Ser dona de mil caras / mil sorrisos / inventar a fala e a maneira / de quem não se conhece / e retratou. / Em cena ter mil nomes / ter mil vozes; / calcorrear enredos / personagens / e ser em todas elas uma só.
DESABAFO: Que má é a crítica teatral em Portugal.
SUGESTÃO: Uma coisa que já foi feita noutros países. As pessoas disciplinarem-se e um dia na semana não ligarem a televisão. Um dia qualquer, em que não haja um programa que lhes seja particularmente estimulante. Há muitos dias em que os programas não prestam para nada. Num desses dias, desliguem a televisão. Experimentem viver sem ela.
DISPARATE: Aquilo em que se transformou a vida do futebol português. Com a aquiescência e o entusiasmo de toda a gente. Negócio de massas, em que se tornou o que era apenas mais um desporto interessantíssimo da vida desportiva portuguesa.
APLAUSO: As últimas coisas que me apeteceu aplaudir foram a minha querida amiga e colega Fernanda Montenegro, pelo maravilhoso papel na Central do Brasil, e a minha querida amiga Margarida Gil, pelo filme «O Anjo da Guarda».
EXPECTATIVA: Para um actor é sempre o espectáculo seguinte. O eligada a isso. De qualquer maneira não queria tornar umbiguista esta resposta. Reduzi-la ao meu trabalho e à minha função de actriz. Tenho, tenho uma expectativa, mas no sentido negativo. Pode-se ter uma expectativa negativa, não pode? Positiva? Ora deixa ver…Só me passam pela cabeça coisas que me dão vontade de rir. Olha, depois digo. Por agora, ficamos na expectativa.
PREOCUPAÇÃO: É muita preocupação e, ao mesmo tempo, muita curiosidade. O que é que vai acontecer com estas experiências de clonagem e de bio-intervenções genéticas? O que é que vai dar como transformação no Mundo e na vida das pessoas? Não quero dizer que seja uma coisa que me obriga a pensar nela todos os dias, mas quando se fala em preocupações, penso nisso.
EMOÇÃO: São os outros. É o Mundo, as pessoas. É uma sala cheia de gente a gostar daquilo que nós acabámos de fazer ou estamos a fazer. São os filhos que pusemos cá, neste Mundo, a crescer, a serem homens, a serem mulheres…É isso tudo.
AMOR: É um grande estímulo para a minha vida. Tem sido sempre um grande estímulo. É o lugar onde se deposita toda a nossa generosidade, ou muita da nossa generosidade, do nosso entusiasmo. É toda a vontade de dar um presente, de dar uma gargalhada, de estar bem. Para além disso, de amar, o amor como sentimento abstracto, não sei, nunca experimentei. Acho que o amor tem muito a ver com a vivência do amor. Para mim, é um lugar onde me deposito.
SAUDADE: É um estado de espírito difuso, vago. No meu caso, quase nunca objectivado. Nunca tenho o espírito da saudade de uma pessoa, de uma coisa, de um sítio. Mas lembro-me de estar com saudades como quem tem sede ou como quem está a passar um fim de tarde bonito ou muito dorido. É sempre muito impreciso, indefinível…
SONHO: Que o que faço e o que sou seja bem entendido pelos outros. Não ser aplaudida, mas compreendida. Ao longo da minha vida, tive sempre o sentimento de que havia, relativamente a mim, muito mais aplauso do que entendimento. Quando era pequena, lembro-me de sonhar que morria e que só tinha duas ou três pessoas no meu enterro. Era horrível. Vivia em Cascais e quando morriam pessoas mais pobres e mais isoladas via passar o carro funerário para o cemitério da Guia, seguido, a pé, por dois ou três velhotes, de chapéu na mão, e uma ou duas mulheres de escuro, com lenço. E pensava: «Que horror!». E sonhava muitas vezes o pavor de um dia morrer e ter um funeral assim. Este sonho mau representa o pânico da solidão, do isolamento em que se vive. Está na base da minha necessidade de comunicar com os outros – necessito, absolutamente, dos outros. Mas esse pavor não pode ter como contrapartida o sonho da comunicação a qualquer preço. Sempre sonhei com uma comunicação que não me desfigurasse, que não obrigasse as pessoas a fazerem juízos apressados sobre mim. O que é complicado. As pessoas têm tendência para não perderem muito tempo com os juízos que fazem. E um actor corre mais riscos. A minha presença na vida faz-se através de personagens. Não me olhem pelo que eu não sou. Que a notoriedade não me desfigure ao ponto de não deixar rasto nenhum neste Mundo. Aquela parte de nós próprios, do valor exacto daquilo que se está a propor. Essa coisa ao pé da pele, ao pé da verdade. É o grande sonho que sempre tive.
MEDO: Há muitas formas de ter medo. No imediato, aquele que me lembra é o medo físico. É assustador. Uma pessoa com medo físico, é uma coisa aterradora. Outra vertente, é o medo paralizante, que pode ser psicológico ou social. Mais parecido com falta de coragem, que reconhecemos melhor nos outros do que em nós próprios. Por outro lado, há grandes afirmações de coragem que são grandes provas de medo. E não estou a falar do medo que faz heróis, mas de grandes agressividades que, por vezes, são espelhos de grandes sustos, de grandes medos. Tem vertentes interessantes. O medo da morte, por exemplo, é o que nos faz criar, reproduzirmo-nos, sonhar…Sem esse medo, não havia gente, aspirações ou as aspirações eram pequeninas.
INTIMIDADE: Para um actor é uma fasquia muito pequena da sua vida. A fímbria de intimidade, e não estou a falar da casinha, da familiazinha, mas da intimidade maior, situa-se, quase, entre uma frase que se diz em cena a um colega e o tempo da resposta. É quase a privacidade que nos resta em termos de intimidade. É um momento só nosso. Fica muito pouco na vida de um actor como reserva íntima. Mas acho que é interessante cultivá-la como uma flor de estufa…
FIGURA PÚBLICA MAIS: Jorge Sampaio. Seria injusto não o citar. Ainda não se tinha feito o exercício ético da função política. E também Paula Rego. É uma figura de estarrecer em termos de qualidade como pintora. Consegue personificar a nossa maneira de sermos portugueses. Pinta no feminino, absolutamente. Representa os nossos mitos, os nossos sonhos, os nossos períodos complicados. Todo o imaginário feminino português está ali. Para mim é uma figura mítica.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Não gostava há muito tempo tão pouco de uma figura política como do Cavaco Silva.
CALENDÁRIO: São as Estações do ano, coisa que só descobri quando comecei a ser adulta. Pouco a pouco, vamos percebendo que o tempo é rápido, subjectivo. Como a marcação da nossa caminhada é inexorável. Mas, para mim, que vivo na cidade, as árvores da cidade são as páginas do calendário.
Autoria e coordenação: Soledade Martinho Costa
In Notícias Magazine/1999
Nota - Voltar a publicar estas tuas respostas, Céu, fez-me lembrar o susto que apanhei quando gravámos este «P.M.P.».
À noite fui ter contigo ao Teatro Cinearte e fizemos a gravação no final do teu ensaio. Ao chegar a casa, já tarde, resolvi verificar se tudo estava em ordem. Quando carreguei na tecla de reproduzir, nem um som! E tentei e voltei a tentar. Nada. Como tinha de entregar o trabalho dois dias depois, não tive outra alternativa senão telefonar-te. Já estavas a dormir: «Céu, o gravador não gravou!», disse, alarmada, recordas-te? E a tua resposta, meio ensonada: «Não faz mal, voltamos a gravar tudo amanhã!». Tentei mais uma vez. Não me perguntem como, mas a gravação estava lá, inteirinha! Ainda hoje penso que foi uma partida do meu gravador!
Querida Céu, ando há imenso tempo para ir ver-te no papel de D. Maria, a Louca. Sabes como te admiro! Por agora, deixo-te a surpresa de poderes reler as tuas palavras e um beijinho de muita amizade.
S.M.C.
Luís Represas
Porque o som do vídeo publicado abaixo não se encontra nas melhores condiçõe, optei por publicar o respectivo poema, «E Foi Dezembro». Obrigada.
E foi Dezembro
Que as tuas mãos
Colheram devagar.
E foi Dezembro
Quando a sós
Tudo disseste
Quase sem falar.
Foi um palco vazio
A acontecer
No frio que se ergueu
Dentro de nós.
Uma distância
O mar que se estendeu
A separar da minha
A tua mão.
E foi Dezembro
Inteiro a anunciar
A solidão dos dias
Por nascer.
E foi Dezembro
À chuva a reviver
As pedras e os rios
E os luares.
Os nomes
Que vestiam os lugares
E os sonhos repartidos
Que não fomos.
A coragem
Nascida de aceitar
A verdade de ser
O que hoje somos.
E foi Dezembro
Vivo na roseira
Despida no silêncio
Do jardim.
E foi Dezembro
Ainda na cegueira
Das asas de uma ave
Que há em ti.
Foi um tempo
De amantes a aprender
Que não deve esquecer-se
O verbo amar
Ou um Inverno apenas
A perder-se
Da Primavera
Do primeiro olhar.
Letra: Soledade Martinho Costa
Música e interpretação: Luís Represas
(Do álbum "Cumplicidades")
Luís Represas
O poema é meu. Espero que ouçam e que gostem.
Gravado ao vivo, durante o Concerto de Natal efectuado no Porto em 2009, com Teresa Paiva e o Coro do Círculo Portuense de Ópera.
http://www.youtube.com/watch?v=WoGewX8QkKA
Em guilhotina
Embora
Assassinadas
As palavras
Explodem
Incendeiam
Nas arestas dos vidros
Sobre os muros
Seus lampejos de luz
Em céus de bruma.
Entretecidas
De gritos ou silêncios
Resplandecem no fogo
Aglutinadas.
Juízes do seu peso
E sua sombra
Campanas como estrelas
Nas abóbadas
Da efémera essência dos instantes
Se constroem
Revigoram
Ressuscitam
Em perpétua sincronia
Soletradas.
Soledade Martinho Costa
(Ao Miguel Rodrigues Loureiro)
A nativa
Surge das entranhas da terra
No rosto
A sentença defronta a multidão
Inventa o último reduto.
Símbolo da raça
No porto da sua mão
A imagem
Pacientemente construída
Aguarda a transacção.
Do tombadilho
A objectiva fixa o momento.
E aos guerreiros
De penas coloridas
Aos pássaros de fogo
Agora extinto
Do espaço filantropo
Das reservas
Promete
Com indulgência
Divulgação
A bem da casta decadente.
Para lá dos olhos
Do bocejo
Do sorriso poliglota
Dos turistas
A invasão progride
Inultamente.
Os vírus
Penetram os corpos.
Nas cidades
O extermínio
É feito com eficiência.
Soledade Martinho Costa
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