Quarta-feira, 30 de Abril de 2008
Jorge Goes
Hei-de voltar
Um dia ao Alentejo
Que de saudades
Eu não posso mais.
Para sentir no rosto
O beijo aceso
Do vento
Quando volta dos trigais.
Hei-de voltar
Um dia ao Alentejo
Ao canto das cigarras
Pelo Verão.
Ao vulto dos pastores
Que se demoram
À procura da sombra
Pelo chão.
Hei-de voltar
Um dia
Eu sei que volto.
Para rever os meus
E a minha casa
A minha terra amiga
Como brasa
Aonde a espiga
Se transforma em pão.
Alentejo
Da urze e das estevas
Das ceifas
Dos rebanhos
Dos montados
Dos tarros
Dos safões
Dos medronheiros
Do silêncio e do Sol
Na cal pousados.
Meu Alentejo
Meu país de sede
De cânticos dolentes
Ancestrais.
Meu Alentejo
Meu país sem medo
Que de saudades
Eu não posso mais.
Letra: Soledade Martinho Costa
Música: José Cid
Interpretação; Jorge Goes
Do álbum: “Contra a Corrente”
Domingo, 27 de Abril de 2008
Jessica Fletcher
Quando voltei ao Algarve, nos primeiros dias de Janeiro último, deparei, à porta da minha garagem, com um ciclomotor marca Yamha, de matrícula 1- ABF-80–82, a indicar o seu registo na Câmara Municipal de Albufeira. Às primeiras impressões, e tratando-se de um acesso privado, julguei que o veículo pertencesse a alguém que se tivesse deslocado até ali. Os dias passaram, as semanas também e o ciclomotor continuava no mesmo local. Perguntou-se por um eventual dono, mas as pistas a nada e a ninguém conduziram. Então, fez-se luz: o ciclomotor havia sido roubado!
Por essa razão, dei um “passeio” até Albufeira e dirigi-me ao posto da GNR. Comuniquei o caso e solicitei informações sobre o legítimo proprietário, de modo a contactá-lo para vir buscar o que era de sua pertença. Mas logo fui informada de que «não tinha havido participação do roubo». O conselho veio a seguir: «É melhor a senhora ir à Câmara Municipal, secção de registo de veículos».
Segui directamente para a Câmara, dirigindo-me ao atendimento geral. Pois, que sim, mas «teria de pôr o caso por escrito, dirigindo a carta ao senhor presidente da Câmara Municipal de Albufeira». Regressei a casa e logo que me foi possível, escrevi a carta: tudo explicadinho (que já tinha estado no posto da GNR), acrescido do meu nome, residência e nº de contribuinte. Entreguei a carta no dia 11/2/08. E aguardei.
No dia 19/2/08 recebo a resposta, enviada pelo senhor presidente da Câmara, dizendo que «sobre o assunto referido, deveria dar dele conhecimento à GNR, visto ser costume este tipo de informações serem dadas a entidades oficiais»! Postas as coisas neste pé, lá voltei ao posto da GNR. Um dos agentes, a dar-se ares de simpático, prometeu – provavelmente para me despachar: «Fique descansada. Irei contactar a Câmara e logo a informo».
Voltei à minha vida, sempre a pensar na pobre ou no pobre proprietário do ciclomotor, privado, por aspectos burocráticos, ridículos e muito pouco solidários, do seu usual meio de transporte. Naturalmente, a supor que não mais lhe poria a vista em cima.
Passou o resto de Fevereiro e passou o mês de Março. Notícias do GNR, nem vê-las! Resolvi, então, telefonar à secretária do Senhor presidente da Câmara, a quem relatei a história, apelando à questão humanitária que o assunto implicava. Deu-me razão e pediu-me uns minutos. Aguardei e veio a sugestão: «O que podemos fazer é mandar rebocar o ciclomotor, que virá aqui para o local das coisas abandonadas.» Declinei a oferta: «Para a sucata? Não, obrigada. Se desejasse que o rebocassem, já o tinha solicitado à Câmara!». «Isso é verdade. – Concordou – Mas eu vou tratar do assunto. Deixe-me o seu contacto», pediu. Deixei. Estávamos no princípio de Abril.
Entretanto, vasculhando mais atentamente no ciclomotor, que de azul-escuro estava agora cinzento devido ao pó, encontrei dois capacetes e coladinho lá dentro a identificação do seguro: Fidelidade! Foi o suficiente para me pôr de novo em acção. Telefonei para a Seguradora em Lisboa, que me disse ter sucursais em Portimão, Loulé e Faro. Decidi-me por esta última. A informação foi animadora. Havia em Albufeira «uma mediadora da Fidelidade»! A sorte estava do meu lado, pensei. Tomei nota do nome da senhora (olá, dona Noélia!) e do seu número de telefone. Não perdi tempo e eis-me a contactar o stand “Star Mota”. Após contada a história, «a senhora até se lembrava que tinha vendido o ciclomotor», informou-me ter em arquivo os dados da compradora, que gentil e solidariamente procurou e mos cedeu: nome, morada e número de telemóvel. Quanto a mim, não havia dúvidas de que o caso estava, finalmente, encerrado. Como estava enganada, meu Deus!
A primeira decepção surgiu quando fiz a chamada para o telemóvel. Apareceu-me do outro lado uma senhora da Póvoa do Lanhoso, dizendo que «era engano». Para azar meu, a senhora, de voz grossa e autoritária, nadinha simpática, retirou-me qualquer ilusão para um brevíssimo diálogo. Havia, ainda, a morada. A esperança morre e renasce! Ora vamos lá procurar na Av. tal, o nº 209. Mas qual 209, qual carapuça: na Av. tal, a numeração terminava no número 195! Daí para a frente não havia mais nada.
Mas logo despontou em mim, uma nova hipótese: a do carteiro! Foi um anjo caído do céu: «Sabe, isto é uma confusão. O número 209 devia ficar para cima e não para baixo da avenida. Mas não. Fica lá para baixo, onde a numeração começa no 1, 3, 5… É por lá que fica o 209». Abençoado carteiro, a quem dou um certo trabalho quando estou por cá, por me trazer, quase diariamente, a minha correspondência.
Chegada, finalmente, ao tão desejado número, deparei com um condomínio fechado. Os apartamentos iam do número 200 ao 210. Por fora, estavam as respectivas caixas de correio. Mas apenas quatro caixas. Nenhuma delas com a indicação do número 209! O que fiz? Meti em cada uma um papelinho com o número do meu telemóvel e a razão que me levava a proceder deste modo. Nesse dia, a meio da manhã, eis o desejado telefonema da proprietária do ciclomotor! Combinámos o encontro, junto do dito, ao fim da tarde. E assim aconteceu. A jovem, brasileira, vinha acompanhada pelo marido. Eu não me tinha enganado: «A falta que nos tem feito! Temos andado à boleia, que nos dão os amigos!».
Mas a história com um final feliz, não acaba aqui. Não acaba aqui, não senhor. Com eles traziam, para comprovar, uma certidão passada pela Guarda Nacional Republicana de Albufeira (vulgo GNR), assinada pelo comandante do posto, na qual se denunciava «o furto, por desconhecidos, do ciclomotor de marca Yamaha, de matricula 1-ABF-80-82, no valor de 650,00 euros». A certidão apresentava a data de 31 de Dezembro de 2007! Estávamos a meio de Abril.
Não faço mais considerações sobre este caso. Pelo menos, aqui, no Sarrabal. Mas um destes dias vou dar outro “passeio” até à GNR de Albufeira. Eles merecem esta visita de “cortesia”. Apenas para lhes mostrar a cópia da certidão e perguntar. «Meus senhores, afinal, houve ou não houve participação do roubo?» Só não faço ideia da resposta. Quanto ao prometido telefonema da secretária do senhor presidente da Câmara de Albufeira, continuo à espera dele.
Assim vão as coisas neste País – já lá diziam o “Senhor Feliz e o Senhor Contente”, lembram-se?
Soledade Martinho Costa
Quinta-feira, 24 de Abril de 2008
No olhar moreno deste povo
Li a ternura imensa
Sem disfarce
A dar-se inteira à glória desse dia
Ainda perto
(Ou longe, quem o sabe…).
Que sereno e em liberdade
O seu sorriso
Era o leme da força que separa
A condição dos homens
E faz
Diferente agora este meu povo.
Meu povo que se ergueu e que caminha
Ao encontro da vida e da vontade
De mão na mão
De todo não desperto
Que o vento breve de um espanto
Ainda o percorre.
Canto sublime de um tempo prometido
Que não o traz vergado
Mas antes sim
Erguido
Como um gigante sustendo a tempestade.
Soledade Martinho Costa
Do livro “A Palavra Nua”
Quarta-feira, 23 de Abril de 2008
Igual
Sob o azul
Ao voo das aves
Caminhos outros fossem
E outros nomes
Assim esta conquista
Esta vontade.
A mandar mais
Na robustez das grades
Que fecha a liberdade
A sete chaves.
Soledade Martinho Costa
Domingo, 20 de Abril de 2008
Um dia eu fui ao Zoo. Vi muitos animais mas o que eu gostei mais foi a baleia. Eu vou-vos contar a história. Era um dia de Sol e eu fui ao Zoo. Havia duas baleias. A mãe, a filha e o guardador. A filha tinha uma doença e estava a morrer e a mãe também de tristeza. Mas quando a filha piorou o guardador disse: «rápido, rápido!». A baleia a chorar, os homens a trabalhar, a filha quase a morrer. O guardador salvou a filha, mas de tanto cansaço ele desmaiou para dentro de água. A baleia salvou-o e passados 15 minutos ele acordou e perguntou:
- Quem é que me salvou?
- As baleias é que te salvaram. – responderam os outros guardadores.
O guardador e as baleias brincaram durante 30 minutos. A amizade é linda.
Rafael, o escritor (9 anos) – texto não corrigido.
Sexta-feira, 18 de Abril de 2008
Não sei se eram os corpos das mulheres
Engolidos pelas grades dos portões
Se das fábricas a estridência dos apitos
Ou as sirenes dos barcos junto ao cais.
Ou talvez fossem os gatos nos telhados
Cegos de fome, de brigas e de cio
Ou os passos incertos, arrastados
Dos bêbedos a roçar pelos portais.
Não sei se era o sossego dos domingos
A repousar nas ruas sonolentas
Se a volúpia que vinha ao fim da tarde
No cesto dos tremoços e pevides.
Ou talvez fossem os pombos dos quintais
Aconchegados ao Sol de Novembro
Arrulhando, amorosos, desenhados
Nos olhos que assomavam dos postigos.
Não sei se eram as vozes se os aromas
A ferrugem, a cortiça e a tabaco
Vindos do tempo como testamento
Agarrados à ganga dos operários.
Ou talvez fosse a mulher a vender fruta
Parada no largo da farmácia
Ou as carroças de machos corpulentos
A escorregarem nas pedras da calçada.
Não sei se era o louco a pedir lume
Por entre as frinchas das tábuas da barraca
Se o chamamento, em gritos, das janelas
Pelos petizes, nas vozes das vizinhas.
Ou talvez fosse o perfume da maresia
A despertar no quintal a velha acácia
Ou o silvo do comboio sobre a ponte
A deixar pelo céu corcéis de fumo.
Não sei se era a noite a pôr de luto
As cores das casas, dos muros e dos vultos
Se era o cansaço, a fome, a impotência
O silêncio das palavras gastas
A insónia do medo em nome oculto.
Sei apenas
Que o triciclo corria
Sobre a face puída do passeio
E as tardes eram brancas e azuis.
Soledade Martinho Costa
Cavalinho de baloiço
Que balança, que balança
Cavalinho de madeira
Olhos grandes de criança.
Cavalinho de madeira
Onde vais a galopar
Leva-me ao País dos Sonhos
Porque quero lá voltar.
Cavalinho de baloiço
Que balança, que balança…
Cavalinho de baloiço
Porque é que paraste agora
Se te pedi que partisses
Porque não queres ir embora.
Cavalinho de madeira
Porque choras de saudade
Estou de novo à tua beira
O que importa a minha idade.
Soledade Martinho Costa
Do livro "Reduto"
Quarta-feira, 16 de Abril de 2008
A Teresinha tem agora sete anos. É uma menina morena. De olhos negros, lindos, amendoados, de cabelo castanho muito escuro, que lhe desce, completamente liso, um pouco abaixo dos ombros. Umas vezes solto, outras com “rabo-de-cavalo” ou dois “totós”, um de cada lado, bem compridos.
A Teresinha movimenta-se com leveza, com elegância. Há amigos da família que lhe chamam “Bailarina”. Porque a Teresinha andou na dança Jazz, depois no balett e, agora, na patinagem artística. Tudo isso ajuda. E parece que acertou. É da patinagem que a Teresinha mais gosta. Participa nos campeonatos, alcança lugares cimeiros e tem nas professoras as amigas que gosta de ter.
Para a Teresinha a dança, o canto, a música, a representação, têm, ainda, a sua preferência. Gosta de “actuar” perante um “auditório”. Gosta de palmas. Inventa músicas e letras que interpreta sem acanhamento. Em casa ou na escola. Mas não deixa de ser marota. Conta anedotas com graça. Sobe às árvores. Galga muros. “Atira-se”, sem medo, de pontos altos, até arranjar uns “galos”, daqueles que não cantam. Embora seja uma aluna de muitos “excelentes”.
A Teresinha é, também, muito feminina. Gosta de colares e de brincos: «Eu sou uma menina corajosa. Vou furar as minhas orelhas para usar brincos com uma pedrinha cor-de-rosa, que a mãe vai comprar!». E furou as orelhas. Gosta de roupa, de sapatos, de botas, de tops, de saias e calcinhas que deixam a barriguinha à mostra. De preferência tudo cor-de-rosa – creio ser a cor predilecta de todas as meninas, actualmente.
Por tudo isto, é natural que a Teresinha goste de se mirar ao espelho. Tem no quarto um toucador «cor-de-rosa, de princesa», é assim que o classifica, que fez o seu deslumbramento quando o recebeu da mãe como prenda. Toucador que continua a ser um elemento indispensável para ela, quando informa: «Vou arranjar-me!».
Mas a Teresinha nunca diz: «Vou ver-me ao espelho.» A Teresinha diz sempre: «Vou mostrar-me ao espelho.» Pensando bem, não deixa de ter razão…Tanto quanto parece, a Teresinha não tem intenção de mudar a frase. Já teve tempo suficiente para isso – além de ter sido informada da correcção que deveria fazer.
Ainda assim, tudo indica que a Teresinha irá continuar a «mostrar-se ao espelho» do seu toucador «cor-de-rosa de princesa». E aos outros espelhos, claro.
Soledade Martinho Costa
Terça-feira, 15 de Abril de 2008
A chegada da Primavera lembra aos homens e às mulheres que as tarefas esperam, para serem cumpridas. Que a terra não cessa de pedir o seu amanho e os animais a atenção de que necessitam. É preciso prosseguir o trabalho nos campos. Porque os homens e as mulheres amam e respeitam a terra que cultivam. Conhecem-lhe os segredos. Satisfazem-lhe os pedidos. Deslumbram-se a cada nova sementeira.
Assim, lá os temos, a fazer a monda dos cereais de Inverno. A recolher as favas e as ervilhas. E as batatas e as cebolas temporãs. A semear nas hortas os rábanos, os pimentos, as cenouras e o feijão. E a salsa, os coentros e o tomilho.
A plantar nos canteiros os gladíolos, as begónias, os malmequeres, os goivos e os girassóis. E a enxertar o azevinho, os lilases e as roseiras.
Num trabalho constante, homens e mulheres retiram os abrigos às cerejeiras, já sem receio das geadas. Engarrafam os vinhos nas adegas. Fazem cavas junto ao tronco das árvores para lhes dar a frescura apetecida.
Quanto aos animais, também estes aguardam os seus cuidados. Por isso, vigiam a postura das galinhas na capoeira. Dão alimento verde às vacas nos currais. Engordam os bois e os leitões. Tratam dos coelhos, dos perus, dos patos e dos pombos. Levam ao pasto as cabras e as ovelhas. Começam a tosquia do gado, porque o calor já se faz anunciar.
Numa tarefa infinda, que começa com os alvores da madrugada e só termina à tardinha, quando o Sol se põe e o céu anuncia que a noite não tarda a chegar.
Soledade Martinho Costa
Do livro “Histórias que a Primavera me Contou”
Ed. Publicações Europa-América
Domingo, 13 de Abril de 2008
Alfama, Lisboa
Casas de Lisboa
Viradas ao Tejo
Vestidas de Sol
Com cortinas de renda.
Casas de Lisboa
Viradas ao Tejo
Que lhes conta segredos
De reis e de infantes
De audácias distantes
De naus e degredos.
Casas de Lisboa
Varandas amigas
De pardais e pombos
Com gente que fala
No jeito que temos
A Língua que somos.
Com gente que embala
Os sonhos esquecidos
Os sonhos perdidos
Na dança das ondas.
São pedras
Postigos
E portas fechadas
Janelas
Telhados
E degraus de escadas.
São muros
Mirantes
Jardins e calçadas
E tantos amantes
De vidas passadas.
Largos e igrejas
A lembrar fogueiras
Lendas verdadeiras
De um País amado
De um País saudade
De faces trigueiras.
E o que o Tejo diz
E o mais que lhes diga
Escuta-se no vento
Como em voz amiga.
Palavras que trazem
Alma marinheira
E a cor da cidade
No Cais da Ribeira.
Soledade Martinho Costa