Um dia, eu sei
Hei-de sentir saudades
Saudades da vossa turbulência de crianças
Aonde a traquinice e a bondade
Se moldam ao sabor da vossa infância.
A dar-me conta de vos ver crescer
A ti feita mulher
A ti um homem
Vos vou perdendo de mim em cada hora
A cada descoberta
A cada esperança.
E a saudade virá
Eu já a sinto
Na lágrima
No gesto
Na palavra
Em cada frase
Em cada movimento.
E chorarei de pena e de saudade
As esferas
Os berlindes coloridos
A boneca que espera sobre a cama
A ternura de um beijo de menina.
E chorarei de pena e de saudade
As nódoas
Os rasgões nas camisolas
As histórias que por vezes vos contava
As mãos sujas de terra e de poeira
A hora de acordar-vos para a escola
Os joelhos esfolados sobre as pedras
As gargalhadas
O choro
As brincadeiras.
E a saudade virá
Eu já a sinto
Na forma de brinquedo ou de criança
Como se fora sonho onde amanheça
A força de uma imagem prisioneira
De um beijo
De uma flor
De uma distância.
Soledade Martinho Costa
Do livro “A Palavra Nua”
Ed. Vela Branca
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