Meu filho, minha ternura
Meu coração dado inteiro
És a fome da fartura
Que guardo no meu celeiro.
Meu filho, minha alegria
Meu cansaço, meu deleite
És a fonte do meu dia
Candeia do meu azeite.
Meu filho, minha coragem
Minha luta, minha chama
Eras fruto na folhagem
Se os meus braços fossem rama.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Reduto»
Para Manuela Vidal.
Por ter sido a Professora da minha filha no Ensino Primário. Por ser minha Amiga há mais de 40 anos. Pelo seu aniversário ocorrer, precisamente, no dia 13 de Maio. Pelo mês de Maio ser o Mês de Maria. Pelo seu Marido (meu saudoso e querido Amigo José Álvaro Vidal) ter sido o empreendedor dessa obra excepcional realizada em Alverca do Ribatejo – que ultrapassou fronteiras e dá pelo nome de CEBI.
Soledade Martinho Costa
A LÁGRIMA
Passou na rua há pouco a procissão
E mais que as velas
Mais que as flores a atapetar o chão
Mais que as colchas coloridas nas janelas
A Fé
A Fé da multidão
Que seguia atrás da Virgem no andor.
Eram irmãos
Irmãos no fervor da oração
No amor a Deus
Nas suas dores.
E por ser tão grande a devoção
Que no ar pairava e se sentia
Pareceu-me até
Que pelas faces da Senhora lhe descia
Uma lágrima de terna gratidão.
Soledade Martinho Costa
Foto: Velud'arte
O dia da Ascensão ou dia da Ascensão do Senhor, tem lugar quarenta dias após o domingo de Páscoa. Designado, popularmente, por quinta-feira de Espiga, comporta praxes e tradições que assumem carácter universal. A mais comum está ligada ao ramo de espiga, com «poderes de virtude benfazeja», que se colhe neste dia pelos campos, constituído por espigas de trigo (abundância de pão), tronquinhos de oliveira (que simbolizam a paz), papoilas (a alegria), malmequeres brancos (a prata) e malmequeres amarelos (o ouro) – sempre em número ímpar em relação a cada um destes elementos.
Colhido o ramo, de preferência entre o meio-dia e a uma hora, devem rezar-se, conforme manda o preceito, três ave-marias e três pais-nossos (Beira Litoral). Em certas zonas do Alentejo, respeitando-se o sacralismo desse momento, considerado o espaço mais benéfico, colhem-se cinco espigas de trigo, cinco folhas de oliveira e o maior número possível de flores silvestres brancas e amarelas. Enquanto se procede à recolha, rezam-se cinco ave-marias, cinco pais-nossos e cinco gloria patri, «para nesse ano haver em casa trigo, azeite, ouro e prata».
Em Orca (Beira Baixa) e nas localidades ao redor, o dia da Espiga leva também o nome de dia da Marcela ou dia da Marcelada. Por isso se canta: «Eu venho da Marcelada/ venho de colher marcela/ lá dos campos da Idanha/ daquela mais amarela.»
O ramo de espiga guarda-se dentro de casa, na cozinha ou na sala, por vezes atrás da porta ou junto de uma imagem religiosa, aí se conservando, servindo de talismã, com «virtudes de protecção e esconjuro», até ao ano seguinte, altura em que é substituído por um novo ramo.
No Ribatejo, o dia da Espiga é declarado feriado, por ser «o dia mais santo do ano». Também em Évora (Alto Alentejo), da parte da tarde de quinta-feira de Ascensão, algum comércio e serviços encerram as portas, de modo a que os seus funcionários possam cumprir a tradição de colher «o raminho protector e apelativo da abundância».
À semelhança de outras cerimónias, manifestações e ritos associados às diferentes festas agrárias anuais, o acto de colher o ramo de espiga – simbolizando ao mesmo tempo um elemento favorecedor da conservação e coesão do lar e do fortalecimento da família – poderá, supostamente, remeter-nos a épocas remotas. Particularmente, quando na Grécia Antiga se efectuavam as celebrações (estabelecidas pelos deuses da Antiguidade) em louvor de Deméter ( a Ceres dos Romanos), deusa da agricultura e das searas, e de sua filha Perséfone (em Roma Prosérpina), deusa do trigo, da germinação, dos rebentos e das folhas. As Festas Demétrias, ou Grandes Eleusínias, realizadas na Primavera na cidade de Elêusis, representavam a subida de Perséfone à Terra, correspondendo à época das colheitas, vestindo-se o solo de verdura e de flores para a receber. As Pequenas Eleusínias, celebradas no Outono, expressavam a descida da deusa ao Inferno, retratando a introdução das sementes na terra.
O cerimonial do pão – simbolizado no ramo pelas espigas de trigo, em analogia a Cristo – aparece em certos lugares (embora já raramente) substituído pelo ritual do leite. Caso de Atouguia, ou Atouguia das Cabras (Ribatejo), por ter sido aldeia de muitos rebanhos. Nessas localidades o dia da Espiga tomava a designação de dia do Leite, sendo hábito, outrora, os lavradores oferecerem o leite das suas vacas, cabras e ovelhas, ordenhado na quinta-feira de Ascensão, «aos mais necessitados, ao padre ou a quem lho pedisse», acreditando-se que essa dádiva «protegia o gado da sarna». A crença estendia-se ao queijo fabricado com o leite ordenhado nesse dia crendo-se que tinha o poder de «curar as sezões» (febres causadas por emanações de águas pantanosas).
Por tudo isto, verificava-se, antigamente, em Nisa (Alto Alentejo) a praxe de a mãe do noivo, antes do casamento, oferecer à noiva, no dia da Ascensão, um requeijão de «canado» (nome que se dá ali ao tradicional tarro de cortiça). A noiva partia o requeijão ao meio, devolvia uma das partes à futura sogra e distribuía a outra pelas pessoas amigas. Já em Belmonte (Beira Baixa), não se fazia queijo na Quinta-feira de Ascensão, mas comia-se a «coalhada» (leite espesso com açúcar), que se levava para o campo e se distribuía pelos familiares. Se, por acaso, algum membro da família andava desavindo, era a altura de fazer as pazes oferecendo-lhe a «coalhada», em sinal de reconciliação.
Tradições já passadas, outras ainda vivas, a verdade é que resquícios de festas e praxes remotas continuam a perdurar no calendário. Era em Maio que os Romanos efectuavam as comemorações em louvor da ninfa Maia, ou Bona Dea. Aí residindo, eventualmente, a razão de noutros tempos se dar em Nisa, ao dia de Ascensão, o nome de Maia do Coração, sendo tradição antiga nesta data os noivos oferecerem às noivas a «Maia do Coração» – presente constituído por um objecto de ouro ou peça de vestuário».
Nesta data, crenças e praxes continuam a subsistir entre a comunidade rural, ao contrário do que acontece nas grandes cidades, onde se vai perdendo dia a dia o contacto com os rituais que nos ligam ao passado, como suporte da nossa própria identidade, manifestada na fé, no respeito e no valor das coisas que nos foram legadas.
Por isso, é sempre com surpresa acrescentada que deparamos, nos estabelecimentos e nas ruas das grandes cidades (mesmo na capital), com alguém que nos oferece, na quinta-feira de Ascensão (a troco de algumas moedas), o «raminho de espiga benfazejo».
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. IV
Ed. Círculo de Leitores
Igual/ sob o azul/ ao voo das aves/ caminhos outros fossem/ e outros passos/ assim esta conquista/ esta vontade. / A mandar mais na robustez das grades/ que fecha a liberdade a sete chaves.
DESABAFO: Eles não sabem quem somos, nem querem que sejamos.
SUGESTÃO: Os desgostos desaparecem com duas horas de leitura.
DISPARATE: Alimentar a ideia de que a tolerância é cristã.
ESCÂNDALO: O lado Armani do jornalismo português, dito de «referência».
APLAUSO: O modo de muitos seguirem o que outros querem que esses muitos sigam.
EXPECTATIVA: Que deixemos a fadiga que nos adormeceu, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia.
EMOÇÃO: Com a leitura da novela Sangue, uma obra-prima da maior revelação da literatura portuguesa actual: um jovem que vive em S. Miguel de Ceide, chamado Camilo Castelo Branco.
AMOR: A suave música da alma, a violenta música do corpo.
SAUDADE: O retrato, ali ao canto, de um miúdo magro, espantado, a sorrir. Ainda não havia o apesar de tudo. Ainda não existia a punição. Ainda as ruas eram livres. Ainda, ainda.
SONHO: O homem, quando quer, consegue tudo quanto quer. Basta querer. Ça ira. Isso vai.
MEDO: Não é o contrário de coragem. Nasce-se com o medo. A coragem aprende-se. O medo não é derrotado pela coragem: é destruído pela honra. A honra não tem medo de nada. A coragem tem medo de tudo.
INTIMIDADE: Andar na rua vestido como se estivesse nu. Estar nu em casa como se estivesse vestido.
FIGURA PÚBLICA MAIS: Jorge Nuno Pinto da Costa. Ele diz sempre. O que deve sempre dizer, o que pensa sempre dizer, o que é importante ser sempre dito, o que diz tem sempre importância.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Cavaco Silva. Não diz, não sabe dizer, só fala, não está a dizer nada. Não ri, não sorri, não sabe rir, não sabe sorrir. Nem sequer chato é. É aquilo, coitado. Mas deve ser um bom chefe de família.
CALENDÁRIO: A impiedosa e cruel vigilância do tempo sobre o nosso corpo. Mas «viver sempre também cansa» (José Gomes Ferreira).
Ideia e coordenação Soledade Martinho Costa
In Notícias Magazine/1999
Nota: Das 24 figuras públicas que reponderam a este «P.M.P.», só você, Baptista-Bastos, teve honras de capa na revista Notícias Magazine, recorda-se? A revista saía aos domingos e o dia 25 de Abril desse ano de 1999 calhou, precisamente, a um domingo. A legenda: «Onde é que você estava no 25 de Abril?» fizeram o resto. Uma capa bem-disposta, embora, das suas palavras, a depreender-se já algumas incertezas…
Foi consigo que «trabalhei», perto de cinco anos, enquanto colaboradora do saudoso «Diário Popular». Todas as quintas-feiras, meia página do jornal era dedicada à secção «Mãos ao Livro», da minha responsabilidade. Devo-lhe a atenção de ter encarado como uma prioridade a literatura infanto/juvenil. E o interesse que o levou a visitar e a fazer aquela belíssima reportagem sobre a grande obra que é o CEBI em Alverca do Ribatejo.
Há muito que não falamos. A vida, os dias, os afazeres, são, por vezes, os causadores de silêncios que não desejamos. Em breve o seu telefone vai tocar e sou eu, verá! Depois, há esta surpresa à sua espera, aqui, no meu blog…
E agora, deixe-me acrescentar: Baptista-Bastos, brilhante jornalista e escritor, com mais de duas dezenas de livros publicados, distinguido com diversos prémios literários, entre eles o Prémio Literário Município de Lisboa; o Prémio P.E.N. Clube Português de Ficção e o Prémio da Associação Internacional de Críticos Literários. (Eu sei que não precisava, mas eu gosto!).
Abraço muito amigo para si e um «olá, dona Isaura, beijinho!».
S.M.C.
. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...
. VARINAS
. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...
. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...
. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...
. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...
. REGRESSO
. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...
. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...
. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...
. BLOGUES A VISITAR