiro guardado na alma.
Encostei o coração
Ao tronco das árvores
Corri pelos descampados
Livre e sem medos
Debrucei-me sobre as flores silvestres
E contei-lhes segredos.
Escutei ao longe o ladrar dos cães
Vi os lagartos na quentura das fragas
Na distância que encerra
Paisagens e memórias
Aspirei o pulsar da terra.
A sentir sob os pés
A frescura lisa das pedras
Atravessei regatos
Percorri atalhos
Embrenhei-me por veredas
Trilhos e matos.
Como da vez primeira apaixonei-me
Pela estrada que se oferecia à minha frente
Limpa de mágoas e receios
E sonhei de novo a ternura da espera
No botão a despertar no rubro da roseira.
Envolta na carícia desenhada pelo vento
Era eu, ali, reencontrada, inteira:
A escrever um poema
À procura das palavras
A olhar o céu
A aprender o trinado das aves
A recordar o nome dos lugares
A redescobrir sítios inesperados
A adivinhar os gestos para lá dos muros.
Mas a neblina veio no seu manto de cinza
E cercou o meu reduto
Escondeu do meu olhar
Os locais amados
E os sons passaram a ser escuros.
Aos poucos
O dia adormeceu sobre o afecto das coisas
E nasceu uma noite de há muito pressentida.
Tacteei uma saída
Só encontrei a frieza do espelho.
Voltei a atravessá-lo
Como um arrepio numa tarde de Verão.
Já sem estranheza
Já sem espanto
Compreendi então que nos anos vividos
Se constrói a palavra mutação.
Talvez eu seja, afinal
Igual à gota de chuva, além no mar
A semear o pranto num lamento
Para voltar a ser outra vez nuvem
No seu corpo de tule
Como um corcel a galopar o tempo
Embora desconheça o seu rumo no azul.
Soledade Martinho Costa
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