Dois filhos são duas lágrimas
dois risos
duas verdades.
São dois sorvos de água pura
pão da terra de semeio.
Dois filhos são dois afagos
duas dores
duas maldades.
Duas arcas feitas de oiro
onde arrecado o receio.
E mesmo dois desenganos
dois filhos são dois favores.
Dois bagos do mesmo trigo
dois rios no mesmo leito
num só peito
dois amores.
Soledade Martinho Costa
Do livro "Reduto"
Se fosse viva, Amália Rodrigues, faria hoje 87 anos.
Passaram oito anos sobre a sua morte. Mas a Voz de Amália continua (e continuará) viva entre nós. Por muitas vozes novas que apareçam, nenhuma se lhe compara. Não pode haver comparações. Embora cada uma das novas vozes (e são muitas) ocupe o seu lugar no panorama da música portuguesa, mais concretamente no fado. O que não podem as novas vozes é ter a veleidade de pensar que, um dia, possam vir a ocupar o lugar que apenas a Amália pertence – e vai continuar a pertencer. Para sempre.
Anualmente, nesta data, têm decorrido diversas celebrações a marcarem a efeméride. Em Julho de 2006 o seu aniversário foi lembrado num espectáculo inolvidável, que decorreu nos terraços do Panteão Nacional, local onde o corpo da Artista repousa. Colaboraram grandes nomes da canção e da música, e foram lidos poemas por actores consagrados.
Este ano, uma vez que o Panteão encerra às segundas-feiras, a cerimónia foi transferida para terça-feira, dia 24 de Julho, com uma romagem ao túmulo de Amália e uma missa celebrada pelas 3 horas da tarde, na Igreja do Desterro.
No próximo mês de Outubro, com início no dia 6 (data do seu falecimento, em 1999) e até ao dia 31 do mesmo mês, terão lugar em Lagoa (Algarve) várias celebrações em sua honra, a abrir com uma Missa Fadista no dia 6 celebrada na igreja matriz. Nesse dia será inaugurada uma exposição (que se manterá permanente) focando várias fases da vida de Amália e mostrando algum do seu espólio (vestidos, objectos pessoais, discos…). À noite realiza-se um espectáculo de gala no Auditório Municipal. Durante estes dias (também no Auditório), decorrerão colóquios, passagem de filmes representativos da carreira de Amália, sessões de poesia, bailado, etc.
No dia 13 efectua-se um outro espectáculo intitulado «Os Amores de Amália», durante o qual irão dar o seu testemunho alguns daqueles que tiveram o privilégio de lidar de perto com a Artista (visitas da casa, amigos pessoais, músicos, poetas, admiradores). A sessão conta com a participação de alguns artistas pelos quais Amália nutria especial admiração e amizade. A iniciativa pertence ao Município de Lagoa.
Para si, Amália, fica o poema que lhe dedico neste dia. Com a admiração, a saudade e a amizade de sempre.
Soledade Martinho Costa
NOSSA SENHORA DO FADO
Vestiram-se de luto
As cordas das guitarras.
Calou-se a tua Voz
companheira de longas caminhadas.
Lembrar agora as tuas mãos
em sobressalto
e a solidão do teu olhar
é mais do que saber de ti
onde tu moras.
É dizer que as rosas
também choram
quando lhes falta quem as ame.
Recordo a tua sala
os sons, a luz
o teu retrato, o teu piano
os objectos dispersos
em sítios que a memória traz.
Hoje, o teu nome
como da ave o roçar da asa
bate diariamente à tua porta.
Sobe os degraus de pedra
e vai procurar-te
ao lugar onde não estás.
Tu continuas a ser a tua casa.
Soledade Martinho Costa