É geralmente nos inícios de Novembro (por tempos mais recuados em Dezembro) que se procede à apanha da azeitona, a estender-se, por vezes, até ao mês de Janeiro.
Actividade ligada à extracção do azeite, de grande significado no que respeita à parte económica relacionada com o agregado familiar, apresenta-se nos dias actuais com menor relevância no âmbito das pequenas comunidades, devido aos poucos lagares ainda em condições de funcionamento e à redução do número das nossas oliveiras – a trazer à lembrança tempos de grandes olivais, de grande produção de azeite, de grande alegria (apesar do árduo trabalho), manifestada pelos antigos ranchos de «azeitoneiros» ou «apanhadores» de azeitona, chamados na Beira Litoral «branjadores» numa derivação popular da palavra «varejar» («barejar» no dizer local, isto é de «barejadores»).
Por lugarejos, aldeias e vilas continua a tratar-se do pouco que resta, pertença de passados bens, que as mãos e o conhecimento de quem sabe e os herdou teima em não deixar morrer, com alguma fé no futuro e (ainda) nas gerações futuras.
É nesses locais que Novembro acorda para realizar a tarefa feita como antigamente – sabendo-a, embora, simplificada por acção mecânica – a repetir ritos e trabalhos, confraternização e risos, nascidos das raízes da tradição de um tempo que não se apaga da memória das gentes.
Utilizando o varejão ou empoleirados nas escadas de muitos degraus, continuam os homens a varejar as oliveiras, enquanto as mulheres, curvadas sobre os panais, vão apanhando as azeitonas com que enchem os poceiros de plástico (a substituir os antigos cestos de verga), levados depois para os atrelados dos tractores (que os carros de bois transportavam por tempos idos).
Quando a safra é pequena, a azeitona colhida, apenas dá para a chamada «troca» feita no lagar, com as azeitonas medidas por poceiros (vasilhas de plástico), outrora na «fanga» (espécie de padiola conduzida por um ou dois homens), de modo a que o seu peso corresponda ao azeite recebido em troca.
Acima de doze poceiros (um «munho» ou «prensada») já o agricultor pode mandar fazer o seu próprio azeite: quantos mais «munhos» entregues no lagar, maior a quantidade de azeite recebido.
Conforme as regiões, a azeitona é verde ou preta, miúda ou grande, sendo as mais conhecidas a cordovil, a cordovesa, a bical, a picoal e a curançosa, entre as mais de cinquenta variedades existentes.
Após a sua entrega no lagar, as azeitonas são limpas de impurezas, lavadas e geralmente salgadas com sal grosso.
Depois disto, são depostas na «tulha», passando desta para as «galgas» ou «farneiro» (pedras das mós entre as quais é moída) e dali por uma tubagem accionada pelo «sem fim» para a «batedeira» ou «aquecedor» (depósito de forma cilíndrica), de modo a que a massa ou pasta da azeitona seja aquecida em temperatura média, graças à «serpentina» que transporta água quente e reveste o interior do depósito.
A massa cai depois num tabuleiro, sendo levada em «gamelas» ou numa pá até à prensa, onde a pasta da azeitona é espalhada em camadas, cada uma delas tapada com o «capacho» ou «seira» (de esparto ou sisal, de preferência ao material plastificado), para ser calcada e prensada.
Nesta operação podem ser utilizados entre quarenta a cinquenta «capachos», alternando com outras tantas camadas de azeitona, cada camada correspondendo, aproximadamente, a dez quilos de pasta de azeitona.
O líquido assim obtido corre da prensa para as pias ou talhas de pedra (designadas, antigamente, na Beira Litoral, por «tarefas»), tomando, a partir daí, o nome de «águas russas». A substância permanece nas pias entre três a quatro horas para efectuar-se a decantação, ou seja, para que o azeite venha ao de cima, enquanto as impurezas ou «almofeira» é escoada pelo «ladrão», uma abertura no fundo da pia, que a leva para um outro depósito, que não se encontra à vista.
As impurezas ou subproduto escoado e depositado no «ladrão» é utilizado em várias aplicações: rações para animais, óleos, sabões, etc.
Segue-se o «caldeamento», efectuado com a ajuda das «gravanadas» (regadores com um bico), isto é, junta-se ao azeite cerca de trinta litros de água fervente por pia, ao mesmo tempo que a mistura é mexida e «medida», utilizando-se para isso varas de marmeleiro. Sempre que possível, o azeite permanece nas pias durante vinte e quatro horas, até «assentar» e ser retirado já limpo.
Depois destas voltas, eis a riqueza do fruto transformado em azeite. Convertido no milagre do alimento e da luz. O ouro liquefeito no prato ou na candeia. Ou na lamparina que alumia o sono e também a vigília dos santos.
Soledade Martinho Costa
In “Festas e Tradições Portuguesas”, Vol.VIII
Ed. Círculo de Leitores