Ao fim de tantos anos
O que resta
O que se aproveita do tempo que passou
Quem nos devolve tudo o que não teve
Nem sequer direito de ter voz?
Quanto deserto e só este caminho
Quanta lágrima caída sobre a terra
Quanta alegria fingida
Quanto medo
Quanto filho distante
Quanta guerra.
Ao fim de tantos anos
O que resta
O que se aproveita do tempo que passou?
A esperança do que se espera em vão
Os dias adiados
O Sol da Liberdade conquistada
Que a mais não se guindou
Nem povo nem Nação?
Ao fim de tantos anos
O que resta?
O hábito aguerrido desta luta
Que se colou à flor da nossa pele
Num desbravar de sonhos que não somem
Uma canção
Um cravo
Uma bandeira
Ou a vontade que há-de haver maneira
De renascer para a vida cada homem?
Soledade Martinho Costa
O povo chama-lhe Senhora do Circo, mas o seu nome é Senhora do Círculo, derivando o nome da santa, supostamente, do muro circular de pedra que rodeia o santuário, com uma bancada corrida no sopé. As chaves da capela, situada na serra do Sicó, encontram-se na posse alternada de três aldeias próximas: Furadouro, Casmilo e Vale de Janes.
Junto à ermida, ao que se julga datada do século XII ou XIV (hoje descaracterizada, visto os anexos e o alpendre terem sido modernizados), pode observar-se um pequeno púlpito, em pedra, de forma cilíndrica, ao que se julga, eregido aquando da construção deste lugar de culto.
Lá do alto, avistam-se as serras do Buçaco e do Caramulo e a própria serra da Estrela, em dias de Sol, mostra as suas povoações mais elevadas. O olhar leva-nos ainda a distinguir toda a costa, desde Ovar a Peniche, à Figueira da Foz e aos campos do Mondego.
A seus pés, vertentes, socalcos, montes e encostas vestidos de tojo, de flores silvestres, de pedras cinzentas e milenárias. Depois, como um tapete, desde a base da serra e ao redor das aldeias, o vale fértil, a terra lavrada, amanhada, de semeio (batata, tremoço, aveia, cevada, trigo), tratada pelas mãos das gentes que olham cá de baixo o alto da serra e pedem à Senhora que as colheitas sejam fartas, que a chuva venha a tempo, ou cesse, quando desnecessária.
Ainda hoje, mais raramente, quando a seca se faz sentir, o povo dirige-se para a Senhora do Círculo, subindo em procissão até ao cume a entoar ladainhas de rogação, para implorar à senhora a chuva que tarda. Nessas ocasiões, não raras vezes, como dizem, «a chuva bendita acaba por vir brindar a penitência, a devoção e o pedido, antes mesmo do cortejo iniciar a descida da serra».
A imagem gótica da Virgem, que segura o Menino com o braço esquerdo e espalma a mão direita levantada em gesto de bênção, tem duas romarias anuais: uma no domingo seguinte ao domingo de Pascoela, a outra no Dia de Ascensão. Supõe-se, todavia, que mesmo antes da feitura da imagem, aquele lugar fosse já local de culto dos habitantes pré-romanos e romanos de Conímbriga e de outras povoações.
Ali acorriam, em tempos mais recuados, romeiros de todos os lugares de Coimbra, chegando alguns a pernoitar junto à capela. Mesmo os pescadores de Buarcos (Figueira da Foz), que do mar avistam a capelinha da santa, vinham em cumprimento de promessas.
Em dias de romaria, dirigiam-se à capela diversas procissões idas das aldeias de Redinha, Tapeus, Ega, Anços, Condeixas, Zambujal, Arrifana, Poço, Vale de Janes, Casmilo e Furadouro. Em 1721, consta que a elas se juntou a procissão da aldeia do Sebal, na intenção de pedir à Senhora do Círculo que livrasse as suas terras do «pulgão e da lagarta da vinha». E, conforme diz o povo desse lugar, «foi tão milagrosa a resposta que, daí em diante, sempre que necessitavam de ajuda, recorriam à santa, sendo certo que, no regresso, as terras estavam limpas de pragas».
No interior da ermida (segundo informação paroquial registada no ano de 1721) terá existido uma pia baptismal. As mulheres que esperavam filhos prometiam então à santa ir ali baptizá-los, «para que a Virgem fosse a sua protectora», implorando-lhe ainda «uma boa hora».
Por motivo dessa crença, a romaria efectuada depois da Pascoela, era conhecida outrora por Festa dos Meninos, facto que continua a fazer com que as famílias mantenham a tradição de levar consigo as crianças.
Actualmente, os romeiros já não fazem a íngreme subida da serra a pé, por carreiros e atalhos, como se fez até meados de 1975, levando as mulheres cestos à cabeça, para vender «os bolos da festa», ou água em cântaros de barro, «vendida ao pucarinho àqueles que tinham sede». Agora, o percurso é feito de carro e as tendas armadas ao redor da capela oferecem um pouco de tudo – embora a maioria dos romeiros não dispense a merenda levada de casa.
O que ficou do passado são as «rosas cucas», silvestres, que se vendem ainda hoje em raminhos «benfazejos» a quem vai à romaria. Noutros tempos, não havia quem as não trouxesse, juntamente com uma estampa da senhora, presa no chapéu (os rapazes) ou ao peito (as raparigas).
Moinho de vento na serra do Sicó
Pelas aldeias que levam à ermida, os caminhos vestem-se, igualmente, de oliveiras, nogueiras, vinhas, milheirais, papoilas, malmequeres e espigas de trigo – a lembrar os moinhos (já poucos) que por aqueles lados insistem em moer o grão, cuja farinha as mãos experientes das mulheres transformam no saboroso pão que continua a ser cozido ali nos velhos fornos de lenha, particulares ou comunitários.
A romaria que se realiza após a Pascoela, além do cumprimento de promessas, comporta missa campal, seguida de procissão ao redor da capela – antigamente três voltas, agora uma só –, onde se fazem representar os estandartes das aldeias presentes. No final da tarde é rezado o terço em conjunto, a anunciar o termo da romagem.
Soledade Martinho Costa
Rosa Cuca
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. IV
Ed. Círculo de Leitores
Tradição antiga, verifica-se em Almalaguês (Coimbra), na segunda-feira de Pascoela, quando os habitantes da freguesia, em cortejo processional, se dirigem à Ermida de Nossa Senhora da Alegria, construída em 1634 e reformulada no século XVIII, situada num outeiro, a que dão o nome de Castro, por caminhos difíceis e pedregosos, sempre a subir e a entoar os cânticos religiosos da ladainha.
Na ermida realiza-se missa com sermão, cumprem-se as promessas e, na volta, «traz-se a sesta». Ou seja, a partir de «segunda-feira da Senhora da Alegria», passa-se a dormir a sesta, uma vez que os dias são por essa altura bem mais longos, a exigir o descanso após o «jantar» («almoço», no dizer local), para recuperar as forças, que a lida dos campos não dá tréguas e começa cedo.
O mesmo acontecia antigamente na vila de Alpalhão (Portalegre, Alto Alentejo) no dia 3 de Maio, chamado ali «o primeiro dia da sesta», por ser a partir dessa data que eram permitidas aos trabalhadores rurais duas horas diárias para descanso.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. IV
Ed. Círculo de Leitores
Foto: Jorge Barros
Festa de índole marcadamente religiosa, que remonta, segundo parece, ao século XIV, era promovida, primitivamente, pela Confraria de Nossa Senhora dos Milagres no domingo de Pascoela – data que se mantém ainda hoje. Por essa altura, comportava uma procissão pela vila, dois sermões e missa cantada, e um bodo de pão distribuído aos pobres.
Com o decorrer dos anos, o bodo acabou por transformar-se na feitura de um «pão ázimo» (que não leva fermento), costume que também se foi perdendo, acabando o ritual da festa por assentar, posteriormente, na feitura do chamado «bolo santo», «bolo da Virgem» ou «bolo da Senhora», com o qual, embora de modo diferente, se pretendeu preservar a antiga tradição.
No sábado anterior ao domingo de Pascoela, à noite, dispunha-se num local amplo, oito masseiras, encostadas umas às outras, a formar um rectângulo. Nelas se deitava a farinha, amassada depois («tomada», no dizer local) por dezasseis rapazes, virados de frente uns para os outros, escolhidos entre os mais robustos do lugar. À operação assistia a população local e vinda de fora, formando-se dois grupos, homens e mulheres, para entoar as «alvoradas» (cânticos populares de exaltação à Virgem).
A massa era estendida em sete camadas (os sete dias da semana), servindo a da última masseira para os enfeites: quatro pinhas, simbolizando o incenso; duas pombas, significando o Espírito Santo; duas palmeiras, representando a árvore do Paraíso, tendo de cada lado uma serpente bíblica, e a coroa, alusiva à realeza de Nossa Senhora.
O pão ázimo ficava a cozer quase a noite inteira na «casa do forno», (utilizado apenas uma vez por ano, para este fim), sendo retirado na manhã seguinte e colocado num andor enfeitado com flores e verdura. Nesse mesmo dia (domingo de Pascoela), à noite, saía uma procissão da Igreja de Nossa Senhora da Assunção (padroeira de Cernache) para ir buscar o bolo à Rua do Forno, ou Rua de Trás do Relego, percorrendo todo o lugar para regressar de novo à igreja.
Na segunda-feira, com a ajuda de um serrote, partia-se o pão em pedacinhos, levados para uma das padarias da terra e metidos no forno, de forma a perder qualquer humidade que tivessem ainda (para «enxugar», como se dizia).
Neste dia tinha lugar a procissão principal, onde desfilava a imagem de Nossa Senhora dos Milagres (em madeira), a que o povo chamava a «criada», por ser aquela que saía à rua, uma vez que existia uma outra imagem, em pedra de Ançã, que permanecia no altar por ser muito pesada.
Extremamente endurecidos, os pedaços de pão eram dispostos depois em pequenos açafates, colocados na igreja, para que as pessoas os levassem para casa, «não para os comer, mas com intenção de benefícios», como «a protecção do lar, das trovoadas e dos raios, das doenças, do mau-olhado e das traças». Ainda hoje «existem famílias em Cernache que guardam, religiosamente, pedaços desse pão» – feito pela última vez há perto de cinquenta anos.
No início dos anos sessenta, a tradição do pão ázimo passa a bolo doce. A partir daí, o «bolo de Nossa Senhora» começou a ser feito por encomenda em pastelaria, apresentando, embora nem sempre, os mesmos sete andares e os seus símbolos característicos. Actualmente, o bolo é cortado e distribuído pelas escolas da freguesia, destinado às crianças – não se perdendo, de todo, o sentido dos poderes benéficos que o povo lhe atribui.
Na aldeia de Cernache, conhecida por «Cernache das cebolas e dos alhos», devido à abundância e boa qualidade destes produtos que os seus campos produzem – dali vão as enrestiadas, principalmente, para a Feira das Cebolas ou Feira de São Bartolomeu, em Coimbra, para Soure e para Montemor –, costuma dizer-se (porque quase sempre chove na segunda-feira de Pascoela), que «a chuva é a bênção da santa».
O PÃO ÁZIMO
Embora associado às festas ligadas aos trabalhos agrícolas do povo judeu – em particular à da primeira colheita da Primavera: a da cevada –, o pão ázimo (matsot) encontra-se, na sua origem, vinculado à Páscoa judaica, celebrada durante sete dias, em que na Palestina, os Judeus, na semana que se lhe seguia, somente comiam deste pão, cozido na véspera da Páscoa, em memória dos seus antepassados maiores, que haviam feito uma refeição com pão ázimo, que não teve tempo para levedar, ao saírem do Egipto, pondo fim à escravatura.
Com efeito, dos alimentos rituais simbólicos da tradição pascal judaica fazem parte três pães ázimos, representando as três classes do povo judeu: Cohen, Levi e Israel, ou ainda os três patriarcas: Abraão, Isaac e Jacob.
Também Jesus Cristo, segundo crê a Igreja Católica, se serviu de pão ázimo na Última Ceia com os Apóstolos. Daí a razão de se utilizar este pão durante a celebração da missa.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol. III
Ed. Círculo de Leitores
Presume-se que «o folar do padre» tenha ligação com o antigo costume das «reconhecenças» e dos «afolares», que consistiam nos salários aos confessores, actualmente designados por «côngrua», ou «digna sustentação do pároco».
A praxe de se introduzir uma moeda numa laranja (símbolo da fecundidade, visto o seu interior se multiplicar, ao dividir-se em gomos) colocada sobre a mesa pascal, quando do «compasso» (visita do padre aos paroquianos na altura da Páscoa), poderá significar a prosperidade, em função do trabalho agrário, recompensado, materialmente, pela generosidade da terra fecundada.
Outra versão, numa visão mais sacralizada, associa a moeda ao «metal que matou Jesus» (por analogia às moedas e à traição de Judas), ou à tradição que nos fala de São Longuinhas, o soldado romano, convertido depois ao cristianismo, que atravessou com a sua espada o coração de Cristo, acto quase de misericórdia face ao seu sofrimento na cruz.
Uma terceira variante (Minho) refere que a laranja com a moeda cravada serviria, tão-só, como indicação para identificar as casas que «já tinham mandado entregar na igreja o folar do padre». Isto é, o sinal ao próprio pároco, no dia do «compasso», de que «o pagamento havia sido antecipado».
Existe também a suposição de este rito representar «um hábito judaico, para dar sorte e trazer abundância aos donos da casa».
A laranja simbolizará, igualmente, «o coração de Cristo», enquanto os ovos (imagem do início da vida) significam a Sua Ressurreição, ou seja, «o túmulo do qual Cristo ressuscitou, vencendo a morte».
Embora a praxe tenha caído em desuso, ainda hoje, em Cernache (Coimbra) e em certas aldeias da Beira Alta (arredores de Viseu e de Moimenta da Beira) se conserva o costume de colocar uma moeda actual (ou antiga, quando a há) cravada numa laranja, pêro ou maçã, e um prato com ovos sobre a mesa pascal.
O mesmo acontece em diversas localidades de Idanha-a-Nova, onde a moeda é cravada numa das laranjas que estão dispostas num prato ao lado de outro com ovos. Antigamente, dizem, «era o próprio padre que retirava a moeda da laranja».
Noutras aldeias da Beira Alta, em vez da moeda, espetam na laranja, colocada no centro de um prato com ovos, uma camélia. Para embelezar, dizem uns, como reminiscência da tradicional moeda, dizem outros.
Não é menos verdade que a escolha da laranja poderá estar relacionada com o facto de ser o único fruto que o Inverno nos oferece com abundância. Por isso se diz, ainda em Cernache, «as laranjas só são boas depois de abençoadas» – referindo-se o povo ao «compasso». Embora se possa relacionar o ditado, eventualmente, com a doçura do fruto: quanto mais para a frente, depois da Páscoa, mais doce a laranja será.
Em muitas destas aldeias, em anos relativamente recentes, o pároco deslocava-se à casa dos paroquianos, acompanhado de duas mulheres com canastras à cabeça, para nelas recolher o «folar», ou seja, as ofertas que lhe eram destinadas: milho, trigo, feijão e, principalmente, galinhas, escolhidas entre as melhores da capoeira – «a galinha do padre», ou «a galinha do folar». Principalmente na Beira Baixa, da comitiva do padre fazia parte um acólito que transportava uma bolsa de veludo destinada a recolher «o folar do padre» (dinheiro).
Hoje, em certos lugares, é costume o padre mandar entregar em casa dos paroquianos, dias antes da visita pascal, uma carta, com algumas palavras, onde expressa os votos de «Páscoa feliz», retribuindo quem a recebe com o usual «folar do padre», entregue depois na igreja.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Festas e Tradições Portuguesas», Vol.III
Ed. Círculo de leitores
. ANIVERSÁRIO DA MORTE DE N...
. VARINAS
. VERSOS DIVERSOS - O CONSE...
. LEMBRAR ZECA AFONSO - 37 ...
. A VOZ DO VENTO CHAMA PELO...
. CARNAVAL OU ENTRUDO - ORI...
. REGRESSO
. 20 DE JANEIRO – SÃO SEBAS...
. UM OLHAR SOBRE A PAISAGEM...
. AS «JANEIRAS» E OS «REIS»...
. BLOGUES A VISITAR