Ninguém sabe onde te escondes
Ou aonde te demoras
Todos os lugares são teus
Dás nome a todas as coisas.
És o rumo dos caminhos
Entre o destino e a poeira
Mas sempre o ponto de encontro
Que busco à minha maneira.
Aqui estou à tua espera
Do lado de cá do muro
Sem passado, sem presente
À mercê do meu futuro.
Só tu levas o meu sono
Feito de gelo e fogueira
Quisera estalar os dedos
E esquecer-te sem que eu queira.
Dar a mão a outra mão
Mesmo que desconhecida
Dividir o que não tenho
Ser a parte de outra vida.
Penhorar o mar e a Terra
Vestir o olhar de Sol
Procurar nas madrugadas
Um poema, uma canção.
Encontrar uma razão
Feita de esperas e sonhos
E depois dizer que não
Ao desencontro das horas.
Voltar sem pressa outra vez
A percorrer o relógio
E ver-te todas as vezes
Nos quatro cantos do mundo.
Quando achar novas de ti
Quem tu és e porque tardas
Visto um hábito de monge
Ato o cordão à cintura
E solto as palavras todas
Caladas, à tua espera
Neste meu poço sem fundo.
Soledade Martinho Costa
Do livro a publicar «Um Piano ao Fim da Tarde»
Tela: Christian Schloe
O Dia de Reis baptiza o manjar cerimonial da doçaria alimentar desta data: o «Bolo-rei», espécie de pão doce recheado e enfeitado com frutos secos e cristalizados, cuja tradição se espalhou por quase toda a Europa e alguns países da América (particularmente da América Latina).
Supostamente, a resultar do bolo janual, que os Romanos ofereciam e trocavam entre si nas festas do primeiro dia do Ano Novo. Ao bolo juntavam um ramo de verdura colhido num bosque dedicado à deusa Strénia ou Strena.
Do nome da deusa resultará o vocábulo francês étrenne (que significa «presente de Ano Novo») e a palavra «estreias», termo que, em certas localidades do nosso país, continua a utilizar-se para definir o acto de oferecer presentes de «boas festas» («dar as estreias»).
Se recuarmos no tempo, deparamos com as «estreias» (atrenua) relacionadas com mascaradas, banquetes, jogos e outras celebrações, realizadas pelos povos pagãos. Daí, no Concílio de Tours, em 567, ter sido sugerido que as «estreias» pagãs dessem lugar «às esmolas de carácter cristão e litúrgico», de modo a atenuar os vestígios do politeísmo.
Ao bolo janual e ao ramo de verdura acrescentavam os Romanos pequenas lembranças (tâmaras, figos, mel), com votos de bom ano, paz e felicidade. Este costume tornou-se depois mais exigente, acabando o oiro e a prata por substituir os singelos presentes.
Em diversos países foi hábito durante muito tempo introduzir no bolo uma pequena cruz de porcelana (que se juntava à fava, símbolo da fortuna), substituída depois por minúsculas figurinhas humanas.
Associados à quadra natalícia, mais propriamente ao chamado «Ciclo dos Doze dias» (que medeia o Natal e o Dia de Reis), vamos encontrar as «janeiras» e os «reis», que representam peditórios cantados na noite de Natal, de Ano Novo e de Reis.
Herança provável das próprias strenas romanas, a entoação dos cânticos tem por finalidade receber dádivas, que se revestem de um carácter alusivo e propiciatório, a remeter-nos, como noutras celebrações, para tempos remotos, em que se celebravam deuses e divindades pagãs ou eram pedidas ou oferecidas dádivas no início do ano comum, símbolo de bom augúrio, quer para quem as pedia, quer para quem as doava.
O costume, espalhado por toda a Europa em países como Portugal, Espanha, França, Itália e Alemanha, entre outros, continua a efectuar-se, com os seus seculares cânticos de religiosidade popular e festiva.
Formados por grupos de homens e mulheres, os «janeireiros» e «reiseiros», acompanhados ou não por músicos, percorrem os lugares, de porta em porta, a pedir oferendas em troca da entoação das «loas» ao Menino, às Janeiras e aos Reis. «Cantar os Reis», «Esperar os Reis», «Correr os Reis» ou «Tirar os Reis», são as denominações decorrentes destas praxes.
Também as «Reisadas» e as «Chocalhadas» se articulam no mesmo contexto, não deixando, ainda hoje, de fazer a sua aparição pelas nossas vilas, aldeias e lugarejos. As primeiras, constituídas por grupos (mais aproximadas às «Janeiras»), apresentam maior incidência na Beira Baixa, Estremadura e Ribatejo, embora façam a sua aparição noutras zonas do país. As segundas, efectuadas igualmente por grupos, têm por finalidade a barulheira e a gritaria festivas, com o bater de latas e outros objectos barulhentos e o soar de campainhas, chocas e chocalhos, enquanto procedem ao tradicional peditório «para os Reis». Noutros casos, o mesmo género de grupo limita-se à barulheira, omitindo as dádivas.
Com esta função, pretende-se, uma vez mais, pelo barulho, afugentar o mal e obter benefícios propiciatórios e profilácticos (à semelhança do ritual da noite da passagem de ano, com o bater de latas, de panelas, etc.) As «Chocalhadas» levam-nos às Sigilárias ou Festas Sigilares de Roma (sigilar de «fechar», em alusão ao «fechar do Ano Velho»), realizadas no primeiro dia de Janeiro, em que se fazia enorme barulho à porta de casa de cada um.
Igualmente provável é a celebração dos Reis resultar de antigos rituais ligados ao culto dos politeístas solares e da sua festa de consagração da luz do Sol no solstício de Dezembro, efectuada no Egipto sob o título Festum Osirid nati, ou Inventio Osirid, em data correpondente ao nosso 6 de Janeiro, designada pelos Judeus como Festa das Luzes ou Khanu Ka.
Há ainda quem sustente ter a comemoração do «Dia de Reis» origem nas festas romanas em honra de Jano (de onde provém o nome de Janeiro), o deus das duas faces: uma voltada para o passado, a outra para o futuro.
Soledade Martinho Costa
Segundo São Mateus – o único entre São Marcos, São Lucas e São João que narra o episódio dos Magos no Evangelho –, os três Reis Magos terão tido uma conversa com Heródes, que não se repetiu, visto, em sonhos, terem sido avisados para o não tornarem a fazer.
Conforme a tradição, ao chegarem a Jerusalém, os três Reis Magos não hesitaram em perguntar na corte de Heródes pelo recém-nascido, Rei dos Judeus. Pergunta que a todos surpreendeu e sobressaltou. Informados pelo próprio Heródes de que o Menino se encontrava em Belém, para lá se dirigiram, levados, de novo, pela estrela que os havia conduzido até à capital de Israel. Estrela que tinha desaparecido e voltado a surgir, para levá-los, agora, até à humilde casa onde, perante um modesto berço, depositaram os seus presentes.
Essa terá sido a conversa a que se refere São Mateus. Quanto ao aviso dos sonhos, apontava para que os Magos «regressassem às suas terras do Oriente, pelo vale e campo dos Pastores, atravessando o rio Jordão, perto da foz, no Mar Morto, de modo a evitar o caminho da capital, pois Heródes tencionava matá-los».
Como se sabe, foi Heródes Antipas, tetrarca da Galileia, quem julgou e condenou Jesus Cristo – que lhe fora mandado para esse fim por Pôncio Pilatos, governador da Judeia –, embora sabendo que Jesus Cristo não era culpado de crime algum.
Para fazer compreender aos judeus que lhes deixava a responsabilidade pela morte de Jesus, Pilatos mandou vir água, nela lavou as mãos e disse: «Estou inocente da morte desse homem.» Resultando dessa frase a expressão «lavo daí as minhas mãos», sempre que alguém declina responsabilidades face a determinado acto.
E foi por caminho inverso àquele que os levou até Jerusalém, que os três Reis Magos regressaram aos seus países de origem, para depois mais honrarem e glorificarem a Cristo, pregando e transmitindo a sua fé aos respectivos povos.
Segundo se supõe, os Magos, certamente gentios, adoravam o verdadeiro Deus, conhecendo também algo da religião do Antigo Testamento. Viviam, tudo o indica, no plano elevado do espírito, preparados no amor a Deus e à verdade que buscavam, os fortalecia e alentava, pois só assim se compreende que tenham iniciado uma tão longa viagem a terra estranha, onde o perigo constantemente os ameaçava.
Da sua verdadeira proveniência, com rigor e exactidão, pouco se sabe, nem os documentos antigos nos garantem coisa alguma. Uma das hipóteses para a sua pátria provável será a Arábia, célebre pelo incenso e pela mirra. Numa outra versão, por certo mais lendária, os Três Reis Magos seriam três irmãos vindos não apenas do Médio Oriente, mas também do Egipto e da Índia.
Em várias catacumbas romanas é frequente a representação dos Magos em pintura, embora sem identificação de nacionalidade ou de carácter pessoal. Na catacumba romana de Priscila, numa pintura do século II, aparecem de cabeça descoberta, transportando os seus presentes, junto a Nossa Senhora. Umas vezes figuram com longas capas ou mantos e outras de túnicas curtas e com gorros frígios (da antiga região do Centro da Ásia Menor) nas cabeças, sempre em grupo de três.
Mito ou veracidade, terá existido um livro, pertença de um povo radicado no Oriente, no qual se falava numa estrela e nos presentes que deveriam ser oferecidos a um Menino que viria a nascer.
Foram então escolhidos doze dos mais sábios homens desse povo, ligados à observação dos astros e ao estudo dos mistérios celestes, da adivinhação e da interpretação dos sonhos, que se constituíam numa respeitada classe sacerdotal da Média (antiga região da Ásia) e da Pérsia, para que se encarregassem de vigiar e aguardar a estrela anunciada.
Este facto vem confirmar as palavras de São Mateus: «Os Magos são homens sábios, zelosos, executores da justiça e da virtude, investigadores curiosos dos fenómenos celestes e praticantes sinceros da religião e do culto verdadeiro de Deus».
Apelidados de Magos, a sua vida a partir daí foi passada a orar e a esperar. Se um deles falecia, logo era substituído por um dos seus filhos, assim acontecendo até ao dia em que, finalmente, uma estrela surgiu no céu diferente das outras em tamanho e luz. Por sua indicação seguiram os Magos até Belém, na Judeia, onde adoraram a Cristo recém-nascido, num tosco estábulo, deitado sobre palhas, entre pastores e mansos animais.
O número de Magos foi entretanto reduzido de doze para três, por São Leão, o Grande – papa que salvou Roma da invasão de Átila, rei dos Hunos, povo bárbaro das margens do mar Cáspio. Por seu lado, Tertuliano, doutor da Igreja, acrescentava, no século III, à sua designação de Magos o título de Reis.
Soledade Martinho Costa
Tela: Jacques-Joseph Tissot
. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...
. VARINAS
. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...
. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...
. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...
. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...
. REGRESSO
. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...
. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...
. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...
. BLOGUES A VISITAR