A dar continuidade ao post anterior, devo confessar que nestes últimos tempos (três meses) tenho andado às voltas, a pensar no verdadeiro motivo que terá levado a Associação Portuguesa de Escritores, na pessoa do seu presidente da Direcção José Manuel Mendes, a não divulgar pelos associados a existência da petição «Eu não sou Cúmplice – Meninos Escravos do Gana». Se a Associação divulga o apelo da Cruz Vermelha (Haiti), ou o pedido de livros para Timor, porque razão cala a petição a favor dos meninos do Gana?!
Pensei, voltei a pensar, até que tive um palpite. Palpite que me leva até 2003. Posso mesmo dizer, sem margem para erro, que se trata não de um palpite, mas de uma certeza. Porque mais do que simples dedução, estou em crer que a não divulgação da petição não passou de pura retaliação sobre a minha pessoa. Porquê? Ora, vejamos:
Nunca fiz da ida às escolas uma segunda profissão – ao contrário de uma conhecida autora juvenil, que afirmou, publicamente, visitar cerca de 300 escolas por ano. Mas tenho prestado o meu contributo como autora convidada em escolas e bibliotecas, fomentando junto das crianças e adolescentes o gosto pela leitura, pela escrita, o amor aos livros e a divulgação de nomes de autores que lhes têm dedicado parte ou a totalidade da sua obra. O último, o de Irene Lisboa (tão esquecido!), cuja biobibliografia dei a conhecer aos mais jovens em seis sessões repartidas por seis bibliotecas da capital a convite da Câmara Municipal de Lisboa.
Colaborei com as Câmaras Municipais de Vila Franca de Xira, Loures, Lisboa, Condeixa, Pombal, e Santiago do Cacém. Digo colaborei, porque o tempo é escasso e eu tenho prioridades: trabalhos em mãos por terminar, músicas à espera das letras, a família e, principalmente, os meus quatro netos – além de não me encontrar sempre no mesmo local: umas vezes estou em Alverca do Ribatejo, outras na aldeia do Bom Velho de Cima (Condeixa) e outras ainda no Algarve.
Considero a ida às escolas um trabalho importante, gratificante, mas que nos «rouba», por vezes, um dia inteiro. Principalmente, quando se trata, quer numa escola ou numa biblioteca, de realizar uma sessão de manhã e outra à tarde. Assim, resolvi «meter férias».
Estas sessões desde há anos que são pagas. Tempo houve, em que o não eram. Nesses anos os escritores «deviam sentir-se honrados com o convite e a divulgação das suas obras», ficando por aí a recompensa da sua colaboração – quase sempre com a escola ou a biblioteca visitada a aguardar a oferta de, pelo menos, um livro desse autor.
Um grande nome da nossa Literatura contou-me ter sido convidada para efectuar uma palestra em certa universidade. No final, ofereceram-lhe…um ramo de flores! «Com o trabalho que tive e a viagem, foi uma decepção. Os escritores não vivem do ar!» desabafou.
Entretanto, as Câmaras Municipais decidiram começar a pagar honorários aos escritores. Medida justa e que se impunha. Trata-se da prestação de um serviço cultural. Por norma, o autor é pago no final da sessão, ou das sessões, sempre que efectua duas sessões no mesmo dia – embora, neste caso, o pagamento não seja a dobrar. Em troca do recibo verde, o cheque é entregue por alguém destacado pela respectiva Câmara para acompanhar a sessão de animação de leitura.
Falta dizer que colaborei, também, com a Câmara Municipal de Sintra. É aqui que quero chegar. É aqui que se fundamenta o meu palpite. Mais exactamente, a minha certeza quanto ao motivo da não divulgação da petição «Eu não Sou Cúmplice – Meninos Escravos do Gana» pelos associados da APE.
De há uns anos a esta parte (não tenho a informação de datas), a Câmara Municipal de Sintra estabeleceu um protocolo com a Associação Portuguesa de Escritores. Esse protocolo («Os Escritores vão à Escola») implica que fique a cargo da APE convidar autores com obra destinada à infância para visitarem as escolas desse concelho.
Com outros autores, fui convidada pela Associação em 2002 e 2003. Em 2002 visitei quatro escolas entre Março e Abril. Em 2003 visitei três no mês de Janeiro. Ao contrário do ano anterior, achei por bem receber os meus honorários após efectuadas as três visitas. Já com o recibo verde enviado, acontece que não os recebi. Tempo depois informei-me junto da APE. Que sim, iria receber o cheque que me era devido. O tempo passou. Foi passando. Insisti. A dada altura a secretária da APE informou-me que «o senhor doutor (José Manuel Mendes) decidira pagar quando TODOS os escritores terminassem as visitas». Isto queria dizer que os primeiros escritores que se deslocaram às escolas de Sintra (o meu caso) teriam de esperar alguns meses até que o seu trabalho fosse pago.
Achei a ideia de José Manuel Mendes pouco aceitável. Menos ainda quando fui informada pela Câmara Municipal de Sintra que pagava à APE, antecipadamente e na totalidade, o valor da verba destinada ao trabalho dos escritores que se deslocavam ás escolas do seu concelho – exactamente, para que fossem pagos a tempo e horas.
Protestei. Exigi o pagamento. Várias vezes. Fiz barulho. Só não fiz o cálculo aos juros a vigorar nessa altura... Enfim, enfrentei José Manuel Mendes. Mas este levou a sua atitude ditatorial por diante. Embora com a verba cativa, só recebi o cheque meses depois. Como é evidente, caí no seu desagrado. Por outras palavras, passei a fazer parte da sua «lista negra» de estimação. Não voltei a receber convites da APE desde 2003. Os pequenos (e os grandes) ditadores, não gostam de ser contrariados.
Quando me lembrei deste incidente, fez-se luz. Daí, o tal palpite, a tal certeza. Estava encontrada a explicação. Como «persona non grata», ao assinar os e-mails enviados ao presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Escritores, em nome da Comissão da petição, o desfecho só podia ser um: a não divulgação da mesma pelos associados, conforme era pedido. Pouco interessou o seu teor humanitário, o importante era que se fizesse retaliação sobre a minha pessoa. E foi feita.
Conheço mal José Manuel Mendes. Não conheço, sequer, a sua obra. Mas sei que a sua actividade se divide (e multiplica) por diversíssimos cargos e tarefas. Da única vez que nos cruzámos, recordo um episódio com alguma graça passado em Condeixa-a-Nova. Durante os meses de Verão realizavam-se ali as «Noites Culturais de Condeixa» que, entretanto, passaram a ter lugar em Conímbriga. Numa delas, José Manuel Mendes deslocou-se a Condeixa para efectuar um recital de poesia. O espaço que a Câmara disponibiliza para este género de iniciativas situa-se num bonito pátio interior da própria Câmara, onde são colocadas as cadeiras destinadas à assistência.
Além da população da pequena e rural vila de Condeixa, acorrem a este tipo de eventos pessoas provenientes das aldeias em redor. Nessa noite o programa incluía música e bailado. Por fim, o recital. José Manuel Mendes começou por dizer poemas de diversos autores, incluindo os seus, e terminou com a leitura de poemas…em francês! Não sendo a assistência, propriamente, a mais indicada, não será difícil adivinhar o resultado.
Se refiro aqui este episódio, não o faço como represália (acredite quem quiser), mas por ter achado e continuar a achar essa escolha de autores franceses absolutamente descabida e pretensiosa. Não tive a oportunidade de me manifestar na altura. Tenho a oportunidade de o fazer agora. Não a perdi. Fica a pergunta: será esse o caminho que José Manuel Mendes, enquanto presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Escritores – portanto no que concerne à Literatura – preconiza para a tão apregoada descentralização cultural no nosso país? Provavelmente. Se calhar eu é que estou errada. Ou, então, ando distraída. Acontece.
Soledade Martinho Costa