Segunda-feira, 29 de Setembro de 2008
À memória do meu grande Amigo ANTÓNIO PIMENTEL (TÓPI).
Molha os pincéis no coração
E tinta a tinta
Imprime o movimento
A emoção dos olhos.
A música das cores
Desliza no painel
Escuta-se nas linhas
Que se cruzam
Como artérias de um corpo.
Põe o nome no gesto
E precisão dos dedos.
Veste a nudez da tela
Com o dia dos homens
E das coisas.
Tece o quadro
Como o poeta
A renda do poema.
Ao mais que se disser
Chama-se sonho.
Soledade Martinho Costa
Quinta-feira, 25 de Setembro de 2008
Integrada nas Jornadas Europeias do Património, realiza-se no próximo dia 27, pelas 21 horas e 30 minutos, no Panteão Nacional, uma sessão de homenagem a Amália Rodrigues.
Com abertura a cargo do Chorus Auris, Grupo Coral da Academia de Música de Ourém, «Amar Amália» pretende lembrar também o poeta Pedro Homem de Mello. O evento conta ainda com a participação de Vítor de Sousa e Maria José Pascoal, que farão leitura de poemas de P. Homem de Mello, com Joaquim Carneiro, do Grupo Folc D’Ave, que irá interpretar dois temas do mesmo poeta, e com a bailarina Patrícia Henriques, num excerto do bailado «Amar Amália».
Celeste Rodrigues e Dulce Pontes, a cantar à capela «Amália por Amor», uma das faixas do álbum «Ennio Morricone & Dulce Pontes», encerram o programa.
Soledade Martinho Costa
Quarta-feira, 24 de Setembro de 2008
Há já uns meses, o Sarrabal foi distinguido com dois novos prémios: «Blogueiro Solidário» e «Prémio Amizade» – sempre gratificantes. Na altura agradeci, mas não dei notícia nem coloquei as respectivas fotos (ou logótipos) aqui no blog. Como calculo que vá ainda a tempo, deixo hoje ambas as coisas. Fica também um renovado muito obrigada pelas distinções e um abraço especial ao Ricardo N.
Beijinhos!
Soledade Martinho Costa
Segunda-feira, 22 de Setembro de 2008
- Bom dia! Já reparou que começou o Outono? – Gorgoleja o peru, à laia de cumprimento, abrindo o leque da cauda e dirigindo-se ao ganso.
- Ora, ora, e a mim que me rala? Quando o tempo arrefecer, com as minhas penas, pouco frio apanho! – E, bamboleando o corpo, o ganso branco acompanha o peru no seu passeio.
No pomar, a aragem, a brincar às escondidas com as últimas borboletas, passa, alegremente, por entre as árvores de fruto. Agitam-se as folhas. Balouçam os ramos. Os pássaros, numa chilreada, resolvem abrir as asas: «Até logo. Até logo que vamos à vida. À tardinha estaremos de volta!» E lá vão, numa revoada, como quem parte para um piquenique.
Soledade Martinho Costa
Do livro “Histórias que o Outono me Contou”
Ed. Publicações Europa-América
Sábado, 20 de Setembro de 2008
A Soli gosta de desenhar. É natural. Todas as crianças gostam. Umas mais do que outras, o fascínio pelo desenho é uma das coisas que desponta cedo, assim que surge o primeiro contacto com o papel e os lápis de cor.
Regra geral, começam por desenhar as mães, os pais, os irmãos, os avós, as casinhas, as árvores, as flores, o Sol. Dir-se-ia, que o autor seria apenas um, caso não soubéssemos que se trata de crianças diferenciadas. Isto, na hipótese de juntarmos, num montinho só, todas as obras pictóricas infantis que se apresentam diante dos nossos olhos.
Na altura em que a criança faz a descoberta do papel e das cores, alguns pais, atentos e interessados, investigam, a tentar descobrir nos filhos o gosto pelo desenho – se não mesmo pela pintura – partindo do pressuposto de que a verdadeira Arte nasce de raiz, tocando com a sua varinha mágica cada um dos eleitos. E nunca se sabe, não é?
Mais tarde, a Arte com que se nasce, vai-se aperfeiçoando, corrigindo, burilando. Porque toda a Arte necessita de um trabalho de «oficina». Aprender Arte, quando se não é um dos eleitos, torna-se difícil. Direi mesmo impossível. Não existem escolas onde se aprenda a ser um bom escritor ou um bom poeta. Mas existem escolas onde se aprende música, escultura ou pintura. E aí, sim. Os alunos podem vir a ser bons músicos, bons escultores ou bons pintores. Pode-se melhorar, aprendendo com os mestres. Mas tudo depende da Arte ter nascido ou não com cada um desses alunos. Só dessa maneira se pode ser reconhecido, um dia, como um artista na acepção da palavra.
Em escolas ou bibliotecas onde tenho ido, há crianças que afirmam, enquanto me perguntam: «Eu, quero ser escritor. Como é que devo fazer?». A resposta, costumo baseá-la, mais ou menos, nas linhas que escrevo acima. Se já se nasceu com esse fantástico dom, melhor. É só aproveitá-lo. Aconselho a que leiam muito – boas obras –, e escrevam muito também. Ajuda bastante a obter o «estatuto» que a criança, pelo menos nessa idade, pretende alcançar: ser escritor.
Noutros casos, as coisas não são bem assim. Acontece quando os pais, bem menos preocupados ou sensibilizados em relação à Arte do desenho ou da pintura latente nos seus rebentos, sugerem, sem que a ideia tenha partido dos próprios filhos: «E se fosses fazer um desenho? Não achas uma boa ideia?». Normalmente, a resposta é sim. E instala-se na casa a calma, o silêncio, a tranquilidade tão apetecida. «Nem que seja só por uns momentos»!
A seguir às folhas em branco e aos lápis de cor, aparecem, quase em simultâneo, os cadernos para colorir. Para qualquer criança escolher a cor que vai vestir as calças do palhaço, a saia da menina que corre atrás da borboleta, ou a própria borboleta, além de ser um deslumbramento, é a liberdade transferida para o seu desejo de escolha. É a sua vontade a impor-se perante as muitas opções da caixa dos lápis de cor.
Era isto que a Soli estava a fazer nesse fim de tarde: a colorir um coelhinho a espreitar do chapéu de um mágico.
O pai perguntou, no chamado género de perguntas desnecessárias:
- Estás a pintar um coelhinho, Soli?
- Sim. – Confirmou ela, distraidamente.
O pai insistiu noutra pergunta tão desnecessária quanto a primeira:
- Já reparaste nas patinhas do coelho? Estão pousadas na borda do chapéu! – Receoso, talvez, de que as patitas do animal ficassem por colorir…
- Já reparei, papá. Também as vou pintar. – Respondeu a Soli no mesmo tom.
O pai calou-se. Nesta altura, a Soli levantou os olhos do desenho e perguntou:
- Papá, sabes o nome deste chapéu onde está o coelhinho?
-Sim, sei. E tu, sabes?
Resposta da Soli:
- Sei. É o chapéu de um mágico. Mas não se chama chapéu, papá. Chama-se cartola. O mágico fez uma magia e saiu da cartola este coelhinho!
- Pois foi, Soli. – Confirmou o pai, meio surpreso com a explicação da filha.
- Às vezes, também saem da cartola mágica pombinhas brancas e outras coisas. – Continuou a Soli. E rematou:
- Eu perguntei só para saber se tu sabias, papá!
A Soli tem cinco anos. Pois tem. «Não sei como é que ela sabe tantas coisas!», espanta-se o pai.
Muitas mais coisas há-de saber a Soli para «explicar» ao pai. De tudo isto, só há uma lição a tirar: os adultos andam muito, mas muito distraídos. As crianças, essas, apenas aparentam que andam. Mas não andam.
Soledade Martinho Costa
Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008
À míngua da chuva
Que os não veste
Ao Sol se abandona
A flor e o fruto.
Só da cigarra vem
O som que despe
No calor que se abriga
Em seu reduto.
Soledade Martinho Costa
Do livro “O Nome dos Poemas”
Segunda-feira, 8 de Setembro de 2008
"Virgem Maria", Bartolomé Murillo, Museu do Prado, Madrid.
Neste dia celebra a Igreja Católica a data do nascimento ou Natividade da Virgem Maria.
Os escritos apócrifos (não fidedignos) dizem que seus pais foram Ana e Joaquim, mais tarde Santa Ana e São Joaquim, vindo a sua concepção a acontecer tendo estes já idade avançada.
O Novo Testamento cita os lugares, prováveis ou históricos da sua vida terrena: Nazaré, onde nasceu e viveu (embora alguns estudiosos apontem Jerusalém); Belém, onde nasceu Jesus; Egipto, onde se refugiou quando da perseguição de Herodes e Jerusalém, onde apresentou Jesus no Templo, acompanhou o desenrolar da Paixão de Cristo e onde morreu. Conquanto, seja citada também a cidade de Éfeso como local onde terá passado os seus últimos dias.
Desde os primeiros séculos que os fiéis, para louvarem a Mãe de Jesus, lhe dedicaram mosteiros, capelas, igrejas e basílicas, onde é invocada com diversos títulos marianos, conforme as etimologias das preces ou das graças recebidas. Entre muitos outros, contam-se os nomes de Nossa Senhora da Esperança; das Febres; do Leite; da Boa Morte; dos Milagres; do Parto; da Vida; do Amparo; da Saúde; da Confiança e do Bom Sucesso.
"Virgem Maria com São Tomás de Aquino e São Domingos", Fra Angélico (Guido di Pietro), Museu Hermitage, S. Petersburgo, Rússia.
Principalmente no dia 8, ou durante todo o mês de Setembro, é designada e festejada, entre muitas outras denominações e localidades, por Nossa Senhora da Piedade (Caniçal, Machico, ilha da Madeira); dos Remédios (Lamego); da Ajuda (Arranhó, Arruda dos Vinhos); da Encarnação (Buarcos, Figueira da Foz); da Luz (Lagoa, Algarve); de Aires (Viana do Alentejo); das Dores (Ponte de Lima); da Cola (Ourique) e da Mó (Arouca).
Nossa Senhora da Mó .
Em Arouca, Nossa Senhora da Mó é considerada advogada dos campos, das colheitas e dos animais e protectora contra as secas e as trovoadas.
Capela da Senhora da Mó.
Interior da capela.
Diz-se também que a Senhora «tem mais seis irmãs», por igual número serem as ermidas de invocação mariana que se avistam da sua capela, localizadas nos montes em redor: Senhora do Monte; Senhora da Laje; Senhora das Amoras; Senhora do Castelo; Senhora Guia e Santa Maria do Monte.
Subida para o monte da Mó.
Outrora, durante a romaria, decorria uma feira junto da ermida, situada no alto da serra da Mó, acendiam-se fogueiras de pinhas, que ardiam a noite inteira, e fazia-se, segundo parece, uma procissão desde Arouca até ao santuário.
Vista parcial e mosteiro de Arouca.
Hoje, em vez das fogueiras da noite do dia 7, o povo reúne-se na chamada «Casa da Ceia», ao lado da capela, para tomar parte na já tradicional «bacalhoada arouquense» a lembrar, talvez, os piqueniques de tempos idos. No dia 8 é celebrada missa pelas onze horas, seguida de procissão, a cumprir o ritual de dar a volta ao antigo cruzeiro.
Arcadas do mosteiro de Arouca.
A imagem primitiva da Senhora da Mó, em pedra de Ançã, com o Menino ao colo – supostamente do século XIV – encontra-se num nicho aberto na parede da capela. Posteriormente, foram-lhe acrescentados o pequenino arcão e a mó, em madeira, que se vêem a seus pés - em alusão à «lenda do cristão e do mouro» - à semelhança dos atributos que apresenta a imagem actual, que se encontra no altar-mor e que sai na procissão. No templo veneram-se ainda as imagens de Nossa Senhora das Neves e de Santa Bárbara.
A lenda de Nossa Senhora da Mó conta que no ano de 1027 um cristão de Arouca, feito prisioneiro dos Mouros, foi amarrado com uma corda dentro de um arcão do milho, com a pedra de uma mó colocada por cima e um mouro sentado nela, assim se mantendo à espera da morte.
Pediu então à Virgem que lhe valesse, acontecendo que a arca com o cristão, a mó e o mouro apareceram, por milagre, junto da capela. Ao ouvir o sino, espanta-se o mouro por se encontrar num lugar religioso e desconhecido, e pede ao cristão que não lhe faça mal e aquele assim faz.
A lenda encontra-se retratada num grande quadro em madeira (ex-voto) pintado em 1827, que se encontra na capela.
Arcão do milho
Soledade Martinho Costa
Do livro “Festas e tradições Portuguesas”, Vol. VII
Ed. Círculo de Leitores
Quarta-feira, 3 de Setembro de 2008
É estranha a vida
E estranhos também os seus conceitos
O destino traçado em cada dia.
Mas erradas
Certas
Vulgares ou sublimes
As acções do Homem são as mesmas
No deslizar dos tempos.
Jamais
O que de bom ou mau
Se diga
Se alcançou ou se perdeu
Será diferente
Em mal ou bem
Daquilo que outros
Perdidos na distância
Das horas consentidas
Julgaram ser só seu também.
Na renúncia do amor
Que se ofereceu sem dar
No gesto que ficou suspenso e indeciso
No afagar da mão que ficou fria
Nas lágrimas que os olhos não verteram
Nos risos que em gargantas se calaram
Há bem um repetir
De vidas sempre iguais.
E somos nós
Seres superiores
Assim
Tão pouco originais.
Soledade Martinho Costa
Do livro “A Palavra Nua”
Ed. Vela Branca