A sensação
Que aflora a minha pele
E se instala de manso
Em minhas veias
Confunde-me
Combate-me
Surpreende-me.
E a ruptura
Entre o olhar e os lábios
Acontece
Como se uma fronteira
Amanhecesse
Em engenhoso labor
Subterrâneo
A demarcar o gume das manhãs.
Aprisionada
Reconheço
Aceito o desafio.
No labirinto
Que enredeia
A dor e o sorriso
Bastará
Talvez
Uma palavra
Um aceno
Um só aviso.
E mais ímpia de mim
Vou pelos dias
Vestida apenas
Do espanto que professo
A procurar
Lá longe
Não sei onde
A chave
O mistério que se esconde
Entre a tortura
Das tuas mãos vazias.
Soledade Martinho Costa
Esta tarde (1/ 9/ 2013) liguei a televisão (caso raro) e o ar condicionado (está muito calor aqui no Algarve) e fui fazendo umas coisas, deixando-me ficar pela sala. De vez em quando, um olhar de relance para o programa «Sons de Portugal» e a festa de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego, emitida pela TVI.
O mesmo de sempre, para variar. O insuportável e repetitivo apelo para ligar o 760 qualquer coisa, ininterrupto, cansativo, exaustivo, a reverter para o feliz contemplado da dita chamada a quantia de 25 mil euros – uma fartura, comparada com as somas astronómicas que, desta forma simples e «inofensiva», vão parar aos cofres da PT.
A dada altura, eu nem queria acreditar no que via e ouvia. Ficam estas linhas a atestar a prova do meu espanto e da minha indignação. «Mas em que país é que estou? É este o meu país? O que fizeram ao meu país?», foi isto o que pensei e continuo a pensar.
Do grupo de artistas convidados (cantores que não conheço), surge no palco um cinquentão, gordo, bigodaças, a dar pelo nome de João Claro. Vestido de bombeiro e acompanhado por duas jovens igualmente vestidas (ou despidas) de bombeiras, com o fim de o acompanharem na «coreografia». Ouve-se a sirene dos bombeiros (que me arrepiou) e começa o tema, interpretado pelo dito «cantor» intitulado «Bombeiro nas horas vagas».
No meio dos incêndios ainda por extinguir, do medo dos reacendimentos que não dá tréguas às populações, das mortes, dos bens de muitas famílias irremediavelmente perdidos, da tristeza de vermos um país destroçado pelas chamas (o que ardeu em Portugal até agora foi igual ao que ardeu em todo o Mundo, ouvi no noticiário), aparece esta criatura, sem o menor pudor ou respeito, a cantar uns versos maliciosos, vestindo a farda daqueles que a honram, que arriscam a vida e a perdem, por uma causa nobre, como foi e tem sido o caso de há uns anos para cá, considerando-se este ano o pior de todos eles – incêndios ateados por mão criminosa, de que pouco se fala, preferindo-se atirar as culpas para «as pontas de cigarro deitadas fora ao longo das estradas pelos imprevidentes automobilistas»!
Quando o fogo andou tão perto do Santuário da Senhora dos Remédios, pergunto: quem põe mão nisto, neste descalabro, nesta vergonha, quem são estas personagens que infestam este Portugal que se deixa ultrajar por quem não o respeita? Quem nos defende e livra desta praga que nos entra pela casa dentro e nos ofende a troco de uns míseros euros – que a mais não deve chegar o seu cachet?!
Faço-vos um convite: vão ao Youtube e procurem João Claro e o tema acima citado («Bombeiro nas horas vagas»). Custa a acreditar. E mais: o «cantor» já esteve no programa da Júlia Pinheiro (Querida Júlia), a cantar o mesmo tema, tendo sido recebido pela apresentadora com as habituais gargalhadas, boa disposição e muitas palmas (como aconteceu em Lamego) de um público que não viu, decerto, as suas terras, os seus animais, as suas casas e o trabalho de uma vida inteira devastados pelas chamas.
Resta-me acrescentar que este vídeo desde há sete meses no Youtube, já conta com 22.850 visualizações. Custa-me dizê-lo, mas tenho vergonha do meu povo – ao contrário da Liliane Marise.
Soledade Martinho Costa
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