No meu país
Igual ao teu país
Onde esvoaçam gaivotas junto ao rio
Asas feitas de mar
Voando ao vento
Sobre o beijo que o Sol pousa nas ondas
Morrem em cada verso mil poetas
Por mil razões sentidas do seu povo.
País de Sol e sal
País defunto
Onde se alaga em choros a muralha
E em pleno dia a noite é mais profunda.
País irmão do teu
País igual
Aonde chegam turistas com roteiros
À procura de sonhos nos mosteiros
Dos olhos pacientes
Que não partem.
País de pranto e fel
País sem esperança
Sem alento, sem leme ou direcção
Onde a justiça se cala e compromete
Em silêncios que nos trazem à memória
Longínquas fontes de calado canto.
País irmão do teu
País igual
Onde as gaivotas do rio
Que esvoaçam
Asas nimbadas de teimas e de lutas
À noite
No convés
Quando adormecem
Sobre o casco dos barcos que apodrecem
Vão sonhando o sal de outras marés
E o voo de novos horizontes.
Soledade Martinho Costa
O meu filho foi buscar a filha mais pequenina ao infantário (Nayara, 3 aninhos feitos no passado mês de Agosto). Ao segurar-lhe a mão, diz a minha neta:
- Pai, liga à avó. Quero pedir-lhe uma coisa…
Sem perguntar qual seria o pedido, o pai limitou-se a ligar o telemóvel e a dizer-me:
- Olha, mãe, a Nayarita pediu-me para ligar. Quer pedir-te qualquer coisa, não sei o quê.
Do outro lado a vozinha da minha neta:
- Vó?
- Sim, meu amor…
E ela, explícita:
- Sabes, vó, eu quero pedir-te uma coisa…
- Já sei, minha querida, o pai disse-me. Então, diz lá. O que é?
- Olha, vó, quero pedir-te umas asas!
Fiquei perplexa.
- Umas asas, amorzinho?! Mas para quê?!
Reposta rápida:
- Para ir à Lua!
- À Lua?! Mas para quê, Nayara? – Repeti.
Outra resposta pronta:
- Para ir agarrá-la!
Argumentei:
- Mas, minha querida, a Lua está lá tão em cima, tão longe… Não tens medo de voar tão alto?
- Não, vó, não tenho medo!
E perante o meu momentâneo silêncio, o pedido, persuasor:
- Vá lá, vó... Vá lá…
Isto, numa vozinha doce, muito doce, a convidar-me a dizer que sim à compra das asas.
O problema está na nossa próxima conversa. Faço todas as vontades aos meus netos. Esta, não vai ser possível. Provavelmente, vou contar-lhe a história de «Ícaro». Ou do Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar a Lua. Ou talvez lhe fale dos anjos, que moram no céu, e das suas asas. Vou dizer-lhe que ela própria é um anjo na Terra. Sem asas, porque são invisíveis. Mas que as tem, tem. Não pode é voar com elas.
A Nayarita vai entender que nem sempre as avós podem fazer a vontade aos netos – mas que bem gostariam, lá isso é uma verdade…
Soledade Martinho Costa
A escritora Alice Vieira está indignada pelo facto do seu livro de poemas para adultos, «O que Dói às Aves», ter sido incluído (por erro informático, segundo informação oficial) na lista do Plano Nacional de Leitura como indicado para crianças do 2º ano do Ensino Básico.
Alice Vieira já deu entrevistas na Televisão. Já leu, na íntegra, na TSF, o texto escrito na contracapa do livro. A notícia da sua indignação tem andado pelos jornais, revistas e internet (blogs e facebook incluídos). Alice Vieira já informou que «espera agora que haja uma acção do Comissário do Plano Nacional de Leitura». Alice Vieira já disse também que «gostaria muito de saber quem são os ENERGÚMENOS que escolhem os livros para o Plano Nacional de Leitura». Alice Vieira já perguntou se «(…) essa gente leu alguma coisa do livro para lá do título». Alice Vieira já informou que «o seu livro não trata de histórias de pintainhos!».
Como Alice Vieira já falou, agora é a minha vez de falar:
O livro em questão foi, entretanto, retirado da lista errada e incluído na lista certa pelo Executivo do PNL. De que se queixa, então, Alice Vieira?
Todos nós sabemos (pelo menos aqueles que escrevem livros) que não existe crítica literária em Portugal. Uma simples notícia sobre os livros que se vão publicando entre nós, é coisa que não há (a não ser que algum amigo do autor a faça). Perante este indigente panorama, há que fazer pela vidinha. É verdade que nem todos os escritores se aproveitam de uma casualidade que veio, sem ser solicitada, parar às suas mãos. Mas, como em tudo, existem excepções. Parece-me o caso.
Alice Vieira ao aperceber-se do engano, deveria ter-se limitado a contactar o Executivo e a esclarecer o assunto. Discretamente. «Bastaria um simples telefonema», como argumentou Teresa Calçada, uma das responsáveis pelo PNL.
Ao fazer um tal alarde da sua indignação, Alice Vieira está, quanto a mim, a aproveitar-se da oportunidade que lhe caiu do céu: a de fazer publicidade ao livro e à editora, enquanto tenta afirmar-se também, publicamente, como autora para adultos. Alice Vieira é, sim, sobejamente conhecida, mas como escritora de livros infanto/juvenis.
É um facto que subsiste em certos autores, apenas com livros infanto/juvenis publicados, uma espécie de complexo por não constar da sua bibliografia obras para adultos. Talvez a Literatura e o próprio público leitor tenham a sua culpa. A literatura para crianças é vista, erradamente, como uma literatura menor (já me debrucei neste assunto, apresentando comunicações que provam o contrário). Afinal, o grande passo para fomentar na criança o gosto pela leitura é… o livro infantil! Representa o primeiro contacto dos mais pequeninos com a literatura, cabendo ao adulto ser exigente com a escolha dos livros. Se assim for, o prazer de ler acompanhará a criança pela vida fora. Torna-se na semente que o fará, mais tarde, um leitor das obras para adultos.
Voltando a Alice Vieira, não acredito que os responsáveis pela escolha dos livros do PNL «tenham escolhido o livro sem o abrir», como afirma, indignadamente, a escritora. Todavia, partindo do pressuposto que tal tenha acontecido (o que é impensável), nem assim Alice Vieira teria razões para a sua indignação, E, se não, vejamos: qualquer livro de Alice Vieira pode ser considerado um bom livro (aqui, discordo da opinião quase geral e lembro as críticas literárias que fiz ao seu trabalho, publicadas no extinto «Diário Popular», expondo o meu ponto de vista). Ora, aliando o título do livro (com o seu quê de infantil) ao nome da autora, poderia dar-se o caso de não ser necessário, sequer, abrir o livro! Coisa que não aconteceu, evidentemente. Assim sendo, representaria um voto a favor de Alice Vieira e da sua obra! Ou não seria? Não é verdade que devemos ver as coisas pelo lado positivo – mesmo as negativas?
Pode ler-se no «Público» de 9/10/12: «Alice Vieira abriu (…) a polémica sobre os critérios de escolha dos livros que fazem parte do Plano Nacional de Leitura.»
Longe vai o tempo em que eu própria, nos jornais, abri polémica sobre os critérios de escolha dos livros seleccionados pela Direcção-Geral do Ensino Básico destinados às bibliotecas das escolas. Nessa altura, Alice Vieira, ao contrário de 30 escritores com obras para crianças, não se manifestou.
Diz ainda o jornal: «Alice Vieira (…) quer (…) apurar responsabilidades.» Pergunto: Alice Vieira foi vítima de algo que a tenha prejudicado ou depreciado enquanto escritora? Não. O «acidente» só lhe valeu a arte de o aproveitar para seu benefício e publicidade. Só isso. Publicidade a mais. Barulho a mais. Com outras coisas, neste país, a merecerem mais a nossa atenção e a nossa indignação. Isso sim.
Sempre achei, nas obras de Alice Vieira, um certo sarcasmo, uma certa forma de troçar e de ridicularizar algumas das personagens dos seus livros: avós e tias. Principalmente as tias. Raro é o livro onde não há uma tia absolutamente risível – escrevi essa minha opinião algumas vezes, publicamente, quando os seus livros me chegavam às mãos. Pôr a ridículo a Família, não me parece recomendável num livro para crianças ou jovens. A ternura, a existir, anda muito arredia dos seus escritos.
Outra frase infeliz de Alice Vieira é esta: «Será que pensam que são histórias de pintainhos?». Depreciar, também, os autores que escrevem «histórias sobre pintainhos», não fica bem a Alice Vieira. É uma ofensa petulante dirigida aos colegas de escrita que o fazem. É desprestigiar o próprio Andersen e o seu conto «O Patinho Feio»! Mas é este o «estilo» de Alice Vieira.
Deixei para o fim a palavra «ENERGÚMENOS», que dirigiu, afrontosamente, a quem, no PNL, faz a escolha dos livros. É grave. Alice Vieira perde, assim, toda a razão – que não tem. O seu livro continua escolhido (além dos 40 que já foram seleccionados!). A ofensa gratuita, a arrogância e a falta de educação são muito mais gravosos do que uma simples falha informática numa lista de livros.
Soledade Martinho Costa
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