Nos últimos tempos de vida de Amália, durante os serões em sua casa, falava-se muito do que tinha ficado para trás na carreira da Artista: dos seus sucessos, das suas viagens, dos países onde actuou, das suas recordações. Por fim, os serões começaram a ser preenchidos, quase exclusivamente, com a passagem de filmes que mostravam o êxito alcançado por Amália no mundo inteiro. Seguiam-se os comentários feitos pelos presentes e as explicações complementares dadas por Amália.
Estas visitas ao passado, por muito bem intencionadas – tendo como propósito uma espécie de lenitivo para a Artista –, surtiam, em minha opinião, um efeito contrário ao desejado. O desfiar constante de recordações, acabou por tornar-se um hábito diário e os serões a parecerem uma romagem de saudade. Em consciência, temia que a situação contribuísse para despertar em Amália a certeza de que os seus sonhos começavam a ficar cada vez mais distantes e inatingíveis. Receios que não foram infundados.
Nesses anos, a sua alegria (que lembro das minhas primeiras visitas) dera lugar a uma tristeza que se reflectia no rosto dos anjos que esvoaçavam nos painéis de azulejo a vestirem as paredes da sala, desde meio até ao chão. Uma tristeza igual à que nos invade quando ouvimos um fado. Ou quando sentimos saudades de um tempo que já não nos pertence. Tristeza que teimava em fazer-nos companhia pela noite dentro.
Nesses serões, Amália já não tinha vontade de contar anedotas, de dizer versos, ou de cantar e dançar para os amigos – como chegou a fazer, somente para mim, privilégio que me deixava sempre deslumbrada, espantada com a minha sorte, como é de supor.
Por essa altura, o chá, as bolachinhas, o pão e o queijo, servidos ao serão, deixaram de ter o mesmo sabor.
Cheguei a consolar Amália, buscando nas minhas palavras uma força que não sentia. Aconteceu em certo serão. Ao ver no vídeo as suas imagens, agarrou o meu braço, dizendo com lágrimas nos olhos: «Como eu era e como eu estou, uma doente. Já não sou ninguém!». Não foi fácil para mim ouvir este desabafo. Onde encontrar argumentos que a convencessem do contrário? Que lhe mostrassem quanto estava enganada? Que lhe dessem a certeza que continuava a ser, apesar de todo o infortúnio, a nossa Amália, a única, a insubstituível? A prova está nas homenagens que lhe têm sido prestadas após a sua morte.
Amália será sempre Alguém. Alguém muito querido. O público que a ama por todo o Mundo – especialmente o público português – continua a ver nela a grande Artista que sempre foi. Única. Inigualável. Público que vai continuar a recordá-la: bonita, sorridente, simples, bondosa, uma mulher culta, de extrema sensibilidade e inteligência, grande poetisa e uma voz sublime, eterna, irrepetível.
Amália, mesmo acompanhada, sentia-se só. Um dia, disse-me: «Penso muito. Sempre fui assim. Ponho-me a pensar, a pensar, vou por aí fora, vou, vou, olhe, vou até ao fim de mim!» Sorri, ante a maneira tão sua, tão pessoal de Amália se expressar. Poucas pessoas conseguiam fazê-lo de forma tão singular, tão inteligente.
Teimava em chamar-me romântica: «Você, você é uma romântica!». Deixei de manifestar a minha discordância – embora aceite que, de vez em quando, possa dar essa impressão. Numa das fotos que me ofereceu, escreveu na dedicatória: «Para uma romântica, de uma sozinha».
O facto de saber que não podia voltar a cantar, roubou a vida de Amália antes da morte ter chegado. Acredito que tenha sido esse, nos últimos tempos, o seu maior desejo: partir.
Soledade Martinho Costa
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