Sexta-feira, 26 de Março de 2010
Cerimónia religiosa efectuada só por homens, tem lugar à noite, durante a Quaresma, antigamente duas ou três vezes por semana, hoje apenas às sextas-feiras, percorrendo o cortejo algumas das ruas da aldeia de São Miguel de Acha (Beira Baixa), com pequenas paragens nos nichos e cruzeiros para serem rezados os «mistérios» de Cristo.
Leitura dos «Mistérios», junto de um dos nichos
Nesses locais (exterior da Capela da Senhora do Miradoiro, Largo de Santo António, Cruz do Vaz, Forno da Capela, Cruz do Largo do Rossio, adro da igreja Matriz de São Miguel Arcanjo e praça), além do «Terço Cantado», procede-se ainda, nos domingos (apenas os homens), ao culto religioso dos «oito passos» – estações da Via-Sacra resumidas e cantadas, relatando passagens bíblicas da caminhada de Cristo para o Calvário.
Também só por homens, eram cantadas em todas as sextas-feiras da Quaresma as «ladainhas das rogações» (oração dos santos), ritual que deixou de se efectuar há cerca de cinco anos.
Capela de Nossa Senhora do Miradoiro
O «Terço Cantado» ou «Terço pelas Ruas», começa na Capela de Nossa Senhora do Miradoiro, com o «leilão das alfaias»: a Cruz de Cristo, duas lanternas e uma cana comprida. Esta, actualmente apenas um elemento figurativo, servia, outrora, «para manter a ordem», uma vez que os homens levavam consigo os filhos, sempre desinquietos. Ainda hoje o rapazio mais pequeno acompanha os pais, embora «já sem necessidade de se utilizar a cana comprida».
«Terço Cantado», 1º grupo de homens
A cerimónia tem início pelas vinte e uma horas, anunciada meia hora antes, quando na torre da igreja matriz toca a sineta a lembrar o «leilão», sinal para que os homens comecem a concentrar-se no largo da capela.
Os objectos a «leilão», sempre disputados pelos presentes, para determinar quem irá ter o privilégio de os transportar, vão parar, obviamente, à mão daqueles que mais alto fizerem a licitação. O dinheiro obtido reverte para velas, restauro das alfaias e benefícios a efectuar na capela e na igreja.
«Terço Cantado», 2º grupo de homens
Após o «leilão das alfaias», os homens (antigamente descalços) dividem-se em dois grupos, distanciados um do outro por um espaço de quinze a vinte metros. Enquanto o primeiro grupo canta a primeira parte do Pai-Nosso e da Ave-Maria, o segundo entoa a parte restante das orações. Ambos os grupos são acompanhados por dois «mestres-de-cerimónia» ou «regradores», aos quais cabe orientar todo o ritual. O homem que transporta a Cruz e os que levam as lanternas vestem uma opa negra com capuz.
Final do «Terço Cantado», à porta da Capela de Nossa Senhora do Miradoiro
O cortejo termina onde começou: no exterior da Capela da Senhora do Miradoiro, ainda há pouco tempo com um cântico de louvor a Nossa Senhora, que deixou de se realizar devido à dificuldade «em encontrar quem o cante bem, por ser bastante difícil de entoar».
Enquanto decorre o «Terço Cantado», verifica-se a ausência das mulheres, que se recolhem em casa, obrigatoriamente, durante todo o cerimonial, «sendo considerado mau presságio, caso alguma seja vista na rua».
Quando os homens regressam a casa, após a celebração dos actos religiosos, era costume sair um grupo de mulheres, quatro ou cinco, não mais, para subir à torre sineira da igreja e proceder aos cânticos da «encomendação das almas», ritual que passou a ter lugar nos domingos à noite, durante toda a Quaresma. No final, uma delas toca três vezes os sinos, em simultâneo, num toque dobrado, igual ao que se ouve quando morre alguém na aldeia.
Também só às mulheres cabe, na Quinta-Feira Santa, depois da Procissão do Encontro, entoar, cerca da meia-noite, igualmente na torre sineira da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo os «martírios» – canto religioso que descreve os martírios de Cristo até ao Calvário. São ainda as mulheres que se encarregam de enfeitar com velas, flores e colchas os nichos e cruzeiros e colocar à entrada das portas e nas janelas luminárias ou velas, enquanto decorre a celebração do «Terço Cantado».
Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo
No Sábado Santo, no final da Vigília Pascal, são cantadas as «alvíssaras» (cânticos de alegria em louvor da Ressurreição de Cristo), à porta da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo. Em seguida, conforme a tradição, o povo dirige-se a casa do padre, onde repete o canto, recebendo em troca vinho e bolos oferecidos pelo pároco.
Interior da Igreja Matriz
Estes rituais estiveram interrompidos cerca de quarenta anos, à excepção da «encomendação das almas», para voltarem a ser recuperados na década de noventa.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.III
Ed. Círculo de Leitores
Segunda-feira, 22 de Março de 2010
Capela da Misericórdia
Perde-se nos tempos esta tradição litúrgica efectuada na aldeia do Ladoeiro (Idanha-a-Nova), embora se admita a hipótese de remontar ao ano de 1581, data da fundação da Misericórdia local.
Capela da Misericórdia.
O ritual religioso tem início na primeira sexta-feira da Quaresma, prolongando-se pelas seguintes, à excepção da sexta-feira anterior ao Domingo de Ramos. Pelas vinte e uma horas (outrora à meia-noite), os irmãos da Misericórdia, velhos e novos, dirigem-se à capela da Misericórdia, onde vão buscar a Cruz de Cristo. Dali, partem em cortejo, acompanhados pelo pároco, cada um levando na mão uma vela acesa – símbolo da Luz de Cristo.
Percorrem assim as ruas principais do lugar, encaminhando-se depois para a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Espectação, ao encontro dos irmãos da Confraria do Santíssimo Sacramento. O regresso à capela é feito em conjunto: os irmãos da Confraria à frente, os da Irmandade da Misericórdia seguindo atrás, vestidos com opas vermelhas.
Desde a saída e até o regresso ao ponto de partida (capela da Misericórdia), são rezados cinco «Mistérios», alusivos a outros tantos episódios da Paixão de Cristo. O padre caminha atrás da Cruz e do seu lado direito segue o provedor da Misericórdia. Tanto o tesoureiro como o secretário levam na mão uma vara «em alusão ao poder dos homens», dizem uns, «para aquietar, antigamente, os mais pequenos», dizem outros. Ainda hoje os rapazinhos acompanham os pais, alguns vestindo também opas vermelhas.
A procissão demora cerca de uma hora a percorrer a aldeia, sendo o itinerário em forma de círculo. E faça frio ou a noite seja de chuva, o cerimonial, por tradição, nunca deixa de cumprir-se.
As mulheres, a quem era, em anos recuados, proibido em absoluto participar na cerimónia, acompanham hoje, embora a certa distância, o ritual religioso, enquanto outras preferem, como em tempos idos, ficar em casa, à porta ou à janela, com uma vela acesa na mão.
Fonte Grande
Ainda no Ladoeiro, tinha lugar outrora, a «Procissão dos Nus», que se efectuou pela última vez em 1900. Ocorria, principalmente, na Quaresma, ou quando era necessário pedir a ajuda divina perante calamidades: secas, chuvas, pragas ou, simplesmente, para solicitar benesses para as terras de cultivo.
Os pais das crianças (só os homens) juntavam então os filhos com idades compreendidas entre os dois e os sete anos, meninos e meninas, na igreja matriz, despiam-nos e percorriam com eles, em procissão nocturna, as ruas da aldeia. O choro começava no interior da igreja, após ter sido retirada a roupa às crianças. Choro que aumentava ao saírem para a rua. Causas óbvias: o inesperado da situação, o frio, a vergonha e o medo.
Pelas ruas, o choro das crianças impressionava aflitivamente quem o ouvia. Os pais, esses, acreditavam ser essa a forma de Deus os atender. Daí, oferecerem-Lhe o sacrifício dos filhos. Várias razões os obrigavam a fazê-lo: a pobreza, a sobrevivência, a ingenuidade, a ignorância. E se Deus no seu infinito amor às crianças atendia o pedido dos pais, era por saber que os homens, afinal, O conheciam tão pouco, ao exigirem tamanha penitência dos filhos.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.III
Ed. Círculo de Leitores
Sexta-feira, 19 de Março de 2010
Era uma vez uma ilha verde. Verde, verde, verde, verde. Verde era a única cor existente naquela ilha. Tudo era verde: as flores, as árvores, os animais, a água, o chão, as pedras, a areia…Tudo. Até o ar era verde. Àquela ilha todos chamavam «ilha verde», mas tinham medo de lá entrar. A atmosfera húmida e misteriosa era arrepiante e não se sabia de onde vinha.
Um dia, uma mulher, fugindo à guerra no seu país, resolveu parar naquelas bandas. A mulher trazia um lenço enrolado ao peito onde trazia uma criança de três meses. Procurou então um tronco de árvore ou ervas altas. Acabou por encontrar um tronco de árvore macia onde deixou o seu filhote pequeno. De repente, os homens da guerra amarraram-na e puxaram-na para o seu barco. Esperneou, gritou, mordeu, arranhou, mas não se conseguiu libertar.
À medida que os anos passaram a criança cresceu e tornou-se numa rapariga loira com uns olhos azuis tão brilhantes que o Sol escurecia de inveja quando a via. As lebres deram-lhe o nome de Eva.
Um dia, a sua mãe veio buscá-la para fugirem daquele país horrendo. Mas a menina amava a ilha verde mais do que nada e pediu à mãe para ficar. A mãe aceitou, pois se ficasse com Eva estava feliz. À medida que o tempo passou todos deixaram de ter medo da ilha e descobriram o porquê dos tantos verdes: aquele verde era devido à esperança que Deus colocara naquela ilha. E passou a chamar-se «ilha esperançosa».
Maria Teresa – 9 anos (texto não corrigido)
Quinta-feira, 11 de Março de 2010
Tradição mantida desde há séculos pelas gentes da Lajeosa do Dão e das localidades vizinhas, Vinhal, Teomil, São Gemil e Corujeiro (Tondela, Beira Alta), a «amentação das almas» significa um ritual cristão destinado a pedir, durante a Quaresma, pelo eterno descanso dos defuntos.
Enquanto na Lajeosa, Teomil, São Gemil e Corujeiro a celebração deixou de realizar-se, em Vinhal o ritual continua a verificar-se, cumprido com a mesma fidelidade, respeito e devoção seculares, transmitido de pais a filhos.
Anta da Arquinha da Moira, Lajeosa do Dão
Com início quinze dias após o começo da Quaresma, em dias alternados e até ao Domingo de Ramos, mal anoitece, um grupo constituído por sete ou nove elementos, homens e mulheres, meio encapuçados, numa imagem de secretismo, levando uma Cruz e velas, reza até noite avançada orações em verso, próprias da quadra quaresmal («Versos da Quaresma»), por intenção e a lembrar os fiés defuntos. Chegados aos cruzamentos, acendem as velas, ajoelham e dão início aos cânticos, que se repetem em todas as encruzilhadas da aldeia.
Cruz do adro da igreja
Durante a Semana Santa, o grupo, acompanhado por alguns habitantes do lugar (16 a 20 pessoas), transporta a «cadeira», levada por dois dos participantes na «amentação». Trata-se de uma cadeira antiga, adornada com fitas negras (de «luto», no dizer local) levando a Cruz de Cristo. Chegados a cada uma das encruzilhadas, a «cadeira» é colocada no chão, como se fosse um altar, os encapuçados dispõem as velas acesas, ajoelham em semi-círculo, e entoam agora os «Martírios» - longos e seculares cânticos religiosos evocando a vida de Cristo e a Crucificação.
Cruzeiro
Na noite de sexta para Sábado Santo, com a «cadeira» levando a Cruz de Cristo, mas enfeitada com fitas brancas, velas, flores e objectos de oiro (pedido emprestado para o efeito), o grupo, trajando de branco (utilizando lençóis), prolonga pelas encruzilhadas os cânticos e as preces até ao romper do dia. Nessa altura, junta-se-lhes o resto da população para entoarem em conjunto os cânticos de «aleluias» de ressurreição. Estalam os foguetes e os morteiros e os componentes do grupo dão-se finalmente a conhecer, descobrindo o rosto.
Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo
Após este cerimonial, a «cadeira» é levada para o interior da Igreja Matriz de São Miguel Arcanjo, onde tem lugar a celebração da missa, ali permanecendo até ao encerramento das comemorações da quadra pascal. Ainda pela manhã, sai uma procissão, a dar apenas uma volta ao redor da igreja e do Cruzeiro que lhe fica ao lado, composta por estandartes e a Santa Custódia, transportados por aqueles que tomaram parte na «amentação das almas».
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol III
Ed. Círculo de Leitores
Quinta-feira, 4 de Março de 2010
Pela tua morte, mas manifestando o meu repúdio pelo luto que não se fez na tua escola EB 2/3 Luciano Cordeiro de Mirandela.
Soledade Martinho Costa
Porque entendo que este belo e sentido poema não deve ficar apenas escondido na caixa dos comentários, aqui fica para que todos os visitantes deste blog o possam ler. Poema escrito com o coração e consciência lúcida. Muito mais, pelo facto de ser uma professora quem o escreveu.
Ibel, só posso agradecer-lhe com as minhas lágrimas pelo contributo das suas palavras.
SMC
Tinha 12 anos e tinha medo
E tinha um pesadelo
E um pântano no olhar
E o corpo numa grade
E a alma numa cela
E o sonho de um rio
Onde o medo se afogasse.
Tinha doze anos e uma escola
Que lhe ceifava as asas
E o fechava nesse medo
Que tinha e tinha doze anos!
"Tão jovem! Que jovem era?
Agora que idade tem?"
Chamava-se Leandro e era pequenino
Com um pavor tão grande
Que se abraçou às águas
No rio triste que o acolheu
Para o libertar do pântano
Onde o medo lhe tolhia
O respirar de cada dia.
E voou...
Que céu te acolhe, Leandro?
Que escola te matou?
Isabel Fidalgo