Não é fácil falar de Tóssan. Um artista notável em diversas vertentes: pintor, ilustrador, vitralista, decorador, cenógrafo, humorista (sem nunca ter sido actor, e podia!), poeta, mas, sobretudo, um conversador maravilhoso. Afável, simples, bondoso, amigo – como só os grandes homens sabem ser.
Por companheira, sua mulher, a doce Manuela, cabelo lindo, totalmente branco, lábios (sempre) com baton. E como ficava bem o baton vermelho nos lábios de Manuela! E o sorriso que nunca se apagava do rosto dessa mulher formosa. A fazer «concorrência» ao marido na afabilidade, na simplicidade, na amizade que nutria pelos outros. E no amor apaixonado que brilhava nos seus olhos quando fitava e ouvia o marido. Tóssan retribuía-lhe da mesma maneira.
Casal exemplar, bonito, inigualável. Sim, o amor entre os dois fazia o milagre da união perfeita, lá, na «casinha» onde moravam, «encavalitada» no último andar de um prédio da Avenida 5 de Outubro. Viviam entre a arte e o carinho. Nesse cantinho recebiam os amigos (tantos!). A diferença de idades entre ambos era muita – a favor de Tóssan. Mas os olhares que trocavam entre si, de ternura e respeito, de admiração profunda um pelo outro, fazia com que parecessem da mesma idade.
Marcaram presença num dos programas do inesquecível «Zip-Zip». O bom-humor de ambos, a versatilidade dos assuntos, a graça natural de Tóssan, os seus poemas, fizeram desse serão frente à TV um dos mais interessantes momentos televisivos em programas de entretenimento. Os aplausos do público e dos apresentadores foram o testemunho.
Conheci Tóssan, pessoalmente, no lançamento de um livro de Orlando Gonçalves, director do jornal «Notícias da Amadora». Lançamento esse que teve lugar precisamente na Amadora – onde existe hoje a Avenida Tóssan.
Falámos de interesses comuns, sobretudo de literatura para a infância. Tóssan ilustrava de há muito os livros de Leonel Neves, seu amigo de infância e autor para crianças. Desenhos magníficos os seus! Mas falámos também do Algarve: Tóssan nasceu em Vila Real de Santo António (cuja Câmara Municipal, postumamente, lhe rendeu homenagem). Falámos de Loulé (que conheço bem) e, como não podia deixar de ser, de António Aleixo, esse grande poeta popular (seria?), cuja obra Tóssan ajudou a divulgar, unindo-os uma profunda amizade. Sempre que falava de António Aleixo, a comoção de Tóssan era visível. Mesmo em público: as lágrimas assomavam aos seus olhos sem pedir licença. Assim aconteceu no «Zip-Zip».
Homem sensível, nem sequer abria a televisão para ouvir os noticiários. Ficava «incomodado, doente», dizia. A sua saúde, sempre precária, e a de Manuela não lhes permitia essa imprudência.
Recebi ambos, algumas vezes, na minha casa, em Alverca do Ribatejo. A seguir ao sumo de laranja, feito na altura, vinha a poesia: a dele e a minha, a animar os serões. Com uma diferença: enquanto Tóssan sabia de cor todos os seus poemas, eu, necessitava de ter os meus livros à mão! Serões inesquecíveis, esses, que recordo com muita saudade. Também os visitava na sua casa em Lisboa e no Algarve (Albufeira), onde possuíam um apartamento.
Depois do falecimento de Tóssan, em 1991, Manuela decidiu ingressar num lar, em Lisboa. Os amigos não a abandonaram, longe disso! No quarto com varanda para o jardim, vivia rodeada das obras do marido: textos manuscritos e quadros pelas paredes, muitos quadros e ilustrações assinados por Tóssan. Mas não sobreviveu muito tempo. A falta do marido fez com que o coração de Manuela, desde sempre debilitado, deixasse de bater.
Em 1992, Mário Viegas, põe em cena um espectáculo a partir de textos em prosa e poesia da autoria de Tóssan.
Lembro-me de um facto com muita graça. Tóssan foi o autor da capa do meu segundo livro de poesia: «A Palavra Nua». Inspirou-se no título e concebeu o trabalho de uma forma muito pessoal e criativa. Dentro de uma «janela» cercada por dois tons de verde, a palavra «nua», ao centro, aparece a branco, em relevo.
Conforme Tóssan me contou depois, assim que a capa ficou pronta, resolveu telefonar-me de modo a irmos os dois entregá-la na gráfica. Ligou para o meu número (julgou ele) e ouviu a voz de um jovem. Tóssan perguntou: «És o Luís Miguel?» (meu filho) A resposta foi afirmativa: «Sim, sou.» E torna Tóssan: «A tua mãe, está em casa?» E do outro lado do fio: «Não, a minha mãe saiu». Porque algo lhe pareceu estranho, Tóssan insistiu: «Mas és mesmo o Luís Miguel?» A confirmação, de novo: «Sim, sou eu.» Tóssan pediu: «Quando a tua mãe chegar, dá-lhe um recado: diz-lhe que ligou o Tóssan e que a plavra nua já está vestida.» Silêncio do outro lado.
Dias depois, recebo um telefonema: «Soledade? É o Tóssan. Então, não diz nada? O Luís Miguel não lhe deu o recado?» Respondi: «Recado, que recado? Não, o Luís Miguel não me disse nada!» E logo a reacção de Tóssan: «Eu bem me parecia que alguma coisa estava errada! Aquele não podia ser o seu filho!» (pudera!)
A história, já a adivinharam. Enganara-se no número do telefone e o jovem que atendeu tinha, por coincidência, o nome do meu filho. Daí, a sua reacção de estranheza: «Tóssan?!» O nome, decerto, não lhe dizia nada – e que dissesse, não seria, imagino, pessoa das relações da casa. «A palavra nua já está vestida?!» Para o pobre rapaz esta frase terá constituído uma autêntica charada. Agora, imaginemos para a mãe!
Passaram anos. Aquela família, ainda hoje, se deve perguntar a razão de tal recado. Quem sabe se alguém conhecedor da história é leitor do Sarrabal? Ficava o mistério resolvido.
Com o relato deste episódio, termino a modesta homenagem que desejei prestar a Tóssan. Eu sei que foi muito pouco para quem tanto nos deu. Lembrar esse vulto da nossa Cultura foi a minha intenção. A memória é curta.
Pena que os textos inéditos de Tóssan não estejam reunidos em livro. Tóssan bem o merecia. Alguém (uma figura pública e política) ficou de fazê-lo. Até hoje o projecto não se realizou. É com muita pena que o digo. Quem sabe se essa pessoa, à semelhança da mãe do surpreendido Luís Miguel, lê, por estes dias, o Sarrabal? Às vezes, os milagres acontecem…
Soledade Martinho Costa
Desenho de Tóssan
Nos campos e florestas, as belezas eram infinitas e as flores tão bonitas! À noite tudo reluzia ao luar, enquanto as flores se refrescavam com o orvalho da noite. Tantas flores!!! Entre elas estava Margarida.
Margarida era uma imponente margarida. O seu roxo era forte, alegre e intenso. Margarida reinava sobre os campos, as flores e quase toda a natureza! Andava sempre muito atarefada com as borboletas, as abelhas, as libelinhas etc. Todos a adoravam.
As pequenas baratas e as lagartinhas adormeciam nas suas folhas, tão macias, tão suaves e tão doces. Margarida tinha muitos quefazeres no dia-a-dia: tinha de deixar comida às lebres, alfaces aos caracóis, açúcar às formigas, insectos às aranhas…Começava a ficar cansada. Então percebeu que precisava de uma ajudante trabalhadora e responsável. Começaram as eleições.
Todas as flores treinavam os seus diálogos e vestiam os vestidos de pétalas de jasmim. Mas foi uma decepção!!! A rosa só gaguejou e acabou por nada dizer, o gladíolo tropeçou e deitou abaixo uma borboleta, o malmequer tanto se pavoneou e exibiu que o seu tempo acabou, a camélia assim que chegou começou aos gritos de alegria que furou os tímpanos ao tentilhão, o cravo começou a dizer que superava todas as provas mas, assim que as câmaras deixaram de lhe apontar, foi-se logo embora, dizendo que Margarida era cega. Cega não, mas que tinha ficado triste, sim!
Era a primeira vez que se sentia vazia por dentro. Todas as flores lhe pareciam inúteis, percebeu então que só havia uma solução: chamar ao palco a violeta! Violeta era gozada por quase todas as flores. O seu aspecto comparado ao de um lírio ou a outra flor qualquer eram demasiado insignificantes. Mas por detrás das cortinas saiu uma flor linda e majestosa. Violeta ganhou a eleição com muita justiça. E, a partir desse dia, todas as flores perceberam que tinham feito figuras tristes em palco, e a vencedora era a mais humilhada de todas.
MORAL : Pode-se ser bonita por fora, mas ser por dentro, é essencial.
Maria Teresa – 9 anos (texto não corrigido)
É urgente
Que escreva este poema
E que te diga, mãe
Muito obrigada.
Assim
Sem frases de ternura
Rebuscada
Apenas
A teus pés agradecida
E ajoelhada.
E a olhar os teus olhos
Que me olham
Com enlevo
Com carinho
E devoção
Mais uma coisa, mãe
Peço perdão.
Pois muito embora
Venha a pensar depois
Que foi tolice
As palavras de amor
Que te neguei
Foi por vergonha, mãe
Que não tas disse.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Reduto»