― Está tão abafada a tarde! – queixa-se a toutinegra, penas cor de fogo, empoleirada num ramo do pessegueiro.
― O mais certo é vir por aí forte trovoada. No Verão é assim: chuva e trovoada quando menos se espera! – resmunga a toupeira, olhinhos piscos, cabeça fora do buraco, a remover detritos e entulho, num asseio.
― Para si é capaz de ser uma maçada, não, senhora Toupeira? Como vive debaixo do chão… – arrisca a toutinegra.
― Oh!, não, está enganada. A chuva no Verão não incomoda os bichos como eu. A terra está quente e seca e a água depressa evapora.
― E eu a julgar que ficava com a casa inundada! – cacareja a galinha-pedrês.
― Isso acontece no Inverno, quando a água corre que parece um ribeiro nas câmaras e nas galerias que escavo. Nessas ocasiões, redobra o meu trabalho. Com as minhas unhas afiadas, abro logo outras, mais acima, onde me abrigo.
― Coitada! Que grande perigo! Tem de ter cuidado… – aconselha a pedrês.
― Cuidado tenho, em procurar no Inverno os sítios abrigados e secos, nas encostas, e não nas zonas baixas e alagadas. Agora no Verão, como não vejo quase nada, se estiver fora do buraco, à noitinha, e não der depressa com ele, o mais que me pode acontecer, se começa a chover, é apanhar um banho! – exclama a toupeira, divertida.
― O que seria um inconveniente! – comenta a toutinegra.
― Ou uma vantagem. – contrapõe a galinha-pedrês.
O grilo, vindo do seu passeio, dá um salto e aquieta-se sobre uma pedra.
― Vantagens e inconvenientes fazem lembrar a dona Toupeira em pessoa! – diz, intrometido, o insecto saltador.
― Ora essa! – abespinha-se a toupeira, num amuo – Que eu saiba, a conversa não é consigo, ó senhor Grilo!
― Mas passa a ser agora, se me dá licença! – grigrila o grilo grilão, todo aprumado no seu fato preto.
― Nesse caso, queira explicar-se, porque eu não gosto de graças. – respinga a toupeira, virando na direcção do grilo os bigodes, que lhe fornecem a orientação e todas as informações que os olhos não lhe podem dar.
A galinha-pedrês põe a crista à banda, atenta à explicação. A toutinegra pula para um ramo mais baixo, ouvido à escuta.
― É simples. – esclarece o grilo – O trabalho aqui da dona Toupeira é de toda a utilidade, porque destrói as larvas, as lesmas, os insectos nocivos…
― Olha a novidade! – interrompe a toupeira, a fungar de troça.
― Pois é – continua o grilo –, mas em contrapartida, como vive debaixo da terra, entretém-se a roer as raízes das árvores e das plantas, o que se torna num grande inconveniente. Principalmente, nesta altura do ano, quando se muda para os pomares e para as hortas, à procura de terrenos macios!
― Isso é verdade! – comentam, entre si, a toutinegra e a galinha-pedrês, olhando a companheira de soslaio.
― Mas não é por mal! – defende-se a toupeira, focinhito a disfarçar, num montinho de terra. – Preciso de escavar as minhas galerias à procura de alimento: larvas, minhocas, bichos-de-conta, formigas…
E logo o grilo, trocista, asinhas levantadas:
― Já se vê que não é por mal, dona Toupeira. Afinal, não há ninguém perfeito!
A toutinegra e a galinha-pedrês voltam a estar de acordo:
― Isso é verdade! – repetem as duas, muito bem ensaiadas.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que o Verão me Contou»
Ed. Publicações Europa-América
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