Esperar
Esperar sempre
Mesmo
Quando já nada se espera
E desespera.
Mesmo
Quando o desespero
Nos condena
Ao cumprimento de uma pena
Sem metas e sem rumo
Igual ao peregrino
Caminhar sem rota de um romeiro.
Sem grades
Sem muros
Sem a chave
Na mão do carcereiro.
Ainda assim
Cativo
O meu olhar
Refém do que procuro
Busca o farol
A luz
A chama
Que teima
Em decifrar
A razão do destino
Onde ainda me aventuro.
Soledade Martinho Costa
Tempos atrás, anunciei a publicação no Sarrabal, de 24 textos assinados por igual número de prestigiadas figuras públicas, trabalho esse publicado em 1999, semanalmente, durante seis meses, na revista Notícias Magazine (Diário de Notícias).
Por entender que se trata de um testemunho importante, de nomes ligados à Literatura, ao Teatro, à Música, à Ciência ou à Política, absolutamente actual, embora estejamos em 2011, resolvi dar início à respectiva publicação.
Começo por um nome dos mais consagrados do nosso Teatro: Eunice Munhoz. Outros irão seguir-se, intervalados com novos posts. Que o trabalho agrade aos leitores do Sarrabal, tanto como agradou aos leitores da Notícias Magazine – e a mim própria por tê-lo realizado. Fica, ainda, uma palavra de renovado reconhecimento aos meus ilustres convidados.
Soledade Martinho Costa
Actriz/ é habitar um palco./ Ser Fédora/ ou Zerlina/ a Castro/ a Mãe Coragem./ Aquela/ que por dom das musas/ ou de Talma/ consegue ser da Arte/ a própria imagem/ ou a Arte ela própria/ em corpo e alma.
S.M.C.
DESABAFO: Por vezes, traz-nos problemas. Tem de ter sempre uma direcção certa. Quando assim é, torna-se fundamental, porque quem desabafa liberta-se de um peso grande. Passa a ser comprometedor se for parar a ouvidos que não tenham por esse desabafo o respeito que ele merece.
SUGESTÃO: Todos nós temos tendência para dar sugestões. Pessoalmente, não as dou muito. Não faz parte da minha maneira de ser. Fico sempre um pouco intimidada. Quem sabe, até, por uma questão de vaidade. Se a minha sugestão não resultar, posso ficar numa situação difícil…
DISPARATE: Todos fazemos disparates na vida. Penso que ninguém se atreverá a dizer que nunca os fez. A maior parte das vezes, somos nós próprios que fabricamos os disparates. Podia encher uma folha com todos os meus disparates – e os dos outros.
ESCÂNDALO: Já Jesus falava no escândalo. São situações muito difíceis. Qualquer um de nós pode vir a estar metido num escândalo. Às vezes, nem sequer nos passa pela cabeça que determinada coisa possa tornar-se num escândalo. Tudo depende dos ouvidos que ouvem, dos preconceitos, da pouca humanidade que existe nas pessoas que o comentam e naquelas que, por vezes, o fabricam.
APLAUSO: Tenho de dar graças a Deus por a minha vida profissional ter sido sempre rodeada disso mesmo: de aplausos. Estreei-me muito pequena, com 13 anos, no D. Maria. A partir dessa altura, tive logo a meu lado uma mulher extraordinária, que se chamava Amélia Rey Colaço. Que me protegeu sempre, que me deu sempre muita da sua ternura, do seu afecto. Que sempre me entusiasmou a fazer as coisas e que sempre me foi aplaudir ao longo da minha carreira. Os aplausos dela são inesquecíveis para mim. Do público, sempre tive também essa ternura e essa estima através do aplauso. Lembro-me de uma história bonita. Quando fiz a Joana d’Arc, apercebi-me de que um homem – sempre o mesmo – descia pela coxia central, ia à beira do palco, e dizia os seus «bravos». Ao longo de muitos anos ele fez exactamente assim, e repetia sempre: «Bravo, Joana d’Arc, bravo!». Um dia, suponho que pela ordem natural das coisas, desapareceu, partiu. Eu tinha 27 anos quando fiz a Joana d’Arc, e já então ele era um senhor de meia-idade…
EXPECTATIVA: Tinha um projecto que não pôde ser realizado. Fazer uma longa digressão por todo o País, com a peça que fiz, O Caminho para Meca, com a Irene Cruz. O Ministério da Cultura não tem verba para isso e, portanto, neste momento estou a ler textos, à procura de uma peça de que goste, e também de uma direcção que me agrade. Há mais de um ano que não represento e custa-me um pouco. A partir de certa idade não se está em situação – nunca se está – de perder tanto tempo. O tempo é precioso. Estou, pois, na expectativa…
PREOCUPAÇÃO: É aquilo que nos faz acordar de noite e a partir daí ter muita dificuldade em voltar a adormecer. Tenho muitas preocupações. Mas não dizem respeito ao meu trabalho. O meu trabalho é a forma de lutar contra elas. Quem tem, como eu, seis filhos, sete netos, fatalmente, tem de ter muitas preocupações. As minhas, cingem-se à minha vida familiar. Aí, sim, são permanentes. Mas vou lutando contra elas. Sempre fui uma mulher forte e uma lutadora em relação a muitas coisas da minha vida. Entretanto, faço o que toda a gente faz: viver com as preocupações sem permitir que elas nos destruam completamente.
EMOÇÃO: É uma das coisas mais belas da vida. Deus deu-nos esse prazer imenso e não há palavras para Lhe agradecer essa dádiva. É das coisas grandes da vida. Das coisas boas da vida. É aquilo que fica depois de já ter passado muita coisa. São momentos da nossa vida e não são tantos assim. Mas são tão fortes, tão belos, tão extraordinários, tão únicos, que ficam em nós para sempre. E são as emoções que nos dão esses momentos inesquecíveis.
AMOR: É a grande palavra. É a chave do Mundo. É indispensável na nossa existência. Todo o amor é fundamental. Sem o amor, como é que nós conseguíamos viver? E é tão difícil, tão triste, quando pensamos ou começamos a perceber que não nos têm tanto amor como gostaríamos. O que fará viver sem ele! Há pessoas – e penso que temos de nos lembrar sempre disto – que não têm essas hipóteses. Pessoas que vivem rodeadas de muito pouco ou nenhum amor.
SAUDADE: É tudo aquilo que Camões diz, não é? É difícil definir o que é a saudade. É tão indefinível, tão especial... É portuguesa! Os poetas é que são capazes de a explicar. No que me diz respeito, não sou uma pessoa saudosa. Não vivo da saudade do que ficou para trás. Não faz parte da minha natureza. Nunca fico agarrada ao passado. Não quero dizer que ao longo da minha vida não tenham existido coisas muito belas. Existiram, graças a Deus! E é muito bom lembrá-las, recordá-las. Mas não acompanhadas desse sentimento. O passado é o passado, está lá, lá ficou. A saudade que me dói é feita de coisas diferentes. Da energia que tinha há vinte anos, por exemplo. Isso, sim, dessa energia, desse entusiasmo, de ser capaz de suportar as coisas com outra segurança, com outra força, com essa outra coragem, disso, sim, tenho saudades. Disso é que eu tenho saudades.
SONHO: Há sempre uma tendência para se dizer disto ou daquilo «é, realmente, um verdadeiro sonho!». Sonhar é bom. Eu gosto de sonhar. Mas sonho pouco. Sempre tive os pés bem agarrados à terra. Sempre fui uma criatura telúrica. Nunca sonho com coisas que não posso realizar. Não vale a pena. Os meus sonhos vão só até onde eu possa concretizá-los. Sempre deitei fora as coisas irrealizáveis.
MEDO: Seríamos diferentes se não tivéssemos medo. É o grande inimigo de todos nós. O maior de todos. Cria-nos problemas constantemente. É uma coisa terrível. Altera tudo em nós. Altera, até, a nossa própria personalidade. Assusta-nos. Ficamos diminuídos com o medo. Mesmo com aquele medo muito simples, o da timidez. Até aí, o medo, é sempre o nosso inimigo.
INTIMIDADE: É a minha casa, os meus objectos, as minhas velhas coisas, as minhas histórias, que cada uma delas tem. É a minha ligação com os meus filhos, com os homens da minha vida, alguns deles que me deram os meus filhos. É qualquer coisa de muito precioso para mim. É como uma pérola. Mas não ofereço a minha intimidade a muita gente. Sempre fui assim. Muito fechada. Tenho amigos, felizmente, mas são poucos, muito poucos. Aqueles que recebo na minha casa e a casa de quem vou, são muito poucos, também. Tudo o que possa perturbar a minha intimidade, deixa-me nervosa. Com vontade de afastar determinadas pessoas, com as quais sei que não posso ter intimidade.
FIGURA PÚBLICA MAIS: Há pessoas que admiro muito. Uma delas é a Maria João Pires. Por tudo o que ela é. Pela generosidade extraordinária que tem para com o seu semelhante. A Maria João é comovente. Uma mãe extremosa. A sua grande inquietação são os seus filhos, os seus netos. É uma pessoa inesquecível. Tão caritativa, tão natural, que me deixa comovida. Não tem um gesto, uma palavra, que não sejam espontâneos. É incapaz de ter uma pose. Rendo-lhe toda a minha admiração.
FIGURA PÚBLICA MENOS: Não vou falar de ninguém em especial. Há figuras públicas menos, mas será que as razões porque elas o são estão todas certas? Com que direito falamos dessas pessoas por quem temos menos admiração ou menos respeito? O que conhecemos delas chegará para as colocarmos de lado? No fundo, sabemos tão pouco uns dos outros…
CALENDÁRIO: O meu deu-me uma bisneta, chama-se Sara. É um segundo bisneto. O primeiro, filho do meu neto mais velho, chama-se Lucas e é um amor. O meu calendário aí está bem preenchido…
Autoria e coordenação: Soledade Martinho Costa
In Notícias Magazine/1999
N. - Trabalho gravado em casa da nossa comum Amiga Bernardette, durante uma das visitas de Eunice a Condeixa-a-Nova. Uma manhã de Sol, uma longa e aliciante conversa, enfeitada com gatos e vasos de sardinheiras.
Beijinho Eunice, beijinho Bernardette!
S.M.C.
- Que frio mais horrendo! – Resmungou Dona Esquilácia, olhando para a neve que caía lentamente lá fora.
- Temos fome! Temos fome! – Gritaram os esquilinhos.
Dona Esquilácia olhou-os com imensa tristeza. Estavam os cinco enrolados numa manta de lã vermelha, devidamente vestidos com luvas, cachecóis, casacos, gorros e meias. Haviam nascido todos no Inverno, de modo que Dona Esquilácia tinha que chegar a casa apenas ás três e meia da manhã, todos os dias, para encontrar alimento que os sustentasse, chegando ao ponto de que Arnaldo, seu marido, tivesse de partir para outras regiões procurando comida.
- Fiquem aqui meus esquilinhos! A mãe vai buscar comida, que o nosso armazém acabou. Não se assustem, que a mamã volta já, sim?
O esquilinho mais novo gemeu de frio e fome. Ainda era demasiado novinho para ficar sem a sua querida mãe. Dona Esquilácia beijou-os todos na testa e murmurou-lhes frases amorosas aos ouvidos.
Dona Esquilácia vestiu um casaco grosso de lã azul e umas calças de ganga forradas de pêlo por dentro. Apertou o fecho, calçou as luvas e as botas – de - neve e tirou do bolso do casaco um papel amarrotado e escrevinhado, a sua lista de compras.
- Portanto, maçãs, passas, avelãs, nozes e grão.
Saiu da sua toca e caminhou sem parar, lutando contra o vento gelado que lhe penetrava no pêlo castanho e brilhante.
Após duas horas, ainda não encontrara nada no meio da neve gelada. Até que, de repente, avistou uma casinha pequenina, rural e branca com um telhado de tijolos avermelhados.
- Estou muito cansada, tenho de parar e pedir ajuda! – Disse Dona Esquilácia.
Arrastou-se pela neve e viu que a uns metros de distância havia um celeiro com uma janela aberta. Hesitando, entrou pela janela, indo dar a uma sala cheia de cordeiros, ratinhos do campo, ovelhas, vacas, cavalos, burros, um cão e um gatinho ainda pequenino.
- Desculpem invadir assim a vossa propriedade, mas estou cheia de fome que não consigo controlar, tenho cinco esquilinhos em casa para alimentar e queria pedir-vos alguma comida…
- Qual quê? Há sempre espaço para mais seis! Vai a tua casa buscar os teus esquilinhos e passaremos aqui o Inverno juntos!
A seguir podem imaginar o que aconteceu… Dona Esquilácia e os seus cinco esquilinhos passaram o Inverno juntos e sabem porquê? Porque estavam no Natal e a generosidade invadiu o coração de todos os seres humanos e também dos animais! E todos prometeram passarem o próximo Inverno e Natal juntos!
Maria Teresa (10 anos) – Texto não corrigido
«Neptuno e Anfitrite», Jacob de Cheyn, Wallraf-Richartz Museum, Colónia
Talvez houvesse areia
E tu sorrisses
Talvez houvesse mar
Fosse uma praia
E um búzio sibilino
Anunciasse
Que te aguardavam ninfas e tritões.
Talvez houvesse vento
E tu partisses
Talvez houvesse lua
Fosse um espelho
E um hipocambo de oiro
Te levasse
Ao reino de Anfitrite e Neptuno.
Talvez houvesse esperança
E tu esperasses
Talvez houvesse ceptro
Fosse um trono
E Nereu te oferecesse um diadema
E com ele adornasse
Os teus cabelos.
Talvez houvesse paz
E tu dormisses
Talvez houvesse alguém
Fosse uma voz
E Tétis no seu peito
Te acolhesse
Como se fosses o filho de Peleu.
Talvez houvesse tempo
E tu pudesses
Talvez não fosse Inverno
Não chovesse
Não fosse noite
E medo
E punição.
Talvez não existisse
Um rouxinol
Cativo do seu canto
Nos teus pulsos.
Os vinte anos da tua solidão
Talvez tu próprio
Um dia
Mos contasses.
Talvez houvesse fome
Fosse amor
E o teu desejo tão-só
De que a matasses.
Soledade Martinho Costa
Aqui fica, como prometido, o segundo poema destinado ao Sarrabal, enviado por Maria Eugénia Neto. No início deste Novo Ano de 2011, que seja portador da Esperança em dias melhores e do amor solidário e universal.
Com muita amizade, vai um beijinho até Angola!
S.M.C.
Senhor Deus do Universo
Os confusos, desamparados
Questionando as lendas inventadas
São os puros do coração
São os que Te buscam
No amor e na ternura;
A linguagem universal
Sensitiva a todos os seres animados
E mesmo inanimados.
Olha como as flores desabrocham
Com um toque ou uma palavra de carinho
Olha como os animais ferozes
Se dulcificam a uma palavra de amor
De compreensão pela sua individualidade
Olha as plantas como se abraçam
Em gestos solidários, sociáveis
E as palmeiras estendem as palmas
Para tocar os muros e não sentir a solidão.
Sabe, Senhor
Que o que nos falta é só amor
Para que o nosso ser vibre em êxtase
E sejamos uma sinfonia universal.
Eugénia Neto
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