Enquanto se mantém / prazo e percurso / suster na mão a luz de uma candeia. / Perdida sem recurso / causa e custas / contra o sinal / o Ferro / a Idade do Mundo / que da Terra fez fugir Astreia.
DESABAFO: O capitão MasKarof chegou a nossa casa, respirou fundo e pendurou no cabide a ténue camisinha rendilhada. Entrou na sala, pigarreou e exibiu a gorda peitaça coberta de pelos ruivos. Abraçou-se ao fogão. Lá fora nevava intensamente. Um cheiro áspero a pelo ruivo queimado impregnou a sala. Masha, resignada, despiu a pashka, dobrou-a em quatro e meteu-a na arca.
SUGESTÃO: Discos voadores, raptos por alienígenas, por bruxas, por lobisomens e por grossas maçarocas de milho painço. Cura de verrugas.
DISPARATE: O comandante português de um pelotão de fuzilamento italiano. Mentiu nas habilitações. Só falava italiano de ouvido. Dos filmes. Deve acrescentar «ma prego!».
ESCÂNDALO: Velho latinista muito analfabeto, irritado, a mandar escandir Virgílio. Pode apontar o dedo nodoso e acrescentar «pá!».
APLAUSO: Ver Suetónio. Os Doze Césares. Tradução (donde?) Gaspar Simões. As maneiras de aplaudir inventariadas por Nero: «em escada, em telha», e não sei quê…
EXPECTATIVA: Há quem escreva com esse. Há quem discuta isso.
PREOCUPAÇÃO: Era uma vez um rei que tinha três filhas.
EMOÇÃO: Lê-se imoção. Os locutores que não sabem nada de gramática dizem «émoção ou «âmoção». Devia haver um benemérito, razoavelmente estipendiado, que ensinasse aos televisivos e radiais que o «e» e o «i» têm vários valores no português padrão. Por exemplo, que dizer virilha em vez de «verilha», ministro, em vez de «menistro», civilização em vez de «civelização», ou vizinho em vez de «vezinho» é a razão para um aterrador despenhamento cultural. O Rodrigues Guedes e o José Alberto, ambos de Carvalho, que manifestamente se interessam por estas minudências, bem que podiam explicar aos colegas e demais. Com paciência e sem autoritarismos, o Rangel não pode saber. Olhem que ele despede…
AMOR: Anagrama de Roma.
SAUDADE: Pobre, pouco intenso. A gente cá não tem jeito nenhum para esses sentimentos. Prefiro o inglês «to long for» ou mesmo «to miss». Tem mais alma, mais «feeling».
SONHO: Há quem prefira com calda de açúcar. Eu, com mel. Mas só pelo Natal. Conheci um tipo que encomendou sonhos pelo Verão de São Martinho e aquilo não ligou bem com as castanhas. Há vinte anos que está em coma, há-de ir. O dr. Mendes Mem acha que se deve desligar o ventilador. Mas o professor Mem Mendes opõe-se: «Enquanto ele sonhar, nunca!».
MEDO: Persa antigo. Usava escudo de vime e vestia umas trapalhadas às bolinhas. Tinha muito medo do sátrapa, mas ainda mais de um moço chamado Alexandre, célebre batoteiro, cortador de nós desatáveis, que não olhava a meios.
INTIMIDADE: O general Eanes para Mário Soares, depois de um certo discurso em que proferiu umas verdades: «Você está intimidade?».
FIGURA PÚBLICA MAIS: Afonso Costa, na avenida do mesmo nome, figurado por uma base redonda de mármore, de que emerge uma espécie de ponteiro de relógio de sol gigantesco que deita água fora do sítio. Acho que a água representa os bigodes e a base redonda o anticlericalismo. Mas o autor do monumento ainda não se explicou.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Aquele desinfeliz autarca do Porto que anda sempre a falar de bola (coitado, na educação que lhe deram convenceram-no de que aquilo era importante) e que censurou um determinado governante por haver confundido Tomás More com Tomás Méne. MÉNE!!! E não se pode escolarizá-los?
CALENDÁRIO: A vida é folha que cai; a vida é folha que sobe; a vida é ronha que mói; a vida é coisa de snob; a vida é o lobbie do pai; a vida é o Job do boy; a vida é a telha de Job, etc…(com a devida vénia ao vilipendiado poeta).
Ideia e coordenação: Soledade Martinho Costa
In Notícias Magazine/1999
Nota - Conheci pessoalmente Mário de Carvalho num dos Encontros de Escritores Portugueses, que se realizou na Fundação Calouste Gulbenkian. Por essa altura os escritores começavam a trocar as máquinas de escrever pelos computadores. Disse-me maravilhas. Mais tarde dei-lhe toda a razão.
Conheci-o também como advogado e especialista internacional em direitos de autor. Necessitei do seu auxílio numa causa que perdi – embora algumas consciências suportem o peso de saberem que a ganhei. Águas passadas, até porque quem me prejudicou (e não apenas a mim) já não está entre nós. Depois, fomos falando mais umas quantas vezes.
Ao mesmo tempo, fui conhecendo a sua obra, que considero excepcional. A sua escrita, salpicada de ironia, por vezes desconcertante, onde a sátira e a crítica andam a par, tão pessoal, tão simples e erudita ao mesmo tempo, deslumbra-me. Dá-me boa disposição, acabo por rir. Ainda que, por vezes, fique indecisa, até encontrar a «chave» que dá sentido ao seu sentido de humor.
Prémios literários? Já recebeu todos os que são importantes: 12 e mais 1 pelo conjunto da sua obra: romancista, contista, dramaturgo e argumentista.
Neste período que o País atravessa, acabo a dizer-lhe que os seus livros são tão necessários como a fonte onde se mata a sede. Tão necessários, Mário de Carvalho!
Agora, diga-me, a publicação deste seu texto foi ou não foi uma surpresa?
Um abraço muito amigo.
SMC
«As Pombas» (2005), LUÍS FERNANDO RALHA
Homenagem ao Pintor LUÍS FERNANDO RALHA, Amigo da minha juventude, quando ambos apenas sonhávamos o caminho que a vida já nos traçava por esses anos...
Se o dia vier ao Mundo
Em que o gelo nos aqueça
E o Sol no céu arrefeça
O calor das nossas veias
Esse será o sinal;
Decerto que a nosso lado
Alguma coisa acontece.
E se o riso
Que ontem vinha
Alegrar a nossa face
Morre aos poucos
Esmorece.
Nesse dia pedirei
A quem tiver
Por dentro de cada dia
Nada ter
A força que tem o vento
Que atravessa o pensamento
E liberta a nossa voz.
Nesse dia pedirei
À pressa que tem a vida
Que modere essa corrida
Da nascente até à foz.
E se ao longe há um veleiro
Que se perde atrás do mar
Que se afunda em nosso olhar
Onde a água é nevoeiro.
Chamarei
Companheiro desta dor
E da raiva cada vez maior
Aperta na minha mão
O que a tristeza juntou.
Na estrada que percorremos
A desdita é coisa pouca
Comparada ao que sobrou.
Nesse dia pedirei
A quem tiver
Por dentro de cada dia
O amor.
Soledade Martinho Costa
Um amigo meu, residente em Alverca do Ribatejo, possui uma casa na Mixilhoeira Grande, no Algarve. Recentemente, foi até lá passar uns dias.
Numa das noites, dormia ele descansado, quando acordou em sobressalto com um valente estrondo que provinha da parte fronteira da casa.
Acontece que junto à residência do meu amigo fica um dos míticos restaurantes do Algarve, «onde se come divinamente e em português», como alguém já escreveu. Trata-se do conhecido «Vila Lisa» (curiosamente, nome a juntar os apelidos dos dois proprietários e cozinheiros).
A clientela é muita (actualmente só com marcação), vêem-se por lá nomes famosos (Mário Soares é um deles), os pratos são divinais (numa refeição provam-se nunca menos de seis ou sete) e a simpatia e amabilidade dos proprietários, a circularem entre as mesas e a cozinharem à vista de todos fazem o resto.
Voltando ao meu amigo (que o Vila Lisa não precisa da minha publicidade), nessa noite, embora já um pouco fora de horas, continuava estacionada no pequeno largo fronteiro ao restaurante, uma caravana. Os proprietários encontravam-se, naturalmente, no Vila Lisa e, ao que parece, sem grande vontade de se levantarem da mesa.
Bem jantados e melhor bebidos, soube depois o meu amigo, ao entrarem na caravana deu-se o inevitável. Contrariando o slogan «se beber não conduza», numa manobra orientada pelo álcool, lá foram embater e derrubar a varanda do meu amigo. Daí, o estrondo e o susto. Depois? Depois puseram-se em fuga!
E como é costume dizer-se «gato escondido com rabo de fora», com a força do embate a matrícula da caravana soltou-se e ali ficou, no empedrado, à espera que o meu amigo a fosse buscar e entregar na polícia. Foi o que fez. Os autores da proeza estão já identificados. Azar deles, sorte do meu amigo.
Resta saber se os fugitivos terão «apetite» para voltar ao Vila Lisa!
Soledade Martinho Costa
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