Quarta-feira, 20 de Junho de 2012

A LOUCA

 

Um grotesco chapéu

Posto sem arte

Um vestido sem cor

No corpo magro

E uma data

Perdida além do tempo

No jornal que espreitava pelo saco

Sempre agarrado à curva do seu braço.

 

Alcunhavam-na de louca

E o rapazio

Atirava-lhe pedras e chalaças.

 

Mas perante o escárnio e o desdém

Os seus gestos

Eram lentos e serenos

Embora o espanto

Marcasse as suas faces.

 

Mal a noite caía

Ela chegava

No seu passo hesitante

Quase a medo

Ao recanto mais escondido do jardim.

 

E ali ficava

Submersa pelas sombras

Nesse jeito suspenso

De quem espera

Um encontro marcado com alguém.

 

Não sei se adormecia

Se sonhava

Apenas sei que mal a madrugada

Vinha acordar de Sol o seu segredo

Ela partia

……………………….

Sabendo que voltava.

 

 

Soledade Martinho Costa

 

publicado por sarrabal às 13:43
link | comentar | favorito
Segunda-feira, 4 de Junho de 2012

POR MÃO PRÓPRIA - Responde: LÍDIA JORGE

 

À míngua da chuva/ que os não veste/ ao Sol se abandona/ a flor e o fruto. / Só da cigarra vem/ o som que despe/ no calor que se abriga/ em seu reduto.

 

DESABAFO: Exemplo de um desabafo bem sucedido – Certo político terá desabafado ao sair de uma reunião particularmente difícil com a senhora Thatcher, que acabava de conversar com os olhos da Greta Garbo e a boca de Estaline. Esse desabafo depois correu mundo. Cada político adaptou-o à sua maneira. Mitterrand, por exemplo, parece que trocou a Garbo por Marilyn. A boca, porém, essa foi sempre a mesma.

 

SUGESTÃO: Não se deve dar, só se alguém pede. Oferecê-la devagar e retirá-la logo que sobeje. Difícil a arte de sugerir. Entre a discrição e a sugestão, joga-se a arte suprema. É por isso que Bashô continua vivo. Relembro a lição da sugestão. Um discípulo de Bashô apresentou o seguinte haikur. Uma libélula, tirai-lhe as asas, uma pimenta. Ele sugeriu de outro modo: uma pimenta, colocai-lhe asas, uma libélula. Mas isso era o mestre dos mestres, e a sugestão foi pedida pelo discípulo.

 

DISPARATE: Fazer o díspar, o que não se insere na ordem, não entra na norma nem vai ao encontro do sentido comum. Tenho alguma experiência. Dizem que um parente meu, bastante pobre, no tempo do muito barato, ganhou trinta contos numa cautela. Seria o mesmo que receber agora 3.000, o que bem esticadinho daria para um fatinho, um transporte próprio, os alicerces duma casinha, e ainda um pequeno mealheiro, para quando fosse velhinho. Sim, ele comprou um Cucciolo, cumpriu essa parte. Nele fazia andar a malta toda da rua. Mas em vez da casa e do fato, e do mealheiro, comprou um acordeon para ouvir os outros tocarem, pagou vinho para todos beberem durante três anos, e com o resto comprou uma nova cautela. O disparate só aconteceu porque a segunda estava branca.

 

ESCÂNDALO: Ilumina a minha vida um grande escândalo de que tive conhecimento na infância. Certo padre era um bom padre. Carinhoso, querido, poeta, religioso. A igreja enchia até à porta. Aconteceu que engravidou várias raparigas ao mesmo tempo, e que algumas delas se iam suicidando.

 

APLAUSO: Os primatas aplaudem. Batem as palmas e fazem ruídos com os lábios, quando estão contentes. Também consta que pateiam quando estão desagradados. Se usam esse critério, e nunca se enganam, devem ser bastante sinceros.

 

EXPECTATIVA: O que vai acontecer às mega-superfícies. Das duas uma: ou servem para se comprar demais e sobrevivem, ou compramos só o que podemos e desaparecem. Mas se sobrevivem, das duas uma: ou passamos a poder comprar muito mais do que pensamos, ou são suportadas pelo Estado para servirem de abrigos, em caso de guerra nuclear. Não sou eu quem o diz. Disseram-me, quando me encontrava no interior duma daquelas caves, completamente desorientada, que a ordem provinha da NASA. Disseram-me que os subterrâneos dos Hipers não são garagens, são lugares de protecção. Haja muitos, então. Pois das duas uma: ou já estamos comprados ou já estamos vendidos.

 

PREOCUPAÇÃO: Devemos deixá-la para trás. Os portugueses dizem: deve-se deixar para amanhã o que não se pode fazer hoje. Mas os alemães vão mais longe e dizem aproximadamente assim: Senhor, faça que anoiteça. O amanhã virá por si.

 

EMOÇÃO: Meu Deus, estão a dizer que vem aí a Televisão! O meu filho aqui está, morto, por causa de uns tiros da polícia, mas se vem a Televisão, rápido, vizinha, traga-me os meus brincos de oiro.

 

AMOR: Açores, Setembro, uma enxurrada estival. A mulher agarrada às pernas do marido. Jesus, Jesus, que me leva a água! E o marido: larga-me, mulher, que se não eu vou também. Então a mulher abriu a mão e foi na corrente de água. O anjo do amor estava do outro lado a esperá-la.

 

SAUDADE: Sentimento muito bom. Faz os emigrantes voltarem à sua terra natal e construírem casas confortáveis. O parque habitacional português seria muito mais pobre se não fosse esse sentimento melancólico. Faz vender azulejos, discos, cassetes e vídeos. E ajuda muito, mas mesmo muito, quando lá fora se quer explicar onde fica Portugal.

 

SONHO: Que sonho? Sonhar acordado: já tudo foi dito, desde que comanda a vida, até que a descomanda. Prefiro o sonho dormido. Esse sim. No meio do lixo do pensamento, lá brilha um caco de prata. A pessoa debruça-se sobre o caco, e o caco é uma chave. Acontece duas ou três vezes na vida. Cuidado com a chave que se acha.

 

MEDO: A pessoa vem do medo e vai para o medo. O resto e a coragem são passagem…Devemos mantê-lo, diante das cobras vivas, das más-línguas, mas sobretudo perante os indiferentes. Ultrapassar o medo pode ser o objectivo da vida. O medo que mais me tocou li-o em «Os Canhões de Navarone». Havia por lá alguém que tinha muito medo, que o superou, e logo esse, quando o tinha superado, foi atingido. Creio que era assim. Nessa altura, pensei que a história do medo duma pessoa é exactamente igual à história da vida da pessoa.

 

INTIMIDADE: Conheço muito bem. Princesas nuas em capas de revista, dizendo segredos aos ouvidos dos amantes. Mas há outras espécies de intimidade, mas dessas só se deve falar na intimidade.

 

FIGURA PÚBLICA MAIS: O senhor Francisco contou-me que ao deixar a sua casa no Alentejo, nos anos 40, o pai deu-lhe a bênção e disse-lhe: Francisco, não deixes o teu nome vir no jornal. Nem por bem nem por mal. E ele gaba-se de ter cumprido a promessa que fez ao pai.

 

FIGURA PÚBLICA MENOS: Os pais das figuras públicas menos disseram-lhes exactamente o contrário e elas cumpriram.

  

CALENDÁRIO: Há os que têm paisagens, os que têm lindos cães, figuras do cinema e até da política. Por mim, prefiro os que são usados por serralheiros e camionistas: raparigas rechonchudas, olhos enfiados no destinatário, rabos nus. Não, não me espantavam só na infância, que já vai bem longe. Encontrei um calendário desses, a preceito, há pouco, numa garagem de automóveis. Para que serve, senhor Mateus? «Ora, ora, para matar o tempo». Aí temos para que serve um calendário.

 

Ideia e coordenação: Soledade Martinho Costa

In Notícias Magazine/1999

 

Nota - Quando convidei Lídia Jorge para responder a este «P.M.P.», recebi um telefonema seu «para trocarmos impressões». Eu estava no Algarve a Lídia em Lisboa. Dias depois, chega-me o texto, que deixo hoje no «Sarrabal». Uma delícia! Relendo-o, ao fim de todos estes anos, continuo a ter a mesma opinião: delicioso!

Já conhecia Lídia Jorge de alguns eventos, já tínhamos conversado. Não esqueço a sua preciosa contribuição escrita quando da saída do meu livro «6 Histórias Numa História de Todas as Cores», cujos direitos autorais foram direitinhos para as crianças do CEBI, Instituição de Solidariedade Social localizada em Alverca do Ribatejo. 

Nestes últimos anos não nos temos visto nem falado muito, é verdade. Mas o importante é que a amizade se mantém – acrescida da minha grande admiração pela sua vasta obra. Obra que lhe valeu, até agora, 14 dos mais importantes prémios literários atribuídos em Portugal e no estrangeiro. Vejamos: Prémio Malheiro Dias/ Academia de Ciências de Lisboa; Prémio Literário Cidade de Lisboa; Prémio Dom Dinis/ Fundação Casa de Mateus; Prémio Bordalo de Literatura da Casa da Imprensa; Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores; Grande Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores; Albatroz/ Prémio Internacional de Literatura/ Fundação Gunter Grass; Prémio Speciale Giuseppe Acerbi, Scrittura Femmenile; Prémio da Latinidade, João Neves da Fontoura/ União Latina e Prémio Jean Monet de Literatura Europeia, Escritor Europeu do Ano.       

Natural de Boliqueime (a dois saltinhos da minha casa, em Montechoro, Algarve), bonita, gentil, discreta, os seus livros, além do Brasil, estão traduzidos em mais de 20 línguas. E não se esqueceu das crianças. Para elas, Lídia Jorge escreveu O Grande Voo do Pardal e Romance do Grande Gatão.

Querida Lídia, deixou-lhe esta surpresa (tão actual como há 12 anos) e «um abraço de escolha», como escreveu na dedicatória do seu (meu!) livro Notícia da Cidade Silvestre. Até breve (espero)!

 

S.M.C.   

                                                         

 

publicado por sarrabal às 20:25
link | comentar | favorito
Sexta-feira, 1 de Junho de 2012

1 DE JUNHO - DIA MUNDIAL DA CRIANÇA

 

Neste dia, senhores, meditemos a fundo:

Na guerra

Nos crimes

Nos horrores

Que nós, a humanidade

Temos doado à Criança

Em todo o Mundo.

 

A fome

O medo

A humilhação

A falta de instrução

A orfandade.

 

Será só Mal

O que temos na vontade

De oferecer à mão pequena que se estende?

 

Meditemos a fundo

É tempo de fazer parar o monstro.

 

Saibamos receber cada criança

Que venha a este Mundo

Sem lhes traçar no corpo uma cruz negra

Sem exigir mais pranto nos seus olhos

Que um só vagido seu seja um Direito

À Vida, à Liberdade e ao Amor.

 

Transformemos as cinzas em flores

É preciso acordar a Primavera

Que as crianças desejam ver florir.

 

Por isso, meditemos, meus senhores

Meditemos a fundo, que é Urgente

Deixá-las correr num Mundo Novo

Atrás de borboletas com asas de mil cores.

 

Soledade Martinho Costa

 

publicado por sarrabal às 02:36
link | comentar | favorito

.mais sobre mim

.pesquisar

 

.Março 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
14
15

18
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28
29
30

31


.posts recentes

. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...

. VARINAS

. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...

. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...

. ALENTEJO AUSENTE

. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...

. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...

. FIAR A SOLIDÃO

. REGRESSO

. PASTORA SERRANA

. MEU FILHO

. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...

. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...

. «AS CRIANÇAS DA GUERRA»

. NOVO ANO DE 2024

. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...

. DIA DE REIS - TRADIÇÕES

. NATAL 2023

. NATAL - O DIA SO SOL

. AS QUATRO MISSAS DO NATAL

.arquivos

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Março 2020

. Novembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Dezembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

.links

blogs SAPO
Em destaque no SAPO Blogs
pub