A virtude das plantas, dos frutos e das flores encontra-se associada ao culto de São João, sempre à meia-noite, de madrugada ou ao meio-dia do dia 24 de Junho. Este princípio leva os habitantes do Barroso (Beira Litoral) a colocarem, ainda hoje, ramos de sabugueiro nos buracos das fechaduras «para não entrarem as bruxas que andam à solta durante a noite».
Do grupo das plantas consideradas mágicas destacam-se, entre outras, o rosmaninho, o alho-porro, o alecrim, o funcho, o trevo, a macela, a cidreira, o poejo, a sálvia, a dedaleira, a erva-pinheira, a arruda, o loureiro, o manjerico e a alcachofra – algumas a juntarem-se às fogueiras para servir de defumadouros com fins de esconjuro ou profilácticos.
Por vezes, em certas localidades, e de acordo com a crença popular, continuam a guardar-se as plantas que receberam o orvalho milagroso, com o fim de «livrar do mau-olhado». Crê-se também que o alecrim, o rosmaninho, o funcho e o sabugueiro, colhidos com o orvalho bento, «preservam as habitações do raio»; que o trevo de quatro folhas e a arruda, apanhados à meia-noite, servem como talismã; que o alho-porro «afasta as entidades nocivas» e a erva-cidreira, colhida na noite de São João, tem o poder de «curar os feitiços».
Mais complicada é (ou era) a prática relacionada com o azevinho-do-monte, que deve ser borrifado com vinho e levado para casa depois da meia-noite da véspera de São João «para trazer a fortuna». No norte davam-se três voltas ao redor da planta antes de a colher, e, com o ramo apanhado, visitavam-se três igrejas com nomes de santas, batendo com o ramo nos degraus de acesso ao templo. Seguia-se uma ida à beira-mar para apanhar três ondas, sempre com o azevinho na mão, guardando-o depois durante todo o ano. Se o dinheiro não aparecia, pelo menos, aproveitavam-se os tronquinhos do ramo para queimar quando trovejava.
Em Roriz (Minho) havia o costume de ir saudar e colher o azevinho «para comprar barato e vender caro», dizendo: «Meu azevinho novo/Aqui te venho colher/Para que me dês fortuna/No comprar e no vender/E em todos os negócios em que eu me meter». Para que a magia resulte, as plantas devem ser colhidas «antes que o Sol as toque e faça desaparecer o orvalho da noite».
O manjerico é a planta que mais aparece nas grandes cidades, constituindo um presente que se oferece às pessoas amigas, enquanto a alcachofra – símbolo da ressurreição da Natureza – foi, noutros tempos, a mais utilizada pelas raparigas em práticas e «sortes» divinatórias. Chamuscada nas fogueiras de São João, à meia-noite em ponto, se reflorisse, indicava «que se era correspondida nos amores».
A fava, a amêndoa, a cereja e certas flores, como as rosas, os cravos e os malmequeres, eram, igualmente, utilizadas nesta data para «sortes» e adivinhações.
O culto das flores e das plantas reporta-se à Antiguidade, quando se coroavam com flores ou folhas de loureiro, de carvalho ou de oliveira as estátuas dos deuses, os poetas, os heróis e também os mortos. Nas festas e nos banquetes as pessoas apresentavam-se coroadas, conferindo os Romanos, a título de recompensa, coroas de folhagem (as coroas de louro) para simbolizar o poder, a sabedoria e a coragem.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. VI
Ed. Círculo de Leitores
(PUBLICADO POR MIM, AQUI, NO DIA 24 DE AGOSTO DE 2013)
Temos um número elevado de incendiários que já está identificado desde há muito. Outros serão identificados entretanto. Mas continuam em liberdade! Para atearem mais fogos? Como ouvi hoje no noticiário «embora vigiados, não é possível tê-los sob vigilância durante 24 horas». Pois não, e Portugal vai ardendo. Dar-lhes uma pena de uns anos? Não resolve o problema: quando saírem voltam a fazer o mesmo. Falaram em «reincidentes»!
Como também ouvi hoje, pouco me interessa «que sejam pessoas com problemas mentais, que estejam desempregadas ou desintegradas da sociedade». O que me interessa são as vidas que se perdem, a floresta queimada, os bens e o trabalho de tanta gente perdido, o sobressalto das aldeias e lugares habitados por pessoas que temem, noite e dia, o terror das chamas.
Até agora foram identificados 40 incendiários. Metade ficou em prisão preventiva, os restantes tiveram «como medida de coação a apresentação às autoridades e termo de identidade e residência». Só hoje foram detidos três deles.
Também ouvi que os fogos que devastam o nosso País «têm origem complexa». Políticos, bombeiros, polícia e civis parece que não ousam chamar «os bois pelo nome».
E aqui fica uma ideia: todos os identificados com crimes de fogo posto, deviam ser DETIDOS DURANTE OS MESES DE VERÃO! Voltariam à liberdade no Outono, quando o tempo não permitisse esta hecatombe que se abate anualmente sobre nós. E, por favor, não me venham falar que esta medida, simples e eficaz, é anti-democrática!
Soledade Martinho Costa
― Uf! Que calor! – zune a abelha, pousada num lírio bravo, junto do riacho. – Melhor se deve estar na colmeia!
― Mas só aqui tens a água e o néctar de que precisas! – atalha o lírio, a meter conversa.
― Enquanto dura, amigo Lírio, enquanto dura… Lá para o fim do Verão, o riacho estará seco e eu terei de matar a sede noutro lado.
― Mas haverá ainda flores com abundância, é só escolheres. – comenta o lírio, vestido de lilás.
― Tens razão, flores não vão faltar: campainhas, madressilvas, rosas-bravas, boninas, lírios como tu…
― Por isso trabalhas tanto!
― Sim, sim, não descanso. Eu e as minhas irmãs, as abelhas obreiras.
― E a tua rainha, o que faz ela?
― Toma conta da colmeia. Dita e ensina as leis que nos regem. Põe os ovos para que nasçam outras abelhas-obreiras e outras rainhas.
O lírio bravo confessa:
― Sabes que, por vezes, vos confundo?
― É natural. Somos parecidos: as obreiras, os zângãos e as rainhas. Mas temos tarefas muito diferentes.
― Deve ser engraçada a vida no cortiço. Vocês, as obreiras, trabalham. A rainha dita as leis e põe os ovos. E os zângãos, que fazem eles?
A abelha explica:
― Os zângãos vivem na colmeia e alimentam-se nos nossos favos até chegar a altura de fecundarem a rainha.
E logo o lírio, cheio de vaidade:
― Mas nós, as flores, é que vos damos o néctar!
― Ah, sim! Sem ele não poderíamos fabricar o mel!
A abelha faz um voo circular sobre as pétalas do lírio. Depois volta a sugar o suco doce da flor. Por fim, despede-se:
― Adeus, amigo Lírio Bravo. Vou até à colmeia dizer às minhas irmãs obreiras que venham ter contigo.
― E tu, quando voltas?
― Ainda hoje, prometo. Estamos no Verão, os dias são compridos…
― Só tenho pena de não poder visitar o teu cortiço! – queixa-se o lírio.
― Deixa lá, não fiques triste. Venho eu trazer-te novidades e fazer-te companhia!
E, num zumbido, a abelha lá vai, dar o recado. Indicar às irmãs obreiras a morada da flor de quem ficou amiga.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que o Verão me Contou»
Ed. Publicações Europa-América
Ao rebuscar nos meus papéis, encontrei um poema meu, inédito, que publico abaixo. Foi escrito em 1989 (há 28 anos), quando do massacre da Praça Tiananmen, em Pequim (capital da República Popular da China) – chamado hoje, também, o massacre da Praça da Paz Celestial. Na noite de 3 de Junho desse ano, MILHARES de pacíficos manifestantes, sobretudo jovens estudantes, foram mortos, metralhados pelos tanques de guerra às ordens do governo chinês. Em Pequim e nos focos que se geraram um pouco por todo o país. No dia 5 de Junho, um jovem, desarmado, fez parar uma fila desses tanques, sendo considerado «como uma das pessoas mais influentes do século XX» pela revista Time. Nunca se chegou a saber quem era. Ficou lembrado como «O Rebelde Desconhecido». A foto é considerada, ainda, «como um clássico simbólico da resistência». As mães dos estudantes assassinados reuniram-se no local, acabando por fundar o grupo das «Mães da Praça Tiananmen», que não mais deixou de estar activo
Vigília pelas vitimas do massacre, na Praça Tiananmen, realizada, anualmente, a 3 de Junho.
LÁGRIMAS POR PEQUIM
Despem as árvores
As folhas no Outono
Fecham-se as borboletas nos casulos
Renovam-se nos rios
Os cardumes
Sucedem-se no ventre
As gerações.
Perpétua mutação.
O vento
A Lua
O mar
As Estações.
Só não mudam as bocas
Defendidas por muralhas
Nem os corações parados
No âmago do mundo.
Quem foi mandante
Quem ousou amortalhar
Os sonhos em flor?
À ordem de quem
De quê
De que tutela
De que lei?
Feitos de assombro
Escutam-se os nomes na distância
Onde as palavras duvidam
Do seu próprio som.
A preencher os espaços
Fica o vazio que mora nas cidades
E as mãos que teimam
Em acender as velas.
Ficam as Mães de Pequim
Na Praça Tiananmen
Perfis de sentinelas
Na persistência dos seus passos.
Soledade Martinho Costa
Após algumas rupturas pelo meio, os festejos dos santos populares regressaram a Lisboa a partir de 1925, a impor a sua tradição e colorido, reabrindo-se as portas do Mercado da Ribeira, fechadas ao povo desde 1916. Em 1932, além das cerimónias litúrgicas, o figurino dos festejos renova-se, no que respeita aos arraiais, ao enfeite das ruas, becos e pátios alfacinhas, e mesmo aos próprios «tronos de Santo António».
Nesse ano são incluídas as «marchas populares», com desfile colectivo dos moradores de cada bairro da capital, ao som de músicas alegres, a obedecer, tal como as letras, o trajo dos marchantes e a própria ornamentação dos arcos, enfeitados com balões, a um tema alusivo – histórico ou referente às características de cada bairro.
Poder-se-á dizer que a ideia foi apenas retomada em novos moldes, isto é, recriada e (re)construída como criação lúdica de um espectáculo de rua, apropriado depois pelo povo reunido nas colectividades de recreio dos bairros da capital, que torna as marchas num símbolo festivo, popular e urbano, e um dos pontos altos das festividades lisboetas, tal como então foram concebidas e hoje as conhecemos.
Muito mais remotamente exibia-se já a chamada «Marche aux Flambeaux» (adaptada da tradição francesa, popularmente designada por «Marcha ao Flambó», com origem provável nas «danças de Entrudo»), organizada por cada bairro, mercado ou local onde se festejasse o Santo António, formada por pequenos grupos (trinta a quarenta participantes), que desfilavam sem grande aparato de apresentação ou de coreografia, geralmente dirigidos por um ensaiador que os orientava, utilizando um apito, exibindo-se os marchantes, preferencialmente, «às portas e em frente das janelas dos Paços Reais, dos palácios da nobreza ou das casas ricas».
Nesse ano (1932) foi instituído um prémio para a melhor marcha, tendo concorrido apenas três bairros de Lisboa: Alto do Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique. Outros três limitaram-se a participar: Alcântara, Alfama e Madragoa. Dois anos depois concorreram doze bairros. A ideia estava lançada e bem aceite por toda a cidade, tornando-se as marchas na maior manifestação etnográfica dos festejos de Santo António, com os desfiles e exibições habituais na Avenida da Liberdade e Parque Eduardo VII – à conquista do prémio para a melhor marcha, sempre efusivamente festejado por quem o alcança.
Até 1950 as marchas sofreram alguns interregnos, embora voltando sempre com nova vitalidade, colorido e maior esplendor. A partir de 1990 tomam ainda, se possível, maior relevo, integradas nas Festas de Lisboa, com o início dos festejos no dia 1 de Junho e a prolongarem-se até ao dia 30.
Em 1998 adoptou-se um novo figurino, com as celebrações a incidirem de 1 a 13 (finalizando com as marchas) abrangendo as áreas do Terreiro do Paço ao Largo do Chafariz de Dentro.
Em 1999 optou-se pela noite do dia 12 até 30 de Junho, com as festividades a decorrerem desde o Terreiro do Paço – onde foi armada uma praça e efectuada uma corrida de toiros, a lembrar tempos antigos – até à Praça de D. Luís. O calendário repetiu-se no ano 2000, contemplando as celebrações a zona ribeirinha e o Parque Eduardo VII.
Em 2001 manteve-se a mesma data, agora com os festejos espalhados pela cidade, oferecendo a maior diversidade no que respeita a animação, mas tendo como ponto central os bairros históricos. Actualmente, concorrem dezoito bairros (ou marchas), a que se junta a Marcha Infantil da Voz do Operário, saída pela primeira vez em 1966 e depois apenas em 1990 para continuar até hoje.
Aos festejos associaram-se em 1958 as «noivas de santo António», numa iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, com mais de uma dezena de casais unidos religiosamente numa única cerimónia, no dia 13 de Junho, iniciativa interrompida em 1973 e só retomada vinte e quatro anos depois (1997), mantendo-se nos anos seguintes.
As cerimónias litúrgicas contam, no dia 13, com missa de hora a hora, das sete da manhã ao meio-dia, celebradas na Igreja de Santo António. A procissão sai às dezassete horas, apenas com o andor do santo, para percorrer algumas das ruas de Alfama. No trajecto juntam-se ao préstito processionário os andores de São João da Praça, São Miguel, Santo Estêvão e São Tiago, patronos dessas paróquias.
No retorno, em frente da Sé, é proferida uma homilia por um bispo ou pelo próprio patriarca. As celebrações religiosas encerram com outra missa pelas vinte e uma horas.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.V
Ed. Círculo de Leitores
Foto: Marcha da Ajuda
. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...
. VARINAS
. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...
. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...
. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...
. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...
. REGRESSO
. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...
. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...
. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...
. BLOGUES A VISITAR