Quarta-feira, 29 de Julho de 2009
Como anunciei no post de 23 de Julho, a propósito da passagem dos dois anos do Sarrabal, irei publicar até 23 de Agosto alguns textos de amigos meus, que acederam ao meu convite, enviando-me, gentilmente, um «presente» literário. Além de prolongar a «festa» de aniversário, esta colaboração vem honrar e enriquecer o Sarrabal. Aqui fica o meu agradecimento a todos eles.
Para começar (e por ordem de chegada dos trabalhos à minha mão), publico hoje um texto de José do Carmo Francisco, meu amigo de longa data (mais de três décadas), cronista, poeta e critico literário, colaborador permanente do blog Aspirina B. Devo dizer que foi o Zé o grande responsável por eu ter enveredado pela «carreira» de blogger. Acrescentarei, mesmo, que o facto de estarmos agora a celebrar os dois aninhos do blog a ele se deve. O seu entusiasmo contagiou-me de tal maneira, que o resultado está à vista.
À vista estão também os muitos livros de poesia que publicou, além da sua vastíssima colaboração dispersa em jornais e revistas. Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores /1980, deve referir-se o seu grande contributo dispensado à crítica literária. Somam alguns milhares os livros a que fez referência ao longo dos anos. Não encontro outro nome que tenha prestado tão valiosa contribuição à Literatura Portuguesa. Muito lhe devem os nossos autores e editores na divulgação das suas obras.
Apresso-me, então, a desenrolar a passadeira vermelha. Vai passar José do Carmo Francisco!
Soledade Martinho Costa
GRUPPO MUSICALE ASSURD ou A VOZ DA TERRA
Tamara Rojo.
Uma concertina e três pandeiretas fazem do quadrado negro do palco o redondo branco de uma eira.
A luz do campo na noite da cidade.
A voz das mulheres precipita o resto: faz subir do rés do pó a força da voz da Terra.
Essa mesma Terra que, a exemplo das mulheres, multiplica a vida numa sucessão de sementeiras e colheitas.
Neste palco negro os bailarinos e as vozes das mulheres do grande Sul lembram que a vida nasce de uma apoteose líquida de lágrimas, de água e de sangue.
Chegam de Itália e talvez não saibam que Fernando Pessoa nasceu neste largo de São Carlos, que os sinos da Basílica dos Mártires são os sinos da sua aldeia e que nos seus poemas as ceifeiras cantam, as pobres ceifeiras.
Os rapazes parecem recém-chegados de uma viagem breve ao outro lado do Adriático – uma cidade croata onde o preço da carne é mais baixo.
Depois entram na aldeia e apaixonam-se por aquelas raparigas da planície, levantam-nas no ar como quem segura uma bandeira, um pendão, uma imagem sagrada, todos os dias repetida na grande procissão da vida.
Entre cereais invisíveis, entre gestos de trabalho transparente, entre casamentos sonhados, a única verdade é a do amor. A única certeza é a dum vendaval de dúvidas. A única medida é amar sem medida.
A chuva de aplausos no final não veio apagar a memórias desses sons belos e terríveis, gritados em força, altura, extensão e timbre.
Eles, esses sons inesquecíveis, seguem lado a lado no eléctrico com os passageiros atónitos pela dádiva de uma alegria aqui tão orgulhosamente convocada.
É a voz da Terra para sempre guardada na memória de quem viveu estes momentos de canto e dança, entre uma concertina e três pandeiretas, numa eira recriada num palco negro no largo de São Carlos.
José do Carmo Francisco
( A seguir: CARLOS FERREIRA, do BLOG GARATUJANDO)
Domingo, 26 de Julho de 2009
AOS MEUS NETOS: Rafael, Teresa, Soledade Eugénia – e à que vai juntar-se ao grupo no mês de Agosto. Agradeço as rosas, meus queridos, e deixo um beijinho do tamanho do Mundo para cada um!
Em meus olhos minha luz
Minha esperança, meu temor
Meu tesouro que reluz.
Meu pedacinho de pão
Minha água de beber
Meu tudo, meu sim, meu não.
Meu chegar de Primavera
Meu espraiar de claridade
Meu sonho feito de espera.
Minha razão de viver
Minha chuva a meio do Verão
Meu gosto de envelhecer.
Soledade Martinho Costa
Quinta-feira, 23 de Julho de 2009
Passou um ano sobre o post que deixei no Sarrabal, a dizer que o blog contava um ano de existência. Hoje, venho lembrar que passou outro ano: o Sarrabal comemora, nesta data, o seu segundo aniversário. Dois anos de publicação de posts quase diária, coisa que sempre dá algum trabalho, convenhamos. Não tanto em relação ao que escrevo, mas à formatação do texto e das imagens, por vezes dificultada, vá lá saber-se a razão. Quem tem blogs sabe do que estou a falar.
Mas, a verdade, é que se ganha um certo gosto ou hábito, em prosseguir a tarefa de colocar textos num blog, principalmente, sabendo que se tem leitores. Um amigo meu, colaborador de um outro blog, costuma dizer: «Para mim, basta-me ter um único leitor para dar o texto que escrevi por bem empregue».
Quando assinalei o primeiro aniversário do Sarrabal, referi que possuía um contador (o «sitemeter») e anotei o seguinte:
Visitantes: 4.252
Páginas lidas: 7.311
No espaço de mais um ano, a contagem é agora esta:
Visitantes: 34.093
Páginas lidas: 48.148
Uma diferença acentuada de números que me indica ter o Sarrabal ganho, neste segundo ano de vida, uns bons milhares de novos visitantes/leitores, que continuam a chegar, quer de norte a sul de Portugal, quer do resto do Mundo, com destaque para o Brasil.
Fazendo um balanço destes dois anos, anoto que optei (como é meu costume, mesmo nos meus livros) por temáticas de escrita diferenciadas: poesia, etnografia, crónica, crítica literária, investigação e contos para crianças. Por isso o blog tem o nome de Sarrabal.
A fim de celebrar, condignamente, este aniversário, convidei alguns dos meus amigos bloguistas a enviarem-me um pequeno texto ou poema, de escolha livre, para publicar a partir de hoje e até ao dia 23 de Agosto. Além de se associarem à «festa», com este contributo o blog só poderá ficar enriquecido.
Resta-me registar o meu agradecimento aos comentadores. Principalmente, aos mais fiéis, que me deixam palavras simpáticas e generosas. Bem-hajam!
E pronto, fica o bolo para quem desejar servir-se!
Soledade Martinho Costa
Guitarra portuguesa.
OUTRO ANIVERSÁRIO
A data do aniversário de Amália Rodrigues irá ficar, indissociavelmente, ligada ao aniversário do Sarrabal. Foi neste dia (23 de Julho de 2007) que coloquei aqui o meu primeiro post e lembrei Amália. Mais uma vez o faço.
Amália Rodrigues completaria hoje 89 anos.
Não sei que mais acrescentar ao que já disse da Amiga que nela encontrei. Mas Amália não morre. Não pode. Os portugueses e o Mundo não deixam. A voz única de Amália irá continuar a fazer-nos companhia. Não haverá ninguém que a iguale ou suplante. O lugar de Amália é lugar cativo. Por isso mesmo, eterno.
Ainda cheia de esperança, lembro-me de me haver confessado que no seu novo trabalho discográfico seria acompanhada apenas a piano. Chegou a ensaiar alguns dos temas. A doença não deixou que consumasse esse sonho. O coração não quis.
Dos temas por ela escolhidos haviam dois poemas meus. Mas Amália não precisava do trabalho alheio. Nunca precisou. Porque Amália era uma excelente Poetisa. Todos nós o sabemos. Enquanto a maioria dos nossos cantores são também autores das próprias letras, não dando «espaço» a quem escreve, Amália, pelo contrário, calou muitos dos seus belos poemas para divulgar os nossos poetas. Atitude nobre. Atitude solidária. Atitude inteligente.
«Ramalhetes» foi escrito a pensar nas flores que Amália tanto amava. Um dia, em sua casa, perguntou-me, olhando a sala: «Não acha que são flores a mais? Não lhe parece que a sala tem um perfume a igreja?».
Quando leu «Ramalhetes», juntou a folha de papel ao peito e disse: «Este é muito meu. Vou mandar musicar». Estavam presentes Jorge Fernando e Mário Pacheco, dois dos seus músicos. Ambos foram incumbidos de fazer a música. Mas Amália não teve tempo para cantar «as flores» que lhe ofereci. Talvez tivéssemos sido nós que nos atrasámos, quem sabe. Ou foi Amália, simplesmente, que se cansou e resolveu ir embora.
Para si, Amália, fica o poema que não chegou a cantar.
Com a admiração, a saudade e a amizade de sempre.
RAMALHETES
É roxo o lírio
Nas manhãs de Abril
Vermelha a cor do cravo
Por abrir
Lilás a flor da malva
Que se despe
Se o vento sopra agreste quando quer.
Retorna em Maio
O rubro das papoilas
De branco se vestiu o malmequer
Enquanto pelos campos
Numa festa
Fartinha de saber que faz sucesso
Acende o oiro o corpo da giesta.
A alcachofra em Junho é cor de anil
É cor-de-rosa velho a albardeira
Amarelo o pampilho que se prende
À espiga e ao raminho de oliveira.
A calcinha-de-cuco tem o tom
Cerize das roselas do outeiro
Mas cor de vinho traja o goivo bravo
No remanso da margem do ribeiro.
Soledade Martinho Costa
Sexta-feira, 17 de Julho de 2009
Camões, Almada Negreiros.
Tão mágica destreza
Tão misterioso encanto
Só aos Grandes
Aos Imortais Poetas
O dom de assim escreverem
Lhes concede
O segredo que faz cantar as fontes.
Por isso
O copiar o jeito do teu punho
Ao segurar a caneta com que escrevo
Me tolhe o gesto
Me ruboriza a face
Ao atentar na grandeza do teu Canto
E na pobreza dos versos que te faço.
Soledade Martinho Costa
Do livro «A Palavra Nua»
Ed. Vela Branca
Domingo, 12 de Julho de 2009
Aproveitando umas curtas férias, a Soli veio passar uns dias comigo no Algarve. Fomos dar uma volta e a Soli, faladora como é, entra em confissões:
- Sabes uma coisa, vó?
- Não. – Respondo
- É assim: eu, lá na escola, nunca canto o «atirei o pau ao gato». Fico sempre calada. Não gosto nada daquela cantiga. Nadinha mesmo!
- Ah, não? E porquê? – Pergunto. A Soli explica:
- Porque nunca se deve atirar paus nem pedras aos gatos e aos cães. – E continua: - Eu, quando tiver um gato, um cão e um burrinho com uma carrocinha, nem vou bater no burro com aquela coisa, sabes? Aquela coisa…
- A chibata. – Ajudei.
- Sim, com a chibata. Quando ele quiser andar, anda, quando não quiser andar, não anda!
- Muito bem, Soli. Fico contente por pensares assim. – Voltei a responder. E a Soli:
- Sabes, também não vou prender o meu cão com uma corrente. Gostavas de estar «atada» com uma corrente, vó?
- Não, claro que não! – E a Soli outra vez:
- Os cães, coitadinhos, também não gostam. Não fizeram nenhum mal, pois é?
- Pois é, Soli. – Concordei.
Com esta conversa acabámos por entrar numa loja de artigos de decoração, onde há coisas muito bonitas. A Soli aprecia e vai dando opiniões e sugestões. Em exposição muitas almofadas. Reparei numa delas, ao contrário das outras, bastante feia. Tinha umas aplicações a imitar pêlo de animal, a dar ideia de pêlo de cão. Daqueles arruivados, de pelo comprido. Achei de muito mau gosto mas não me pronunciei. À Soli a almofada, infelizmente, também não lhe passou despercebida:
- Vó, olha-me para esta almofada. É pêlo de cão. Que horror!
Dito isto, começa a puxar-me pela mão:
- Vó, vamos já embora. Não quero ficar mais aqui. Coitadinho do cão!
- Mas, ó Soli, aquele pêlo é só a imitar o pêlo de um animal. – Expliquei.
- Mas eu não quero olhar. Vamos embora, vó! - Insistiu a Soli.
Saímos. A Soli, indignada, foi ter com o pai:
- Papá, sabes o que está naquela loja? Uma almofada com pêlo de cão. Que horror!
O pai olhou-me indeciso. Expliquei. Foi depois a vez dele me contar que tinham oferecido à Soli um CD onde está incluído o «atirei um pau ao gato». Resultado: à viva força, a Soli pretende que o pai retire a cantiga da respectiva faixa. Noutra ocasião, viu na TV maltratarem um animal. Foi o suficiente para entrar num choro aflitivo que só a muito custo os pais conseguiram fazer parar.
De repente, a minha memória, como um palco onde o reposteiro vai abrindo lentamente, fez-me recordar um episódio passado comigo na infância. Nessa altura andava na escola primária (como se dizia então). No regresso a casa o que vi eu? Uns três ou quatro garotos entretidos a atirar um gatinho muito pequeno ao ar e a apanhá-lo depois. Temerosa mas decidida dirigi-me a eles pedindo que não fizessem «aquilo» ao gatinho. Atitude que de nada me serviu. A brincadeira, para meu desgosto e aflição, continuou.
Cheguei a casa lavada em lágrimas e contei o sucedido. Conforme pôde, a minha mãe secou-me as lágrimas e acalmou-me dizendo que «àquela hora já os meninos tinham parado com a brincadeira». Mas deu-me razão, «o que os meninos fizeram era uma grande maldade».
Resumindo: nessa noite ardi em febre, falei alto «no gatinho» e no dia seguinte não fui à escola. Não me recordo se voltei a ver os tais garotos. Provavelmente, sim, deviam morar por ali perto. Ainda hoje me lembro, nitidamente, daquela (para mim) horrível brincadeira que tanto me marcou.
Por isso, quando oiço a Soli falar desta forma, penso, satisfeita, que terá herdado o meu amor pelos animais. Só não sei se ela irá chegar ao ponto de abastecer com açúcar os carreiros de formigas, como eu fazia. Além de um entretenimento – passava horas a observá-las –, era uma alegria para mim saber que as formigas ficavam com o celeiro bem fornecido. Isto, para arrelia da minha mãe, principalmente quando o carreiro de formigas aparecia não fora mas dentro de casa!
Soledade Martinho Costa
Quarta-feira, 8 de Julho de 2009
Na voragem do tempo
Em ti resiste
O mar e a liberdade que cantaste
Teu velo de oiro
Sem mácula
Sem sinal de abandono.
Mas não partiste
Numa praia só tua
Adormeceste apenas sobre as dunas
Vestida de conchas e de búzios
Enquanto as ondas velam pelo teu sono.
Soledade Martinho Costa
Do livro «O Nome dos Poemas»
Sábado, 4 de Julho de 2009
Rainha Santa Isabel, imagem deTeixeira Lopes (século XIX).
O dia 4 de Julho assinala a morte da Rainha Santa Isabel, ocorrida em 1336.
Invocada em favor da paz, nasceu em Saragoça (reino de Aragão, Espanha) no dia 11 de Fevereiro de 1270. Celebra o seu casamento com o rei D. Dinis de Portugal, por procuração e escritura antenupcial, segundo o direito romano, no dia do seu décimo segundo aniversário, corria o ano de 1282.
O casamento religioso e as Festas das Bênçãos Nupciais realizam-se em Portugal no dia 24 de Junho desse mesmo ano, na Igreja de São Bartolomeu, em Trancoso. De registar que o local e a data do seu nascimento, assim como a do seu casamento, diferem de acordo com a opinião de alguns investigadores.
Os reis de Portugal acabam por fixar residência nos Paços de Santa Ana, junto ao Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra – que a rainha virá a doar ao referido mosteiro, situado na margem esquerda do rio Mondego.
Andor da Rainha Santa Isabel durante a Procissão Solene a percorrer as ruas de Coimbra.
Isabel de Aragão, rainha de Portugal, foi cativando o coração do povo português pelos actos de extrema bondade praticados em favor dos humildes, dos doentes, dos abandonados, das crianças, dos que tinham fome. As obras que patrocinou foram inúmeras e contam-se de norte a sul do País: hospitais, asilos, leprosarias, casas de assistência aos desvalidos. Muitos mosteiros e igrejas foram igualmente construídos graças à sua generosa contribuição. Distribuía o que tinha de seu, visitava os doentes, servia os pobres, velava pelas crianças abandonadas, amparava as filhas de gente humilde, às quais dava dote quando casavam, mandava sepultar os mortos cristã e dignamente, pagava as dívidas de quem não tinha possibilidades de o fazer, vestia os nus, redimia os presos ou aqueles que andavam transviados, lavava as feridas dos leprosos com as próprias mãos.
Procissão da Penitência.
Por altura das grandes fomes que assolaram o País devido à infecundidade das terras, mandou vir de longe, despendendo somas elevadas, o trigo que oferecia aos necessitados. Conta-se que terá vendido parte das suas jóias para fazer face à fome do povo.
«Medianeira da Paz», foi o título que lhe valeu a sua intervenção, feita de bondade, tenacidade, esforço e inteligência, em prol da concórdia e da tolerância. Graças à sua intercessão foi possível por diversas vezes encontrar uma solução que não a das armas. Assim aconteceu entre seu marido e seu cunhado, o infante D. Afonso, irmão mais novo de D. Dinis; entre seu irmão, Jaime II, rei de Aragão, e seu genro, Fernando IV, rei de Castela, casado com sua filha D. Constança; entre seu pai, Pedro III, rei de Aragão e da Sicília, e o rei de Nápoles, Carlos II; entre seu marido e seu filho, D. Afonso, casado com D. Beatriz, irmã do rei de Castela – temendo o infante ser afastado do trono por seu irmão ilegítimo, D. Afonso Sanches.
Procissão da Penitência.
Em favor dessa mesma paz, chega a atravessar sozinha os campos de batalha e a caminhar numa procissão em Santarém descalça e vestida de penitente. Culta, incansável, formosa, sem uma queixa, sofre as infidelidades D’el-rei D. Dinis, adoptando e educando os seus filhos bastardos, que aceita como legítimos herdeiros.
Em 1325, anonimamente, vai como peregrina a Santiago de Compostela, misturada entre os humildes, comendo do pão que lhe ofereciam e ajudando a transportar as crianças ao colo. No regresso, após ter deixado dádivas valiosas ao santo apóstolo São Tiago, traz consigo, oferecidos pelo arcebispo, o bordão e a esclavina (espécie de cabeção usado sobre a túnica pelos peregrinos que se deslocavam em romagem a Santiago de Compostela), que guarda religiosamente.
Imagem da Rainha Santa no interior da Igreja de Santa Clara-a-Nova.
Nas deslocações que fazia levava consigo o seu oratório pessoal, acompanhada pelos sacerdotes, que celebravam missa diária, observando a rainha a prática dos jejuns constantes e da confissão – e também da Sagrada Comunhão em alturas especiais.
Após a morte de seu marido, veste um hábito assemelhado ao de monja franciscana, corda grossa atada à cintura e a cabeça real envolta em panos de linho, e muda-se para o Mosteiro de Santa Clara. Assim passa os onze anos de viuvez, até à sua morte, ocorrida em Estremoz.
Em Junho de 1336, com 66 anos, ao saber que havia sido declarada guerra entre seu filho D. Afonso IV, o Bravo, rei de Portugal, e seu neto, Afonso XI, rei de Castela, segue em direcção ao Alentejo, para tentar pôr fim às hostilidades entre ambos. Devido à fatigante caminhada e ao excessivo calor, a rainha chega exausta e adoece. Morre poucos dias depois, a 4 de Julho.
Túmulo primitivo da Rainha Santa Isabel, executado por Mestre Pêro (1330)
No dia 11 de Julho (sete dias durou a viagem de regresso) o corpo da Rainha Santa Isabel dá entrada no Mosteiro de Santa Clara – por si reedificado, ampliado e sagrado em 1330 – para nele ser depositado num túmulo de pedra. Em 15 de Abril de 1516 é beatificada pelo papa Leão X. Em 21 de Janeiro de 1556 o papa Paulo IV estende o seu culto a todo o País. A 26 de Março de 1612, ao abrir-se o túmulo, verificou-se que o seu corpo se encontrava incorrupto. Em Maio de 1625 é canonizada solenemente pelo papa Urbano VIII, que a considera «uma das mais perfeitas mulheres da Idade Média». Nesse mesmo ano (14 de Outubro) o rei Filipe III declara-a «Padroeira de Portugal».
Claustro do Convento de Santa Clara-a-Nova.
Por ruína total do mosteiro, cuja primeira pedra tinha sido lançada em 28 de Abril de 1286, el-rei D. João IV manda construir em 1649 o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, localizado cerca de um quilómetro acima do primeiro, num dos pontos mais altos da cidade de Coimbra. Para ali é trasladado o corpo da Rainha Santa Isabel em 29 de Outubro de 1677. Mas como o mosteiro só é dado inteiramente por concluído em 1696, os seus restos mortais voltam a ser trasladados agora no seu belíssimo esquife de prata e cristal, desta vez para serem depositados, definitivamente, sobre o altar-mor da sumptuosíssima capela.
O túmulo definitivo da Rainha Santa Isabel, em prata e cristal, exposto no coro baixo do Mosteiro de Santa Clara a Nova.
No ano da sua beatificação (1516) são instituídas por D. Manuel I as Festas em Louvor da Rainha Santa Isabel que se realizam em Coimbra.
O PÃO E AS ROSAS - A LENDA
Óleo sobre madeira, de autor Anónimo (século XVI), Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra.
Quando, certo dia, a Rainha Santa Isabel se dirigia ao Mosteiro de Santa Clara, levando consigo, para dar aos pobres, algum dinheiro e pão escondidos no regaço, encontra seu marido el-rei D. Dinis.
Não escapa ao rei a preocupação da rainha ao tentar esconder o pão que levava. Sem intenção de importuná-la, mas no desejo de enaltecer a bondade e modéstia extremas que faziam com que lhe ocultasse tão louvável como piedosa acção, perguntou-lhe o rei: «Que levais no regaço?» A rainha responde: «São rosas, senhor.»
Corria o mês de Janeiro e D. Dinis terá manifestado interesse em ver as rosas, colhidas em pleno Inverno. A rainha abre então o regaço e mostra as pétalas de seda de perfumadas rosas que lhe caíram aos pés.
Não terá sido por acaso que seu avô Jaime I lhe chamava «a rosa da Casa de Aragão».
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas» Vol. IV
Ed. Círculo de Leitores
Quarta-feira, 1 de Julho de 2009
Na brancura das rosas
A tua solidão
O fel que macula os dias.
Nos teus olhos
Asas em voos de coragem
Beijos
Desejos
Tentação.
O teu labor preso na folha de papel
Como o sabor do mel sobre o pão.
Soledade Martinho Costa
Do livro «O Nome dos Poemas»