O último livro de José Saramago vem mostrar que algumas figuras públicas, a partir de um dado momento, não passam sem continuar a ser o «centro das atenções». Pagam o protagonismo a qualquer preço. Saramago é livre de ter a sua opinião no que respeita a Deus e à Bíblia. Não pode é impô-la como verdadeira. A minha opinião (diferente) é tão válida quanto a dele. Estamos em pé de igualdade. Com uma diferença. Não perfilho livros que vão atingir e ferir sentimentos alheios. As religiões deviam ser intocáveis. Todas. A favor ou a desfavor. Questão de bom-senso.
De origens humildes, família de pais e avós pobres, Saramago vendia livros atrás do balcão de uma livraria no Chiado. Tirou apenas o curso comercial. Mas nasceu com um dom: o de escrever. Hoje é um Prémio Nobel da Literatura, que se dá ao luxo de provocar o Mundo. Foi um eleito – ser escritor, não se aprende. Não sei se Saramago já se perguntou «porquê?».
Saramago passou dificuldades na vida. Falta de dinheiro. Hoje é senhor de grande fortuna. A idade vai avançada. Esteve à beira da morte e continua vivo. É um eleito – raras pessoas têm tanta sorte. Não sei se Saramago já se perguntou «porquê?».
Saramago viveu numa casa alugada, modesta, de um bairro antigo de Lisboa (Madragoa). Não se dava bem com o amor. Hoje tem uma mansão na ilha de Lanzarote. A seu lado, uma mulher jovem, bonita e inteligente. É um eleito – raras pessoas têm tanta sorte. Não sei se Saramago já se perguntou «porquê?».
Saramago não precisa de nada nem de ninguém. Só precisa de chamar as atenções. E é perito a fazê-lo. Tem aquilo que desejou: ser falado. Não interessa os motivos. Foram os que decidiu que fossem. Acertou em cheio. Só duvido que o livro venda tanto como ele, apesar de tudo, deseja. As bolsas portuguesas não estão abonadas para uma ida às livrarias. Depois, o interesse pela obra é relativo: de um lado, a Igreja e os católicos, cuja maioria não vai comprar. Do outro, os ateus, cuja maioria também não vai ler, porque já conhece o conteúdo, principalmente, pela boca de Saramago. Ficam os curiosos, os estudiosos, os solidários de Partido e os pseudo-intelectuais do luso-provincianismo que não perdem, nunca, a oportunidade de expor na estante o último livro de Saramago - embora não façam a menor intenção de o ler.
Resta saber se Saramago tem medo da morte. Naturalmente, não. Se tem certezas absolutas. Naturalmente, não. Vamos, então, supor que Deus, um dia, lhe aparece à frente. Vamos, então, supor que vai perguntar-lhe: «porquê, Saramago?!».
Um Deus assim, que tudo deu a alguém que o renega e ofende – partindo do princípio que Deus tudo vê e prevê, que tudo sabe – não pode ser o mesmo Deus de Saramago.
Soledade Martinho Costa