Domingo, 24 de Janeiro de 2016

EXCERTO

Cópia de Cópia de IMG_3191.jpg

«… uma coisa que me é imprescindível são as casas e todo o enorme peso que elas descarregam nos nossos ombros. Que elas depositam neles, certas de que as entendemos, de que partilhamos com elas a sua vida, dentro de paredes, tectos, escadas, janelas, portas, objectos de toda a ordem com que as alindamos sem lhes pedirmos licença nem opinião. E as casas a consentirem, a gostarem de nós, a aceitarem o nosso gosto e jeito (ou a falta deles) para a decoração. Tenho a casa na aldeia da Beira Litoral há perto de vinte anos. Reconstruída dos escombros em que se encontrava. Liberta por mim das ruínas que lhe vestiam o corpo. Não deixar morrer as casas das nossas aldeias devia ser uma obrigação de todos nós (pese embora, mais do que nunca nos tempos que correm, os custos dessa possível ressurreição). Passo lá meses seguidos, numa aldeia onde habitam somente dezasseis pessoas. Assim como estou tempos infindos sem lá ir. Quando chego, antes de fazer seja o que for, subo ao primeiro andar para percorrer as divisões, uma por uma. O «itinerário» tem a finalidade de cumprimentar a casa, de a saudar, de lhe dizer: – Estou aqui de novo, voltei! Porque penso que a casa, a cada uma das minhas ausências, no silêncio das pedras, das madeiras, de cada um dos objectos que a preenchem, fica à espera de ser de novo habitada. De ouvir de novo as vozes, os risos, os passos, os ruídos habituais que lhe dão vida. Que a fazem respirar como se fosse gente. Com a nossa presença, as casas acordam do torpor que de tempos a tempos as faz adormecer, exaustas de saudades, devido ao nosso afastamento. Quando regressamos, tornam a ter vida própria, a partilhar: uma luz que se acende, a música que se ouve, o bater da porta, sempre que alguém entra ou alguém sai […]. Tudo isso volta a acontecer quando me preparo para passar ali um ou dois meses. Para mim, rever um quadro do meu saudoso amigo António Pimentel, uma peça de cerâmica de Rosa Ramalho ou de António Bronze, uma escultura de pedra de Gondramás (na serra da Lousã) do mestre Carlos Rodrigues, uma foto sobre a pedra cimeira do fogão de sala, a cadeira de baloiço ao lado da chaminé antiga de carvalho, um candeeiro (adoro candeeiros, quadros e cadeiras), o passar da mão, num afago, sobre as costas de uma cadeira ou o tampo de uma mesa, o ajeitar de uma almofada no canapé ou no cadeirão. Olhar os livros da estante, dar uma espreitadela ao jardim, mesmo à noite, tudo isso é revisitar aquilo que amo. Pode parecer um absurdo, mas eu sinto que amo as paredes da casa, as grossas e velhas traves de carvalho, as madeiras dos tectos, as pedras, os azulejos antigos e todos os objectos que foram preenchendo os espaços e os lugares que lhes destinei, com alegria, entusiasmo, amor. Na minha opinião, as casas e os objectos também podem (e devem) ser amados. Porque fazem parte de nós, porque abrigam neles os nossos projectos, as nossas alegrias, as nossas tristezas. E também a nossa vida, os dias que são os nossos e que gastamos a cada hora que passa. Conhecem-nos, protegem-nos, guardam a nossa privacidade e os nossos segredos.»

 

Soledade Martinho Costa

 

Do livro «Uma Estátua no Meu Coração»

publicado por sarrabal às 19:15
link | comentar | favorito
Quarta-feira, 13 de Janeiro de 2016

IMPOSIÇÃO

IMG_0302.JPG

Quero escrever todos os meus versos
E sentir livres os olhos e os pulsos
Na poesia não pode haver barreiras
Que lhe tolde a força dos impulsos.

 

Por isso
Só aceito os meus poemas
Quando os sinto vibrar nas minhas veias
Simples, é possível
Mas inteiros.

 

E chamem-lhe coragem ou revolta
A razão que me assiste é que me importa
Não escrevo, por defeito
Versos com paredes ao fundo.

 

Tenho, por mim
Chamar somente de poeta
A quem se debruça nos versos e resiste
A oferecer de si motivos que aprofunda
E rasga a alma toda e a liberta
A dá-la aos outros inteiramente nua.

 

Soledade Martinho Costa

 

Do livro a publicar «Um Piano ao Fim da Tarde»

Tela de Luís Ralha

 

 

publicado por sarrabal às 23:58
link | comentar | favorito

.mais sobre mim

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
14
15

18
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28
29
30

31


.posts recentes

. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...

. VARINAS

. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...

. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...

. ALENTEJO AUSENTE

. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...

. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...

. FIAR A SOLIDÃO

. REGRESSO

. PASTORA SERRANA

. MEU FILHO

. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...

. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...

. «AS CRIANÇAS DA GUERRA»

. NOVO ANO DE 2024

. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...

. DIA DE REIS - TRADIÇÕES

. NATAL 2023

. NATAL - O DIA SO SOL

. AS QUATRO MISSAS DO NATAL

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Março 2020

. Novembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Dezembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

.links

blogs SAPO
Em destaque no SAPO Blogs
pub